Entrevista

“Esse processo tem motivação de quem não quer deixar o Pimentel governar”

Líder do governo na ALMG, deputado Durval Ângelo avalia contexto da votação de processo contra o governador de Minas

Belo Horizonte |
Durval: "A defesa do governador e os deputados aliados sustentam que a acusação é repleta de irregularidades, assim como os métodos de investigação da Polícia Federal"
Durval: "A defesa do governador e os deputados aliados sustentam que a acusação é repleta de irregularidades, assim como os métodos de investigação da Polícia Federal" - Reprodução

Está em discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a abertura ou não de um processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o governador Fernando Pimentel (PT). Os deputados têm até o final de novembro para votar sobre o assunto, que já está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da ALMG. O governador é acusado, pela Operação Acrônimo, da Polícia Federal, de lavagem de dinheiro e corrupção. Concluída a fase de defesa do governador, os 77 deputados estaduais votam em turno único sobre a abertura ou não de um processo no STJ. É necessário que dois terços dos deputados peçam pela abertura para que o caso volte ao STJ, ou seja, 52 votos. Caso isso aconteça, o governador pode virar réu e ser afastado por seis meses (180 dias) do comando do Executivo.  Se os deputados decidirem pela não abertura do caso, o processo é arquivado. 
A oposição critica a pressa dos deputados da base governista e pede acesso às provas que estão no processo. A defesa do governador e os deputados aliados sustentam que a acusação é repleta de irregularidades, assim como os métodos de investigação da Polícia Federal. O líder do governo na Assembleia, deputado estadual Durval Ângelo (PT) argumenta que por trás do processo há questões políticas e defende que é melhor para a população de Minas que o processo seja arquivado para que o governador possa “se libertar para ações mais efetivas”. Confira a entrevista:
A possibilidade de um processo contra o governador Fernando Pimentel passou por várias questões jurídicas. Como a Constituição Mineira, em seu artigo 92, diz que o governador pode ser afastado do cargo se for acusado de crime comum, o caso foi parar no STJ, que entendeu que a Assembleia teria que decidir se o processo é aberto ou não. Quais são os passos atuais da tramitação do processo?
É importante entender que processo do governador Fernando Pimentel (PT) está hoje paralisado por uma decisão do Supremo. O ministro Celso de Mello forneceu um habeas corpus, entendendo que havia irregularidades no processo. Ele determinou que os prazos estão suspensos, inclusive se referenciou ao fato do juiz de primeira instância ter se manifestado no trâmite. Ao mesmo tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) caçou, por 8 votos a 6, a vigência do artigo 92 da Constituição de Minas Gerais, que inovou em relação a processos contra governadores quando se trata de crime comum. Essa legislação entende que a autorização legislativa não precisa acontecer e que pode ser aplicado o afastamento imediato do governador pelo prazo de 180 dias. Então, o que prevalece atualmente é o rito do artigo 86 da Constituição Federal, que aplica aos governadores do estado a mesma prerrogativa da Presidência da República, tanto para crime comum como crime de responsabilidade: ambos só podem seguir com autorização do legislativo.
O que a Assembleia vota agora?
O que a assembleia vai discutir é se autoriza ou não o STJ a processar o governador. Nós da base entendemos que não se deve dar autorização. Primeiro porque estamos advogando o princípio fundamental da soberania popular, que é o voto. A síntese desse processo é uma foto tirada um dia depois das eleições municipais, que mostra um encontro dos líderes do PSDB, PMDB e PP. Se, nesse local, contássemos o número de delações premiadas que envolvem essas pessoas, seriam 48. A imagem explica todo o processo do Pimentel: ali foi feito o acordo onde todos eles decidiram pelo apoio a João Leite [do PSDB, candidato derrotado à prefeitura de Belo Horizonte], com o compromisso de que o Toninho [Andrade, do PMDB, vice de Pimentel] seria o governador de Minas Gerais. Então, pode-se concluir que o interesse que está subjacente a esse processo é político-partidário.
Se a assembleia decidir pelo arquivamento do processo agora, a investigação pode ser reaberta algum dia?
