Plano Popular de Emergência

Reforma do Ensino Médio pode aumentar a privatização do ensino

"Municípios menores terão dificuldade em oferecer itinerários diversificados", diz Secretária Geral da CNTE

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Estudantes protestam contra reforma do ensino médio em São Paulo.
Estudantes protestam contra reforma do ensino médio em São Paulo. - UBES

Militante desde os 16 anos, quando fez parte do grêmio estudantil de seu colégio em São José dos Pinhais (PR), Camila Lanes, atual presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), não tem certeza se vai conseguir ingressar em um curso superior ainda neste ano. Ela havia planejado prestar o vestibular assim que terminasse seu mandato, mas afirma que as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo golpista de Michel Temer abalam suas convicções. 

"O Brasil está passando por uma ruptura muito grande e eu passei minha vida toda com o plano de entrar na Universidade, ou pelo Prouni, ou pelo FIES. Hoje olhando para o futuro eu não sei quais são as possibilidades de conseguir as vagas que queria antes, porque a conjuntura mudou muito", lamenta.

A Reforma do Ensino Médio, Medida Provisória 746/16 que foi sancionada por Temer no dia 16 de fevereiro deste ano, o corte de 20% nos recursos do orçamento de 2017 para as universidades federais, e a não efetivação do Plano Nacional de Educação, são alguns dos pontos mais criticados pela estudante.

Lanes aponta que o número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2017 é o menor dos últimos anos, o que, na sua opinião, é uma das consequências das medidas citadas. "O pacote que ele tem para a educação dificulta muito o acesso à universidade, especialmente para os filhos de trabalhadores de classes mais baixas". 

Privatização

Mais do que isso, a estudante destaca que a Reforma do Ensino Médio serve ao contexto de privatização do ensino público, que vem sendo denunciado por diversos movimentos populares. "A partir do momento que estamos lidando com escolas que tem uma série de dificuldades estruturais, abre-se uma brecha para o início do debate da privatização. Precisamos garantir que a escola seja pública e de qualidade", avalia.

Para Fátima Aparecida da Silva, Secretária Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a divisão do ensino médio em currículos temáticos, um dos pontos da Reforma, é um dos maiores problemas da medida. De acordo com dados do Censo Escolar de 2016, a maioria dos municípios brasileiros (53%) têm apenas uma escola que oferece ensino médio regular ou educação profissionalizante, o que torna a oferta de itinerários flexíveis praticamente inviável. 

"Os municípios menores terão muita dificuldade em oferecer itinerários formativos diversificados. Isso vai fazer com que se arme, paralalemente, redes privadas para ofertar itinerários profissionalizantes. Além disso, você diminui a formação integral e dá uma formação técnica focada em atender nichos de mercado", afirmou Silva. 

O próprio relator da MP 746/16, o senador Pedro Chaves (PSC-MS), é empresário milionário do ramo da educação, sendo fundador da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp), vendida para o grupo Anhanguera, e dono da Escola Mace, um dos maiores colégios privados de Campo Grande.

A Secretária-Geral da CNTE afirma que o caso de Chaves é conhecido. "Ele é um homem do setor privado, que chegou ao Senado sendo suplente de outro senador. Está única e exclusivamente à serviço do setor privado da educação. Não é por acaso, é algo planejado. Com recursos públicos, você coloca a iniciativa privada para dentro da educação do ensino médio", comenta. Contatado pela reportagem, o senador Pedro Chaves não se pronunciou sobre o caso. 

Plano Nacional de Educação

Na opinião de Camila Lanes, no lugar da Reforma do Ensino Médio, o governo deveria ter privilegiado a efetivação das diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE), documento elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) em conjunto com instâncias representativas do setor educacional. O PNE traz metas estruturantes para os próximos dez anos para a garantia do direito à educação básica.

"Talvez se o governo não estivesse pensando em investir na Reforma do Ensino Médio e sim na aplicação do PNE seria uma saída mais elaborada e bem pensada. A efetivação do plano foi uma pauta que o movimento estudantil levantou por mais de sete anos para conquistar, para fazer da escola um instrumento de cidadania, com visão humanizada e não apenas focada no mercado de trabalho", destaca.

As principais críticas ao não cumprimento do PNE giram em torno do contingenciamento de verbas para a educação, que ficou evidente com o sancionamento em dezembro do ano passado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que estabelece um congelamento de investimentos sociais nos próximos 20 anos. 

Para Fátima Aparecida da Silva, a PEC 55 e o fim das discussões sobre investimentos dos royalties do Pré-Sal na educação, representam um grande retrocesso na efetivação do PNE.
 
"O PNE faz uma combinação de recursos, investimentos financeiros, com metas a serem cumpridas. O que nós queremos no Brasil é que as riquezas do petróleo sejam distribuídas com igualdade em políticas públicas, no caso, 10% para a saúde e educação. Estávamos caminhando nesse sentido e agora, com esses retrocessos,  caminhamos para reverter tudo para a iniciativa privada". 

Propostas

Em contraponto ao que está sendo realizado pelo atual governo, diversas entidades ligadas à Frente Brasil Popular (FBP) - que é formada por mais de 80 organizações - lançaram o Plano Popular de Emergência, em que são apresentadas medidas práticas à ampliação do direito ao acesso à educação pública de qualidade. 

Entre outras medidas, o Plano prevê o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, por meio do aumento de investimentos no setor para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2019, e 10% até 2024, além da efetiva destinação de 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal. O documento tem o objetivo de listar uma série de medidas para a recuperação econômica e social do país. 

O eixo de "Direito à saúde, à educação, à cultura e à moradia" do Plano também propõe a revogação total da Reforma do Ensino Médio e da alteração das normas curriculares. Para Camila Lanes, que participou das mobilizações que ocuparam centenas de escolas em 2016 contra as medidas de Temer para a educação, o Plano Popular de Emergência é uma iniciativa de extrema importância. 

"A gente elaborou o Plano em conjunto para achar as melhores alternativas para a crise que o país tem vivido. Além disso, os estudantes também continuam se manifestando. No ano passado o Brasil inteiro assistiu nossas mobilizações com mais de 1000 escolas ocupadas fisicamente pelo país". 

Sobre as críticas apresentadas, a assessoria do MEC afirmou, por email, que a atual gestão assumiu a pasta com meta não cumpridas. "Diante do cenário já de atraso em que foi constatado desde o ano passado, o MEC vem se esforçando em parceria com estados e municípios para o cumprimento das metas".

Sobre a Reforma do Ensino Médio, a assessoria informou que a medida "é um instrumento fundamental para a melhoria da educação no país. "Ao propor a flexibilização da grade curricular, o novo modelo permitirá que o estudante escolha a área de conhecimento para aprofundar seus estudos. (...) Com isso, o ensino médio aproximará ainda mais a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho".

Edição: Luiz Felipe Albuquerque