Rio de Janeiro

INTERVENÇÃO

Dias de terror marcam megaoperação das forças de segurança em favelas cariocas

A megaoperação iniciou na segunda-feira (22) com 4.200 militares do Exército e 70 policiais civis para combater o crime

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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A intervenção  militar  na segurança do Rio completou seis meses na última quinta-feira (16)
A intervenção militar na segurança do Rio completou seis meses na última quinta-feira (16) - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Acordar na madrugada ao som de helicópteros sobrevoando a sua casa, buscar abrigo para se proteger dos tiroteios e ser impedido de ir à escola ou trabalhar por risco de morte. As cenas descritas não fazem parte de um roteiro de filme de ação, esta é a realidade de cerca de 550 mil pessoas que moram nos conjuntos de favelas da Maré, Alemão e Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.

A megaoperação iniciada na última segunda-feira (22) com 4.200 militares do Exército e 70 policiais civis para combater o crime organizado causou pânico e indignação de moradores que tiveram o direito de ir e vir cerceado. As redes sociais foram usadas para denunciar as violações de direitos que estavam ocorrendo nas comunidades.

Thainã de Medeiros é morador do Alemão e integrante do Coletivo Papo Reto, uma organização de comunicação independente de jovens do Complexo do Alemão e Penha. Segundo ele, foram muitos os relatos de abuso por parte das forças de segurança desde o início da operação.

“De manhã cedo ainda soubemos que mulheres estavam sendo revistadas por homens, inclusive denúncias deles revistando apalpando, então elas se sentiam constrangidas nessa situação. Recebemos também denúncias de que os celulares estavam sendo vasculhados sem mandado judicial. Casas também foram invadidas e isso é constante na nossa realidade aqui. Não é de hoje que várias casas são invadidas sem mandado judicial no Alemão e na Penha”, destaca o jornalista.

No conjunto de favelas da Penha a situação também não foi diferente. Um dos episódios que mais repercutiu nas redes sociais dos moradores das favelas que estão ocupadas pelas forças de segurança foi o impedimento das famílias acessarem a zona de mata da Chatuba, localizada dentro do Complexo da Penha. De acordo com relatos nas redes sociais, existem corpos no alto da comunidade e os moradores foram impedidos de entrar na região por militares.

Arthur Lucena é morador do conjunto de favelas da Penha e integra a equipe das páginas Vila Cruzeiro RJ e Valores da Penha. Ele relata que na tarde desta terça (21) as famílias tentaram acessar o alto da Chatuba e foram recebidas à tiros pelos militares.

“Lá em cima da mata na Chatuba tem vários corpos, familiares foram lá e o Exército só liberou um (corpo) para descer. Não deixaram os familiares se aproximarem, deram tiros para o alto e ficaram ameaçando e disseram, segundo moradores, que deixariam ‘os urubus comerem os corpos’”, conta.

A gravidade das denúncias fez com que no início da tarde desta quarta-feira (22) a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a ONG Justiça Global, juntamente com associações de moradores, visitassem o Complexo da Penha para ouvir as denúncias e tentar acessar a região da Chatuba.

O ouvidor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Pedro Strozenberg, esteve na comitiva que visitou o Alemão e a Penha. Ele relata que o caráter da visita foi recolher depoimentos dos moradores sobre as violações. Em relação ao episódio da Chatuba, Strozenberg relata que o caso ainda está sendo apurado pela comitiva que está recebendo conteúdo de denúncias pelo Defezap (21) 99670-1400. O anonimato é garantido.

"Não conseguimos apurar corpos ou informações que subsidiassem a confirmação desse fato. Pedimos relatos de familiares que tenham parentes desaparecidos ou que suspeitem que os parentes possam ter passado pela situação de execução para que possamos tomar as providências cabíveis”, explica.

A população das três favelas afetada pela megaoperação realizada pelas forças de segurança segue com os serviços básicos interrompidos. Segundo os moradores, no Complexo do Alemão as escolas permanecem fechadas e no Complexo da Penha o serviço de coleta de lixo, por exemplo, estava suspenso até o fechamento desta reportagem.

Posicionamento

De acordo com os dados oficiais do Comando Militar do Leste, a megaoperação resultou em oito mortes, três militares e cinco civis; 70 presos; 16 armas e 554 quilos de drogas apreendidos e dois carros recuperados.

O Gabinete de Intervenção Federal informou, na manhã da quarta-feira (22), que a ocupação nos complexos do Alemão, Penha e Maré, na Zona Norte do Rio, continua por tempo indeterminado.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação para saber o número de estudantes afetados, mas a assessoria informou que não divulga mais a quantidade de escolas fechadas por conta de operações de segurança. Já o Comando Militar do Leste não respondeu a solicitação de posicionamento sobre as violações de direitos nas favelas.

Edição: Mariana Pitasse