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"Vou defender o que está na Constituição, doa a quem doer", afirma Durval Ângelo

Para novo conselheiro do TCE-MG, combate à corrupção exige respeitar o Estado de direito

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Durval: "“Aristóteles já ensinava, há quase 2500 anos, que ser cidadão é ter poder. E o poder emana do povo”
Durval: "“Aristóteles já ensinava, há quase 2500 anos, que ser cidadão é ter poder. E o poder emana do povo” - Foto: Reprodução/TCE-MG

O governador Fernando Pimentel indicou o atual líder do governo na Assembleia Legislativa, Durval Ângelo, como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ele passa a ocupar a vaga outrora preenchida por Adriene Barbosa de Faria Andrade, falecida em abril. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, no dia 25 de julho, Durval Ângelo analisa os desafios no TCE. Para ele, sua trajetória na defesa dos direitos humanos é uma contribuição que pode enriquecer a atuação no Tribunal.

Brasil de Fato - Qual o papel do Tribunal de Contas do Estado? Que desafios você prevê para sua atuação como conselheiro?

Durval Ângelo - Os tribunais de contas têm um papel fundamental. O TCE analisa as contas dos 853 municípios de Minas Gerais, do Executivo, Legislativo e administração indireta. Analisa também os órgãos estaduais, a vida de todo servidor público de Minas Gerais e todo convênio que o governo faz com entidades da sociedade civil, verbas de publicidade. Até os movimentos, que podem ter parcerias com o Estado, podem ser analisados e julgados no tribunal.

O governador Fernando Pimentel tem indicado candidatos progressistas. Já indicou três mulheres com essa visão. A minha indicação era discutida antes mesmo que o governador assumisse, em 2014. Para mim, é uma satisfação. Tenho 30 anos de mandatos, seis de vereador, 23 e sete meses como deputado. O que eu vou levar é um pouco da minha luta pelos direitos humanos. Sou educador há 40 anos e levo para lá um papel educativo. Tenho trabalhado, nas últimas duas décadas, a formação de conselhos de cidadania previstos na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional. Cheguei a escrever uma série de cartilhas sobre isso, a pedido da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], e acredito que é possível fazer parcerias com esses conselhos para que eles ajudem o Tribunal a fiscalizar.

Mas, antes de tudo, eu vou ao TCE aprender. Já dizia Guimarães Rosa: “mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende”. Há um corpo técnico muito competente de servidores do tribunal e o colegiado. De qualquer maneira, levo aquilo que sou: minha vida, minha história, meu tempo, minha visão de mundo, de que se deve construir uma sociedade mais fraterna, eliminar todas as formas de preconceito. Mas eu passo, de alguma forma, a ser “juiz”, com as prerrogativas e impedimentos de um desembargador. Por exemplo, eu tenho que me desfiliar, após 38 anos e cinco meses no Partido dos Trabalhadores, que foi o único ao qual me filiei. Assumo essa circunstância nova para julgar com isenção, firmeza, na defesa do patrimônio público, mas sem perder minha visão da vida.

O golpe que destituiu a presidenta Dilma foi dado alegando-se, entre outras coisas, que se pretendia combater a corrupção. Passados dois anos, as condições para o combate à corrupção estão piores ou melhores do que antes?

Desde o final do século retrasado, a defesa dos tribunais de contas no Brasil foi feita por setores liberais e progressistas. A mentalidade monarquista e o republicanismo mais conservador sempre foram contra. O Tribunal de Contas é um instrumento muito importante para combater a corrupção. Os dois governos Lula e o primeiro governo Dilma inauguraram uma fase nova do combate à corrupção no país. O Brasil assinou a convenção internacional da ONU de combate à corrupção no serviço público. Dilma propôs lei definindo a corrupção como crime hediondo, Lula fortaleceu os tribunais de contas, Ministério Público e Polícia Federal. É lógico que não era para atuar de maneira tão seletiva, como estão atuando.

Um tribunal de contas pode ter um trabalho preventivo, não precisa colocar o trinco depois que o ladrão entrou na janela. Uma parceria com a sociedade, empoderando, criando um poder autônomo de ajudar no combate, antes de o dinheiro ser usado indevidamente.

A corrupção é inerente ao sistema capitalista, fragiliza as instituições democráticas, fortalece a ideia de mercado. A corrupção política representa 16%, segundo dados do Banco Mundial. A grande corrupção está no mercado de ações. O dinheiro que circula no mercado financeiro e como são obtidos esses lucros absurdos da financeirização são a principal fonte. Um ponto fundamental está na sonegação e nos paraísos fiscais. Um grande jornal do liberalismo, o The Economist, tem defendido o fim dos paraísos fiscais. São grandes empresários que sonegam e, muitas vezes, aliam-se ao poder público para afrouxar a fiscalização.

E tem também o mercado de drogas, que mobiliza meio trilhão de dólares! Em Minas, por exemplo, temos que tomar cuidado quando falamos do tráfico de drogas, pois podemos ferir o interesse de alguns políticos. Isso também é fonte de corrupção. Então, se não tivermos um reordenamento internacional para acabar com os paraísos fiscais, a impunidade, a sonegação, não vamos conseguir combater a corrupção.

É fácil identificar a corrupção dos políticos, mas isso é a ponta do iceberg. Não podemos ter um discurso ingênuo. Por exemplo, na época de Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras era conhecida como “a empresa dos 10%”. Hoje, vemos na Lava Jato que se fala de 2 a 3% na Petrobras. Mas o mal que eles fizeram para favorecer empresas internacionais de petróleo foi jogar fora a criança junto com a água suja da bacia.

