Minas Gerais

ECONOMIA

Artigo | Reforma Tributária sobre o consumo: o que precisa ser feito

É preciso enfrentar a complexidade da legislação, a cumulatividade, a guerra fiscal e a regressividade da tributação

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
"A reforma tributária precisa tornar o sistema tributário mais simples e justo" - Créditos da imagem: Reprodução

A tributação sobre o consumo, no Brasil, é realizada por meio de cinco diferentes tributos: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e Comunicação (ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS), a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Ao incidir sobre o fornecimento de produtos e serviços, onera praticamente todos os elos de todas as cadeias econômicas, representando relevante fator a ser considerado nas decisões de investimento e de planejamento tributário.

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De suma importância para o erário, o valor dos recursos arrecadados com esse tipo de tributação foi, em 2020, equivalente a 13,42% do Produto Interno Bruto nacional, mais de um terço da carga tributária total brasileira.

Apesar de sua relevância e de termos sido um dos pioneiros em sua implantação, a tributação sobre o consumo em nosso país estagnou nos últimos 50 anos, sendo urgente sua ampla reforma, sobretudo em seis de seus principais aspectos, aos quais apresentamos nossas sugestões de reforma.

Complexidade da legislação

As dificuldades com a legislação sobre consumo derivam de três aspectos principais: a tributação é composta por cinco tributos diferentes, cada um com sua legislação própria e diversos regimes; o ICMS possui vinte e sete legislações diferentes e o ISS tem uma legislação para cada município que o instituiu; em cada ente, e em cada tributo, as legislações apresentam uma série de exceções às regras gerais. 

Essa complexidade resulta em grandes dificuldades para os contribuintes, tais como elevados custos de conformidade, a qual se torna ainda mais onerosa a medida que a atuação do contribuinte se expande para diversos estados e municípios, e com contencioso tributário, seja em âmbito administrativo ou judicial, o qual gera incertezas, despesas com honorários e custas, garantias, adiamento de investimentos e de arrecadação. 

Solução

O ideal, seguindo o modelo europeu, é a fusão de todos os cinco tributos em um único imposto sobre valor agregado - IVA. Entretanto, dificuldades políticas parecem impor um IVA dual no Brasil, com um para a União e outro de competência conjunta dos estados e municípios.

A nova legislação precisa ser mais clara e objetiva que as vigentes, também diminuindo a quantidade de regras tributárias e exigências acessórias.

Cumulatividade

Em tese, o ICMS e o IPI não são cumulativos. A legislação do PIS e da Cofins possibilita a opção pelo regime não cumulativo. Entretanto, em todos os casos, a não cumulatividade possui restrições ao uso de créditos. 

Como exemplo, podemos observar o ICMS, em que a utilização de créditos referentes a aquisição de bens para o ativo imobilizado não ocorre imediatamente, mas no decorrer de quarenta e oito meses; os créditos sobre energia elétrica não podem ser utilizados pelos contribuintes do setor comercial; não podem ser utilizados créditos incidentes sobre bens adquiridos para uso e consumo.

O ISS, por sua vez, é cumulativo, ou seja, não se pode abater do valor a pagar o montante do tributo incidente nas operações anteriores.

A cumulatividade traz um elevado custo para os contribuintes não só pelo aspecto financeiro, como também pelo aumento do contencioso, em razão das inúmeras divergências quanto às diversas vedações de creditamento.

Solução

Dar direito ao crédito incidente sobre todas as aquisições do contribuinte, seja de bens ou de serviços. 

Sem dúvida, a não cumulatividade plena traria, num primeiro momento, diminuição da arrecadação, a qual pode ser suplantada face à economia com a diminuição do contencioso tributário e o aumento da arrecadação decorrente do aumento da atividade econômica gerada pela reforma tributária. 

Saldos credores continuados

Mesmo havendo restrições à não cumulatividade, vários contribuintes que realizam preponderantemente operações de exportação ou elevados investimentos, mantém saldo credor continuado de tributos sobre o consumo. 

Apesar de haver previsão de devolução desses créditos ao menos aos contribuintes exportadores, na prática, isso ocorre em pequena proporção.

Solução

Para viabilizar a devolução dos saldos credores é necessário garantir a existência de recursos. Nesse sentido, o direito ao crédito pelo adquirente deve ficar condicionado ao efetivo pagamento do tributo devido pelo seu fornecedor. Tal situação resultará na liquidez necessária às devoluções de saldos credores em curto prazo de tempo.

Guerra Fiscal

O ICMS e o ISS são tributados e arrecadados, de maneira praticamente integral, na origem. Ou seja, pelo ente do local onde está instalado o fornecedor de bens ou de serviços. 

Essa circunstância tem dado azo a que os diversos entes defiram benefícios tributários, cada vez maiores, a contribuintes para que se instalem em seus territórios.

Ocorre que a competição entre os entes pelos contribuintes vem paulatinamente corroendo a base de incidência desses impostos, representando um perigo à sustentabilidade fiscal dos Estados e Municípios.

