Minas Gerais

Coluna

Filhos e filhas de Maíra

Imagem de perfil do Colunistaesd
Mario Vilela / Funai
Mario Vilela / Funai - É bom lembrar que Costa já era uma indicação bastante problemática, já que vinha das hostes do Partido Social Cristão, do Pastor Everaldo
O governo não eleito direciona sua mira para as populações indígenas

A saga pela retirada de direitos e destruição da arquitetura institucional democrática brasileira continua. Depois dos estudantes, trabalhadores e aposentados, o governo não eleito agora direciona sua mira para as populações indígenas. Tudo em nome de manter vivo o sentido da fotografia registrada na consagração do golpe: um governo sem povo, composto de homens brancos e ricos.

O sinal foi dado com a escolha do Ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), comprometido com os interesses dos latifundiários. Os conflitos de terra se intensificaram sob o patrocínio da retirada do Estado. Depois de ataques a populações indígenas, em ações em que o horror fez conviver tiros e tortura, a situação ganhou instabilidade institucional, com o afastamento do presidente da Fundação Nacional do Índio, Funai, Antônio Costa.

É bom lembrar que Costa já era uma indicação bastante problemática, já que vinha das hostes do Partido Social Cristão, do Pastor Everaldo, mais evangélico e ruralista que social e cristão. Como tudo sempre pode piorar quando se trata de Temer e Serraglio, foi chamado interinamente para a função um general do Exército, Franklimberg de Freitas.

A Funai já vem sendo escanteada há tempo pelo governo não eleito. Seu orçamento foi cortado em mais de 40% em relação ao anterior, bases e postos vêm sendo fechados, e os pedidos de demarcação mofam por falta de estrutura. Em março, foram extintos 347 cargos na fundação. Sem falar na ausência de uma política sistemática de segurança e proteção, que ganha ainda mais relevância face à escalada de violência e impunidade.

A situação faz lembrar Darcy Ribeiro, um antropólogo que amava os índios e escreveu o mais belo romance sobre eles. Em “Maíra”, o escritor nos coloca frente a uma nova cosmogonia, profundamente brasileira, que nos ensina que o humano e o sagrado se completam. Um povo não existe sem seus deuses. Mas os deuses precisam do povo para cumprir seus desígnios.

Em uma passagem, Isaías/Avá, um índio que atravessa uma crise pela experiência da “desindianização”, assume como seu maior compromisso a capacidade de resistir. “Este é o único mandado de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes”.

Um governo que não respeita o povo e que segue afrontando os direitos civis e sociais em nome de interesses de poucos, talvez esteja cometendo um dos maiores crimes que se tem notícia. Depois de ameaçar os homens com o desprezo, agora promove, orgulhosamente, o extermínio de deuses.  

Os inviáveis, no entanto, já estão pintados para guerra.

 

Edição: ---