Recentemente, um juiz de primeira instância, em programa de TV, chegou a relativizar direitos fundamentais, em nome de um suposto combate à corrupção. Por que ainda é tão difícil defender os direitos humanos no Brasil?

Só vamos combater a criminalidade e reduzir a corrupção se investirmos em direitos humanos: acesso à escola, curso superior, uma educação que dê sentido à vida, políticas sociais como saúde, assistência social. O que vai garantir, de fato, que a democracia se consolide são direitos iguais. O Brasil não pode ser um país onde você liga a televisão e vê tudo, mas, na hora em que abre a geladeira, não encontra nada. Não podemos conceber que seis ricos tenham mais do que 100 milhões de brasileiros ou que oito famílias no mundo tenham a riqueza de 90% da população mundial. Isso não é democracia.

Não temos que inventar, aprendemos com a história. Para o combate à corrupção ser eficaz, é preciso respeitar o Estado democrático de direito. A Constituição de 1988, quando afirmou os cinco pilares do Estado de direito, teve a genialidade de colocar a dignidade humana e a cidadania. Aristóteles já ensinava, há quase 2500 anos, que ser cidadão é ter poder. E o poder emana do povo. Outro princípio é a soberania nacional, pois, para sermos democráticos, não podemos ser colônia de outro país, como estão querendo fazer.

O discurso rasteiro contra os direitos humanos é para criar inimigos visíveis. Isso leva a processos de intolerância que vivemos na década de 20 do século passado, na Itália, e na década de 30, na Alemanha. Apesar de conturbada, a República de Weimar havia trazido direitos fundamentais para o povo alemão. A partir de 1928, os nazistas começaram a relativizar os direitos humanos. Os judeus, os comunistas, os gays, os ciganos foram desculpa, em um pensamento mais simples da grande massa. Era preciso criar inimigos do Estado, da superioridade de raça, da ordem estabelecida.

Vimos no que deu: 60 milhões de vidas perdidas. E o ser humano se indagava: será que o homem é mesmo o lobo do próprio homem? Em 1961, a pensadora Hannah Arendt, ao escrever sobre o julgamento do [general nazista] Adolf Eichmann em Jerusalém, perguntou onde estava a raiz da tragédia. Simples: na ausência de pensamento. Eles não pensavam, apenas cumpriam ordens.

No Tribunal de Contas do Estado, vou defender o que está na Constituição: amplo direito de defesa, respeito às grandes balizas, doa a quem doer. É dessa forma que eu entendo o que é ser conselheiro em um processo tão complexo que o mundo vive.

Lula, o principal candidato à presidência, líder nas pesquisas, está preso, condenado em um processo muito questionado no meio jurídico. Nessas condições, o que se pode esperar das eleições de outubro? Se confirmada a interdição de Lula, há credibilidade no processo eleitoral?

Muitos juízes, desembargadores, juristas dos mais importantes do mundo têm dito que vivemos uma farsa em Curitiba, onde ninguém tem coragem de enfrentar o imperador da 13ª Vara Criminal. Um imperador que é muito atencioso e complacente com filiados ao PSDB. Além disso, já houve ministro do Supremo propondo à defesa de Lula que, se ele não fosse candidato, poderia ser solto. E existe um princípio da Constituição que não está sendo respeitado: só se pode decretar a prisão com trânsito em julgado. Mudaram a legislação para Lula. A minha opinião é a mesma do movimento dos Juízes para a Democracia, que tem crescido: a eleição sem Lula é uma farsa.

Recentemente, a mesa diretora da Assembleia aceitou pedido de impeachment do governador Fernando Pimentel. Qual a situação desse processo?

Eu, como líder do governo fiz uma questão de ordem que foi rejeitada. Os deputados André Quintão e Rogério Correia (PT) também apresentaram questões de ordem. Apontei que o ato de recebimento do pedido de impeachment é personalíssimo do presidente, mas foi recebido pelo vice-presidente. A segunda questão dizia que o pedido não tem fundamentação correta. A denúncia central era o não pagamento do duodécimo, um repasse mensal feito ao Poder Legislativo e outros órgãos, mas, quando o pedido começou a tramitar, já havia sido feito o pagamento. O que tem atraso é o duodécimo de investimento, uma parte pequena. Eu também levantei uma questão sobre a legitimidade de quem apresentou o pedido. Hoje, o pedido de impeachment é uma estratégia eleitoral, palanque político. Então, eu acredito que a Mesa Diretora vai ter bom senso e arquivará esse processo. Mas é preciso que a população esteja atenta. Se eles não querem disputar a eleição nas urnas, que não lancem seus candidatos.

Eu sempre critico a judicialização da política, o voto popular tem que ser absoluto. Só pode haver recurso naquilo que for fraude evidente. O Judiciário não pode ser para-raios para derrotados. Quem quer ganhar precisa ter votos. Por outro lado, há o problema da politização da Justiça, ter gente do Judiciário dando muitas opiniões, pitacos, muita visão política. Até o dia 1º [de agosto], eu continuo sendo líder do governo, continuo com a minha filiação partidária. Mas, a partir do dia 1º, eu não vou manifestar alguns princípios. Se eu critico a politização do Judiciário, eu não vou alimentar isso.

Edição: Joana Tavares