Podcast

Como fica o trabalhador com a nova definição de trabalho escravo?

Especialista descreve os problemas que a portaria do governo Temer traz para as relações trabalhistas

Ouça o áudio:

Policiais civis e militares resgatam pessoas em situação de trabalho escravo em Rurópolis - PA
Policiais civis e militares resgatam pessoas em situação de trabalho escravo em Rurópolis - PA - Ascom Polícia Civil
Especialista descreve os problemas que a portaria do governo Temer traz para as relações trabalhistas

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB) publicou no último dia 16 uma portaria que altera as definições sobre trabalho escravo, conceito que está no Código Penal Brasileiro e é base para que seja feita a fiscalização e o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão em todo o Brasil.

Continua após publicidade

Na terça-feira (23), a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar provisória para suspender os efeitos da portaria, mas a decisão deve ser julgada pelo plenário do STF.

Na pergunta da semana do quadro Fala Aí, a ouvinte Daniele quer entender melhor como essa portaria funcionaria na prática. Quem responde é o procurador do Ministério do Trabalho do Pará, Roberto Rui Rutowitcz Netto.

"Meu nome é Daniele Cristina da Cunha, tenho 32 anos e sou estudante. Queria saber como que vai ficar a situação do trabalhador com essa nova linha aí de trabalho escravo. O que vai acontecer?" 

"Boa tarde Daniele, aqui é Roberto Rui Rutowitcz Netto, eu sou procurador do trabalho aqui no Ministério Público do Trabalho da 8ª Região de Belém do Pará, e sou coordenador regional de combate ao trabalho escravo. Por que se está criticando muito essa portaria? Ela é simplesmente uma portaria que alterou um conceito do Código Penal que já está na lei, que é justamente o conceito de trabalho escravo, onde se prevê a questão do trabalho degradante. Por esta portaria, agora só passa a ser trabalho escravo se o trabalhador tiver sua restrição de liberdade cerceada, se houver restrição do direito de ir e vir desse trabalhador, ou seja, a gente sabe que mais de 80% dos resgates de trabalhadores escravos são caracterizados pelas condições degradantes de trabalho, que são aquelas condições onde o trabalhador é tratado simplesmente como uma coisa, um objeto. Sua dignidade de ser humano é relegada a segundo plano. Então, eu não preciso, pelo conceito atual da legislação de hoje, para caracterizar trabalho escravo, ter o cerceamento da liberdade desse trabalhador. Eu não preciso ter o capanga, esse trabalhador não precisa estar acorrentado, basta que ele seja tratado como uma coisa, em condições degradantes de trabalho. E essa portaria visa justamente fazer o contrário, pra ela só é trabalho escravo se houver a vigilância armada, se houver o trabalhador aprisionado, o trabalhador vigiado 24 horas ostensivamente. Ela vai não só prejudicar o trabalhador, que vai poder ser escravizado em condições degradantes, ele não vai poder ser resgatado pela fiscalização. Ou seja, pra que a fiscalização possa resgatar o trabalhador e para que haja o enquadramento legal, do tipo penal do crime, para que ele possa inclusive ser beneficiado dos direitos, no caso, seguro desemprego, ser resgatado com rescisão do contrato de trabalho, a portaria vai precisar ter caracterizado essa restrição da liberdade. Como não vai haver essa restrição da liberdade, na maioria dos casos, a fiscalização não vai poder resgatar esse trabalhador, e o pior, os empregadores que forem apanhados com trabalhadores degradantes não vão mais constar na Lista Suja", finaliza. 

Edição: Camila Salmazio