Minas Gerais

Entrevista

Temer retira do trabalhador condições que lhe dão respeito como cidadão, diz analista

Wanderley Guilherme dos Santos, da UFRJ, analisa o impasse da democracia no país

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
"Participação democrática não se dará nos moldes anteriores"
"Participação democrática não se dará nos moldes anteriores" - Thiago Ripper / RBA

A democracia brasileira foi fortemente abalada por um golpe parlamentar, midiático e judicial. O contexto aponta a dificuldade de conciliar o interesse da ampla maioria do empresariado com a incorporação das massas assalariadas ao mercado. Nessas condições, as camadas dominantes passam a atuar, explicitamente, contra os direitos reconhecidos na Constituição. Grande papel, nesse cenário, é exercido pelo monopólio da mídia.

Para refletir sobre como retomar o processo de democratização do Brasil, o Brasil de Fato MG conversou com Wanderley Guilherme dos Santos, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos principais cientistas políticos do país. 

Brasil de Fato MG: Embora o Brasil tenha avançado no reconhecimento de direitos, continua sendo um país profundamente cindido por desigualdades. Não surpreende, portanto, que tenhamos atravessado três décadas sem um golpe? 

Wanderley Guilherme dos Santos: O que eu acredito ter aprendido é que os primeiros dez ou 15 anos da retomada democrática, a partir do fim da ditadura, não exigiram das instituições democráticas a flexibilidade e capacidade de absorver mudanças econômicas e sociais resultantes de políticas mais afirmativas de distribuição de renda. Nos primeiros anos, governou-se de um modo tradicional, ou seja, os custos da acumulação de riquezas foram majoritariamente pagos pelos assalariados. Em contextos semelhantes, as democracias se comportam muito bem, pois não encontram como adversários os proprietários de capital, proprietários de terras, investidores financeiros. 

A coisa começa a se complicar quando há uma sucessão de políticas sociais que buscam redimir parcela da injustiça histórica do país. Isso provocou abalos nas relações sociais, dando forma ao primeiro grande desafio, de fato, da democracia brasileira. Era preciso absorver os vários atores do jogo social de maneira mais assertiva do que aconteceu até então. Revelou-se extremamente difícil levar adiante políticas de promoção social sem alterar a cultura cívica do país. 

O que aconteceu cada vez mais, desembocando no apoio extraordinário ao golpe – não só por parte do empresariado, mas até da classe média, inclusive entre os que foram beneficiados por políticas sociais –, foi uma reação ao compartilhamento do prestígio social das pessoas, a direitos que independeriam da renda ou status. Há uma resistência e rejeição a compartilhar dignidade de cidadania com a grande massa de assalariados. Agora, parece haver uma incompatibilidade entre políticas de afirmação econômica dos assalariados e o respeito à sua dignidade adquirida. O governo usurpador retira da massa de assalariados aquelas condições que lhes permitiam demandar respeito como cidadãos.     

Você falou em cultura cívica. Uma democracia pode conviver com o monopólio da mídia, tal como vimos no Brasil? 

Estou definitivamente convencido de que não é possível ter democracia, que supõe igualdade de direitos de participação nos bens, serviços e símbolos disponíveis, quando apenas algumas poucas organizações familiares controlam todos os meios de comunicação espalhados por todos os lugares, no país inteiro, à exceção da internet: jornais, revistas, TV, rádio. Não há em um país democrático a permissão para que serviços públicos, como os serviços de informação, sejam praticamente monopolizados. Esse sistema domina o que a população consome como informação sobre si própria, inclusive. Isso é incompatível com a democracia, pois, na verdade, não há liberdade de imprensa, não há liberdade de opinião.

No âmbito partidário, o PSDB tem sido o principal representante da direita neoliberal no país. Agora, porém, o partido está desmoralizado, especialmente após a divulgação dos grampos de Aécio Neves. Essa representação será ocupada por outro partido? 

Por tudo quanto a história ensina, eles se entendem. É preciso ter em conta que a maioria do eleitorado do PSDB não está enganada com relação a quem está votando, não votou porque eram supostamente honestos. Votou porque eram de direita, conservadores. Não vão deixar de votar em conservadores após as revelações sobre o Aécio. Se necessário for, jogam-no no lixo, mas não deixarão de votar em um PSDB da vida. Conservadores votaram em conservadores porque, entre outras coisas, eram contra o catálogo de direitos sociais que os trabalhadores estavam adquirindo. Não porque eram honestos. 

Qual a sua expectativa com relação à democracia brasileira nos próximos anos? Você indicaria mudanças importantes a serem promovidas? 

Eu tenho sérias dúvidas sobre a superação do momento atual. Este é um momento a ser posto entre parênteses. Não haverá uma retomada econômica tal como ocorreu antes desta crise no Brasil, tampouco a retomada da participação democrática se dará nos moldes anteriores, com o mesmo modo de relacionamento entre as classes e os diversos grupos sociais. Não sei como vai ser, mas sei que aquela fórmula de participação não vai voltar atrás. 

Edição: Frederico Santana