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“O golpe rompeu o pacto estabelecido pela Constituição”, diz advogado

Após quebra da ordem democrática, nem mesmo a realização de eleições em 2018 está garantida, afirma Ricardo Gebrim

Brasília (DF) |
Ricardo Gebrim: “O cerco político que conformou o golpe faz parte de uma estratégia do imperialismo estadunidense”
Ricardo Gebrim: “O cerco político que conformou o golpe faz parte de uma estratégia do imperialismo estadunidense” - Isis Medeiros

A poucas semanas do julgamento final do processo de impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff, a crise política do país ainda parece estar só no começo. O interino Michel Temer tem aprovação de apenas 10% da população, índice igual ou até pior que Dilma antes do afastamento, segundo indicam as pesquisas de avaliação mais recentes. Além disso, já enfrenta forte disputa interna com partidos que apoiaram o golpe, como o PSDB, que ameaça deixar a base governista se Temer não implementar um rigoroso ajuste fiscal e abandonar a ideia de se candidatar à reeleição em 2018.
Porém, o que deve mesmo afetar o cenário econômico e político do Brasil são as mudanças prometidas por Temer aos setores sociais que apoiaram o impeachment. O advogado e dirigente da Consulta Popular Ricardo Gebrim prevê a retomada imediata do ciclo de privatizações e cortes de direitos. Nem mesmo a realização das eleições em 2018 estaria assegurada. Para Gebrim, no entanto, o golpe permitiu a construção de unidade de setores populares, que podem fazer frente às tentativas de “desmonte” que vêm por aí.  
Brasil de Fato - O afastamento de Dilma está prestes a ser confirmado pelo Senado. A partir desse novo cenário, o que esperar da agenda política e econômica do governo Temer?
Ricardo Gebrim - Se consumarem o golpe, vão tentar aplicar uma nova ofensiva neoliberal. O principal interesse das forças econômicas que patrocinaram o golpe é mudar o marco regulatório do pré-sal, voltando aos contratos de concessão [com as petroleiras estrangeiras], desmontando o papel competidor da Petrobras. Também querem privatizar o que ainda pode ser privatizado no setor elétrico, esvaziar a capacidade do Brasil de ter um desenvolvimento soberano. Esta é a intenção deles, mas vão enfrentar muita resistência da classe trabalhadora e dos setores populares.
E como está organizada essa resistência popular?
A classe trabalhadora não se enxergou na representação política do governo Dilma e isso foi acentuado pelas medidas do chamado “ajuste fiscal”. Isso impossibilitou uma greve geral que teria sido decisiva para barrar o golpe. Mas, nada nos permite afirmar que o crescimento da capacidade de luta, expresso no aumento do número de greves desde 2004, tenha diminuído. Temos um grande potencial de luta e esta tentativa de uma nova ofensiva neoliberal não será tão fácil para eles, vamos viver um período com muito mais possibilidades de luta do que durante a década de 1990.
Em mensagem aos senadores e ao país, Dilma propôs uma consulta popular sobre a realização de novas eleições. Qual são os limites dessa proposta, ela daria conta de resolver a crise política do país?
O importante da mensagem da Carta da Presidenta Dilma é sua clara denúncia do golpe e disposição de lutar ao lado do povo. A proposta de um plebiscito para antecipar eleições, além de um equívoco político, não tem viabilidade. Após a realização do plebiscito, que somente poderia ocorrer em meados de 2017, será necessária a tramitação de uma emenda constitucional, levando a “antecipação” para 2018 ou 2019. Não é viável.
A classe política que está à frente da deposição de Dilma, como PSDB e PMDB, já começa a se desentender. O que isso significa?
As forças econômicas e sociais que promoveram o golpe tinham a unidade apenas em derrubar o governo legítimo da presidenta Dilma. Inevitavelmente crescerão suas disputas políticas a partir de agora. O que não podemos permitir é que se rompa a importante unidade que os setores populares conseguiram construir na luta contra o golpe.
O que os movimentos populares e a classe trabalhadora devem esperar das eleições presidenciais de 2018? Dá para prever o tipo de disputa que vai se dar?
O golpe rompeu o pacto democrático da chamada Nova República. Rasgou a Constituição Federal de 1988 ao derrubar a presidenta eleita sem qualquer crime de responsabilidade. Não temos sequer garantia de que ocorrerão as eleições previstas para 2018. Devemos retomar a luta democrática, especialmente propondo uma Constituinte que permita ao povo retomar a soberania e reconstruir a democracia abalada por este golpe.
Qual é a natureza dessa crise política que vivemos, que parece mais ampla do que o impeachment?
Fica cada vez mais evidente que o cerco político que conformou o golpe faz parte de uma estratégia do imperialismo estadunidense, que busca de todas as maneiras retomar suas posições no continente, atuando na contraofensiva aos governos progressistas que, nos últimos 15 anos, buscaram responder às aspirações de construção de Estados-Nações com maior grau de soberania política. Haverá ainda a memória coletiva dos setores populares beneficiados na última década, além da capacidade de luta dos movimentos organizados. 

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