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OPINIÃO

Artigo | Nazismo e neonazismo: qual a diferença?

Os neonazistas desviaram o foco do ódio contra os judeus para os negros, pobres, povos nativos, refugiados e a mulher

Belo Horizonte |
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"Os neonazistas, do pondo de vista econômico, não são nacionalistas. O nacionalismo neonazista é apenas ufanista: o verde-amarelismo" - Reprodução / Página 12

A priori podemos dizer que a diferença entre o velho e novo nazismo é só de ordem temporal. Mas o perigo é exatamente este. O neonazismo vem vestido e maquiado na moda contemporânea, disfarçando a ideia de horror que o nazismo alemão causou e causa até hoje.

O triunfo do nazismo na Alemanha, na terceira década do século XX, foi em momento de crise econômica e estagnação em toda a Europa que sofria as consequências da primeira guerra mundial (1914-1918) e a crise econômica de 1929. O plano da política econômica nazista conseguiu resolver o problema do crescimento econômico, proporcionando aumento da taxa de emprego. Proveu de benefícios as empresas privadas e o PIB alemão cresceu a uma taxa de 9% ao ano. Mas naquele tempo a economia não era globalizada como na atualidade.

O governo alemão conseguiu empregar 5 milhões de trabalhadores estrangeiros em regime de escravidão, fazendo aumentar o lucro das empresas nacionais. O plano econômico de Hitler incluía a guerra com a finalidade de submeter os países vencidos, fazendo carrear vantagens para a Alemanha.

Os neonazistas, do pondo de vista econômico, não são nacionalistas. O nacionalismo neonazista é apenas ufanista: o verde-amarelismo. O que interessa é que elementos das classes altas e médias sejam bem remunerados com altos salários ou com participação nos lucros nas empresas multinacionais; aumento da exploração de trabalho com desregulamentação do trabalho formal, de modo que a oscilação no mercado redunde em perda só para os trabalhadores. A guerra não é mais interessante para a economia globalizada. Qualquer atrito entre um país e outro, faz cair a cotação das ações nas bolsas de valores e provoca alteração nos preços de combustíveis e outros produtos.

Com o empobrecimento das populações dos países latino-americanos, decorrente do desemprego, do trabalho informal e das reduções das remunerações do trabalho, os conflitos sociais e os golpes de Estado tornaram-se frequentes. Mas os partidários e os defensores do liberalismo econômico não se preocupam com tal desastre social e suas consequências em futuro próximo. Faz parte da ideologia neonazista considerar que as pessoas ficam pobres porque são incompetentes ou preguiçosas. Em caso de revolta ou protestos devem ser mortas pelos policiais, que ficam isentos de crime.

Do ponto de vista cultural, o nazismo na Alemanha usou ostensivamente as artes e a propaganda para atingir o público de um modo geral. Para tal, suprimiu as liberdades democráticas existentes. Os nazistas consideravam a democracia como a “muleta dos fracos”. Os fortes e resolutos “não precisam de democracia”. Todos os meios de comunicação, como rádio, cinema e jornais, passaram para o controle dos nazistas. O objetivo era destruir impiedosamente os oponentes ao regime e consagrar como heróis os seus apoiadores.

O filme “O eterno judeu” foi apresentado como um documentário educacional sobre o judaísmo internacional, no qual os judeus aparecem como sujos, uma raça de parasitas. Aparecem na tela em forma de ratos e diz: “Os judeus corrompem a arte e a religião e não conseguem aprender o conceito ariano de beleza”. Aparece na tela referência ao cubismo, expressionismo e jazz. “A juventude perdeu todos os valores nobres”. Aparece na tela Karl Marx, acompanhado de Rosa Luxemburgo.

Os nazistas contemporâneos desviaram o foco da maledicência, de ódio e de preconceitos contra os judeus para os negros africanos ou não; para os pobres em todos os países; povos nativos da América Latina e atuais indígenas; mulçumanos e refugiados de guerra e, também, a mulher moderna que conquistou certa independência. Na Alemanha nazista a mulher só tinha a função de procriar e contribuir com a pureza da raça ariana.

Em 16 de janeiro deste ano, o então secretário de cultura, Roberto Alvim, lançou o programa de ação cultural do governo federal para o próximo triênio. Se não fosse o caráter nazista de seu discurso, o conteúdo neonazista do programa teria passado despercebido. Tem como objetivo premiar composições musicais populares e eruditas, que venha reforçar a “fé cristã e o nacionalismo”.

Para o atual governo, a cultura nacional brasileira deve ter o caráter do “American way of life”, isto é, o modo americano de viver, em que prevalece a religiosidade atrelada ao sistema econômico. As artes, especialmente o cinema e a música, impregnadas de caráter ideológico, que difunde a supremacia do dinheiro; e o triunfo do indivíduo contra o coletivo. É o que podemos esperar das obras de artes a serem premiadas de acordo com o atual projeto do governo brasileiro.

*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.

Edição: Elis Almeida