Todos os processos anteriores [contra governadores em exercício em Minas], que são 51, foram reabertos depois. E a prescrição fica suspensa. Não há risco algum de impunidade, isso é um discurso falacioso de pessoas que planejam a armação em Minas Gerais.
Existe uma diferença de teor do processo do Pimentel em relação ao que a Dilma respondeu. A presidenta afastada foi julgada por crime de responsabilidade, já o governador teria cometido crime de corrupção passiva. Qual a relação que você vê entre esses dois processos e contexto que vivemos nacionalmente?
Pimentel ainda não foi processado, ninguém entrou com o pedido de impeachment. O que aconteceu é que o STJ poderá autorizar o possível processo. Se processado, ele seria afastado imediatamente do governo. Por isso entendemos que essa também é uma forma de burlar a vontade do eleitor. Temos testemunhos de policiais federais que afirmam que tudo foi armado. A delação premiada do Bené [Benedito de Oliveira Neto], por exemplo, deveria ter sido reafirmada por outro depoimento. Mas ele é um delator solitário, os outros dois sócios dele (irmão e pai) negaram o que ele disse. É também interessante notar que até hoje ninguém discutiu e entrou com a suspensão do artigo 92 quando um candidato do seu partido estava exercendo o cargo de governador. Ou seja, é uma motivação política, em um momento delicado no país. Motivação de quem não quer deixar o Pimentel governar.
O senhor considera que o Brasil passou por um golpe?
Não tenho dúvida. Juristas que não são de esquerda sabem disso. Tanto que a Dilma não foi responsabilizada, foi absolvida, está elegível. Um golpe construído em uma visão global de América Latina, no qual países como a Venezuela, Paraguai e Argentina também vivem um contexto complicado. Um golpe que teve a atuação ativa dos EUA, foi gerido por essa nova visão de geopolítica dos americanos – evidenciada agora pela vitória do Trump – com conivência e participação de setores econômicos do Brasil (FIESP e outras entidades empresariais). Golpe que contou, ainda, com a cumplicidade do Poder Judiciário em Brasília. Eu acho que isso favorece um pouco o Fernando Pimentel, porque o golpe foi tão grande em Brasília que aqui não conseguiram essa comunhão de forças. Aqui, o governo também tem tido uma articulação positiva com os movimentos sociais, de luta e organização. O governo não consegue avançar mais por causa da situação financeira que vem vivendo.
Mas muitos movimentos populares também têm críticas em relação, por exemplo, ao posicionamento do governador a respeito do golpe contra a presidenta Dilma.
O governador ficou refém desse processo. A situação de Minas acabou encurralando um pouco o Pimentel. Mas, ao mesmo tempo, a Marcha pela Democracia, que saiu de Mariana, entrou pela primeira vez no Palácio da Liberdade.
Em relação à Mariana, que o senhor citou, também existem muitas críticas. Uma delas é sobre a autorização do governo estadual para que a Samarco construa um dique em Bento Rodrigues.
Em relação à Mariana, aqui no estado existe a tramitação de um projeto para os atingidos, que é inédito no Brasil e foi construído junto aos movimentos. Esse projeto resolveria definitivamente a política da mineração, mas as empresas não estão permitindo que o documento seja aprovado. Elas financiam 70% dos parlamentares. E a autorização do dique não veio do Executivo. Ela foi aprovada pelo órgão ambiental, inclusive teve presença do próprio Ministério Público, que votou contra o financiamento de Fundão mas não ajuizou nenhuma ação. Ou seja, tem coisas que não envolvem apenas o governador, nem a bancada do PT. Por que não colocamos em atividade esse projeto que resolveria o nosso problema com as barragens? Porque não temos força pra isso. O poder não é só chegar ao poder. Essa é a mesma crítica que se fazia à presidenta Dilma. Pimentel não conseguiu ir além por causa da conjuntura que ele está vivendo, e votar contra esse processo será uma forma de libertar o governador para ações mais efetivas.
Na sua avaliação, a proximidade do governo estadual com o PMDB é arriscada?
Os riscos são inerentes à vida. Mas aqui [em Minas] o histórico é diferente. Antes do Pimentel entrar no poder, havia 16 anos de aliança do PT com o PMDB. Na eleição do Lula, em 2002, o único PMDB estadual que definiu apoio ao político foi o mineiro. Mas claro que o partido também tem contradições internas, alianças com o PSDB... Mas, ao mesmo tempo, eles têm essas características internas que mudam um pouco o cenário.

 

 

 

 

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