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Solução

É fundamental que a tributação sobre o consumo passe a ocorrer no local do destino da mercadoria comercializada ou do serviço prestado. A guerra fiscal, nos moldes hoje conhecidos, findaria. 

A alocação dos investimentos passaria a se pautar por critérios como proximidade do mercado consumidor, infraestrutura e facilidades logísticas e de recursos humanos, aumentando a eficiência econômica dos investimentos. A neutralidade tributária seria prestigiada.

Entretanto, há de se observar que a concessão de benefícios fiscais têm sido uma ferramenta, em algum nível, eficiente para gerar desenvolvimento econômico em várias regiões do país. Será necessário criar uma ferramenta para substituir a concessão de benefícios fiscais.

Nesse passo, sugere-se a criação de um fundo nacional de desenvolvimento regional para investimento exclusivo em infraestrutura e no aperfeiçoamento da mão-de-obra em locais de baixo IDH.

A diminuição das desigualdades regionais, objetivo da Constituição Federal, fundamenta o provimento de recursos para esse fundo pela União, maior responsável pelo cumprimento dessa meta constitucional.

Cargas tributárias diversas

As legislações dos tributos sobre consumo apresentam uma série de exceções às regras gerais instituídas. São situações específicas para diversos produtos. Benefícios fiscais tais como alíquotas diferenciadas, reduções de base de cálculo, crédito presumido que acabam por gerar cargas tributárias diferenciadas entre produtos semelhantes, como por exemplo, leite e bebidas lácteas. 

Essa situação gera um grande contencioso tributário. Questões meramente técnicas acabam nos tribunais administrativos e judiciais.

Solução

A primeira atitude é estabelecer alíquota uniforme em todo o país para cada produto ou serviço. 

Seria ainda melhor constituir apenas uma alíquota para todos os produtos e serviços. Contudo, certas atividades e mercadorias, por serem essenciais, tais como saúde e educação, podem ser prestigiadas com alíquotas mais baixas.

Por outro lado, há produtos nocivos, como o tabaco, bebidas açucaradas ou alcóolicas, que devem ter alíquota mais elevada para desestimular seu consumo.

Enfim, a sugestão é que existam, nacionalmente, apenas, no máximo, três alíquotas em cada tributo sobre consumo, situação que já abrandaria consideravelmente os conflitos tributários.

O segundo passo seria vedar a concessão de benefícios fiscais na tributação sobre consumo, pois pouco adiantaria a diminuição do número de alíquotas se ainda pudesse ser reduzida a carga tributária por meio de outros instrumentos de benefícios fiscais.

Para se chegar ao valor das novas alíquotas, demanda-se que os cálculos e simulações sejam apresentados de forma transparente para a sociedade.

Regressividade da tributação

A tributação sobre consumo apresenta uma grande desvantagem. Incide com maior força quanto menor for a renda do contribuinte. Um exemplo pode esclarecer. 

Considerando que sobre a cesta básica a carga tributária de consumo seja de 7%. Quem consome R$500,00 de cesta básica em um mês paga R$35,00 de tributos sobre o consumo.

Entretanto, se o primeiro contribuinte ganha apenas R$1.000,00 mensais e o segundo R$10.000,00, a tributação sobre o consumo (R$35,00) representa 3,5% da renda da pessoa de menor poder aquisitivo, enquanto sobre a renda do segundo representa apenas 0,35%. Ou seja, dez vezes menos, em carga tributária efetiva. 

Paliativo

Não vemos uma solução para a regressividade da tributação sobre o consumo, tendo em vista ser essa uma característica sua. Entretanto, há forma de reduzir os seus efeitos sobre os pobres. A devolução dos tributos pagos sobre os produtos consumidos pelas parcelas de menor renda da população reduziria, na prática, a regressividade. 

No exemplo dado, se fosse devolvido ao consumidor de baixa renda R$32,00, a carga tributária efetiva sobre os R$500,00 consumidos de cesta básica seria de R$3,00, o que corresponderia a 0,3% da sua renda de R$1.000,00, valor menor que os 0,35% de carga tributária do consumidor com renda de R$10.000,00.

O volume de recursos necessários a essa devolução precisa ser considerado no cálculo das alíquotas dos tributos sobre consumo.

Reforma necessária

Uma profunda reforma tributária, que torne o sistema tributário brasileiro mais simples e justo, é uma demanda da sociedade. No que concerne à tributação sobre o consumo, são muitos os problemas a serem enfrentados, mas as soluções são factíveis. Basta ter boa vontade, principalmente política, para concretizá-las.

Rodrigo Spada é presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo.

Sara Teixeira é vice-presidente da Affemg (Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais) e auditora fiscal da Receita Estadual de MG aposentada.

Michel Gradvohl é auditor Fiscal do Estado do Ceará e conselheiro no Contencioso Administrativo Tributário e no Conselho de Defesa dos Contribuintes do Ceará. 

Edição: Elis Almeida