Minas Gerais

Pandemia

Por promover aglomeração, mineração é responsável por aumento de covid-19 em Minas

Em Brumadinho, segundo prefeitura, a taxa de infecção é muito maior que a de BH e a de Minas Gerais

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Trabalhadores da mineração aglomerados em ônibus/Foto meramente ilustrativa - Michele Spatari/AFP

Minas Gerais assistiu os números de casos positivos de covid-19 subirem exponencialmente nas últimas semanas. Já são 32.769 pessoas contaminadas e 806 óbitos, de acordo com o boletim de quinta (25) divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde. Apesar de ser preocupante a situação de todos os 652 municípios onde há casos confirmados, nos locais que contam com atividades ligadas à mineração, a situação é catastrófica.

Em municípios como Itabira, Brumadinho, Conceição do Mato Dentro, Itabirito, Mariana, Ouro Preto, a mineração é grande responsável pela transmissão comunitária do coronavírus. “A grande questão é que a mineração, assim como várias outras atividades econômicas, provoca aglomerações. Os trabalhadores esperam juntos no ponto de ônibus, entram na mesma van ou no mesmo ônibus, se juntam nas filas para bater ponto, nas rodoviárias das empresas, além de dividirem cabines e maquinários”, explica Luiz Paulo Siqueira, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

Além disso, segundo Luiz, a mineração provoca o deslocamento de trabalhadores entre cidades, que moram em um local, mas trabalham em outros municípios, sendo um potencial de propagação regional do vírus.

Boom de casos

Em Itabira, que já atinge 523 casos confirmados, registrou uma explosão desde que a Vale iniciou as testagens em seus trabalhadores diretos e terceirizados. Inclusive, uma fiscalização realizada no final de maio por auditores fiscais do Trabalho levou a uma paralisação por 12 dias das atividades minerárias. Segundo levantamento realizado pelo MAM, entre 2 e 9 de junho, houve um crescimento de 22% dos casos positivos no município, sendo que nos dias em que a empresa ficou parada – de 9 a 16 de junho –, o aumento caiu para 4%.

“O que nos preocupa muito é que a mineração é um dos setores mais insalubres de acordo com Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isso porque a população tende a ter mais doenças respiratórias, tanto por causa do contato com a poeira de metais e com o pó do minério. Ou seja, tanto os trabalhadores do setor, quanto as comunidades ao redor dos empreendimentos estão propensos a serem parte do grupo de risco da covid-19”, aponta Luiz.


Gráfico mostra a situação da doença na cidade de Itabira e região / MAM


Gráfico mostra a situação da doença na cidade de Conceição do Mato Dentro e região / MAM


Gráfico mostra a situação da doença na cidade de Brumadinho e região / MAM


Gráfico mostra a situação da doença em diversas cidades de Minas Gerais / MAM

Impactos do crime

Em Brumadinho, onde aconteceu o rompimento da barragem da Vale no Córrego do Feijão em janeiro de 2019, já são 159 casos positivos registrados até a quarta (24), segundo informações a Prefeitura Municipal. Na segunda (22), em 24h a cidade apresentou um recorde de 22 casos a mais de covid-19.

A preocupação da população do município em relação ao contágio pelo coronavírus se intensifica com os impactos do rompimento da barragem, sobretudo por causa das obras que estão em andamento após o crime. A principal queixa dos moradores é o aumento das doenças respiratórias por causa da poeira. Grazielle Silva, que é produtora rural, moradora do Tejuco, comunidade de Brumadinho, conta que grande parte da horta de sua família foi destruída por causa da poeira.

“Não estamos sendo prejudicados não só financeiramente. Tenho bronquite alérgica e devido ao excesso de poeira, venho tendo crises diariamente e nos preocupamos bastante por causa do risco da covid-19. Faço uso da microvaporização e de bombinhas por causa da alergia. E eu e toda minha família estamos fazendo tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Estamos vendo nossos sonhos, nosso trabalho, sendo destruídos e sem sequer ver algum responsável pela empresa dar as caras pra resolver a situação”, denuncia. A poeira, segundo Grazielle, é causada pelo trânsito de caminhões em uma estrada localizada a aproximadamente 100 metros da horta de sua família.


