Minas Gerais

Liberdade, Liberdade

Um registro de amor entre dois homens

A luta pelo reconhecimento sociopolítico das pessoas LGBT se fortalece com cena de novela

Belo Horizonte |
André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) em "Liberdade, Liberdade"
André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) em "Liberdade, Liberdade" - Reprodução

Mais um registro. Bem mais ousado, igualmente profundo e menos comum do que os anteriores. Refiro-me a mais um registro das questões da vida de homossexuais nas telenovelas. Questões não menos importantes do que as da vida de qualquer pessoa, mas certamente mais difíceis. Refiro-me à belíssima, amorosa e “inesperada” cena de amor e sexo entre André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) em "Liberdade, Liberdade", de Mario Teixeira, exibida na última semana.
Já havíamos contado aqui sobre a amizade afetuosa dos dois, quando Tolentino, militar da Coroa portuguesa, dorme ao lado de seu amigo, de origem nobre, e não resiste em dar uma espiada no corpo dele. Naquela ocasião, torcemos para que os dois se entregassem ao desejo um pelo outro. E, depois da amizade se tornar mais forte e próxima, quando Tolentino se percebe desvalorizado e humilhado por seu superior, André estava ao seu lado para confortá-lo. Diante da certeza do amor entre os dois, diante das “voltas que o mundo dá, diante as surpresas que a vida nos reserva, de uma segunda natureza muitas vezes oculta”, usando as palavras do português, os dois se permitem viver o que sentem e desejam. E fazem amor, um lindo amor que se descobre mais forte a cada parte do corpo e a cada toque.
O novo registro é mais ousado por duas razões: primeiro por retratar um tempo histórico em que a homossexualidade sequer era considerada como possível na convivência social; segundo porque trata do amor de um militar e de um fidalgo. É igualmente profundo porque mostra o quão difícil e demorado pode ser aceitar e se permitir amar alguém do mesmo sexo.  É menos comum porque foi além do beijo, evidenciando o encontro dos corpos de homens nus, desde o despir-se até a intimidade na cama.
Como lembrou o brilhante deputado e noveleiro Jean Wyllys no Instagram, comentando a cena, as representações dos personagens gays nas novelas podem até ser consideradas “abstrações”, mas, remetendo-se a Albert Campus, quando elas se incorporam em sofrimento, humilhação e morte é que nos ocupamos delas. E assim, elas se tornam registros, tomam formas concretas, reais. A cena é um registro inicial para os muitos que não sabem que dois homens podem se amar. Mesmo há 200 anos, dois homens podem se beijar, se tocar e transar. Nesse sentido, a cena é inesperada. Sem registro, não se espera.
A luta pelo reconhecimento sociopolítico das pessoas LGBT se fortalece com registros como esse. Tem muita gente que não sabe que homossexuais podem amar, casar, ser pais, ser feliz como qualquer outra pessoa. E, por não saber, podem até discriminar sem notar que está discriminando. Por isso, parabéns à equipe da novela e aos atores que deram concretude aos dilemas de seus personagens.
Estarei de férias nas próximas semanas. Até a volta!
Um abraço,
Joaquim Vela

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