Horta de família de Brumadinho foi quase totalmente destruída por causa da poeira / Reprodução

Fernanda Ribeiro, que também é moradora do Tejuco, reclama do mesmo problema da poeira. “Eu tenho três crianças, os meus filhos, principalmente o pequenininho de 6 anos, tem dado crises de sinusite uma atrás da outra. A mesma coisa acontece comigo, com minha filha de 8 anos. Bronquite nem se fala. A gente vive tomando antialérgico, usando a bombinha, fazendo microvaporização, pingando colírio antialérgico”, desabafa.

O transtorno causado pelas obras da Vale se repete em outras comunidades do município, o que dificulta, inclusive, as medidas de prevenção ao coronavírus ligadas tanto à higiene quanto ao distanciamento social. A professora da PUC Minas Carolina Resende, que atua em projetos de extensão na comunidade da Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, relata que os moradores estão com dificuldades de tomar as medidas de prevenção de forma autônoma, principalmente porque existe um trânsito muito intenso de funcionários.

 “Não é uma questão só da pessoa, da casa dela, de cuidar da higiene, do isolamento. Porque tem um volume muito grande de funcionários que transitam no local. Lá tem pessoas infectadas por causa disso”, conta. A comunidade fica próxima ao Rio Paraopeba, onde está sendo construído um novo ponto de captação de água para abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, já que a estação da Copasa – construída em 2015 – foi destruída pela lama de rejeitos.

Segundo o Centro de Operações de Emergência em Saúde (COES) do município, a taxa de incidência da doença em Brumadinho é 364,1 casos a cada 100 mil habitantes, número muito maior se comparado a Belo Horizonte, que é 181,1 a cada 100 mil habitantes, e a Minas Gerais, que é 141,2 a cada 100 mil habitantes. Ainda segundo a prefeitura, os casos positivos aumentaram durante o mês de junho devido à testagem realizada pelas empresas que atuam no município.

Esse fato é explicado pela maior disseminação da doença e também pelo aumento no número de testes realizados, principalmente pelas empresas que atuam no município e realizam a testagem de forma independente, mas encaminhando todos os resultados positivos para a Vigilância Municipal em Saúde e, portanto, estão contemplados no boletim epidemiológico.

A mineração tem que parar

No início da pandemia, em 28 de março, o Ministério de Minas e Energia (MME), emitiu a Portaria 135/GM que considera como serviços essenciais todas as atividades ligadas à cadeia produtiva do setor mineral. Essa portaria foi reafirmada pelo governo federal através do Decreto 10.329/2020.

A mineração impede o distanciamento social, por isso é importante a suspensão das atividades neste momento de pandemia. Em parte, a mineração é uma atividade essencial, porque a gente tira bens pra construção da vida social, mas não se justifica manter as operações agora, ainda mais pensando no modelo de mineração temos no Brasil, que cerca de 80% da produção  é destinada pra exportação, comenta Luiz Paulo, do MAM.

Ainda segundo Luiz, a suspensão das atividades minerárias deve ser uma medida integrada em um pacote que garanta à população condições de enfrentar a pandemia. Entre as ações, listadas na Plataforma Emergencial para Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus e da Crise Brasileira, estão a proteção do trabalho e emprego, a garantia de renda para os trabalhadores, e isenção de tarifas de serviços básicos, como água, gás e energia elétrica.

Outro lado

Em seu site, a Vale afirma que realiza diversas medidas de enfrentamento à covid-19. Entre as ações listadas, estão a medida de temperatura dos empregados na entrada das unidades, a distribuição de máscaras, desinfecção e higienização permanente dos postos de trabalho e ambientes e afastamento de empregados com doenças crônicas, aplicação de testes rápidos para verificar se o empregado teve contato com o vírus.

(Com colaboração de Marina Oliveira, Articuladora Social da Arquidiocese de Belo Horizonte)

Edição: Joana Tavares