Minas Gerais

MACHISMO

Música e vida real: quando o verso virou agressão

Leia depoimentos de quem viveu na pele o que é cantado em músicas bem populares

Belo Horizonte |

Ouça o áudio:

Para psicóloga as música acaba sendo um reforço do machismo
Para psicóloga as música acaba sendo um reforço do machismo - Reprodução

Ai, que delícia ouvir um sertanejão no volume bem alto e dançar coladinha com alguém. Mas imagina se, por um passe de mágica, as músicas virassem realidade? Mulheres passaram por situações semelhantes a algumas letras e não foi tão bom assim. Confira algumas histórias.
 “Ciúme não, excesso de cuidado / Repara não se eu não sair do seu lado”
A assistente de coordenação de uma escola, Viviane Simões, viveu a música “Ciumento Eu” com seu primeiro namorado. O namoro acabou pelo excesso de ciúmes do rapaz, coisa que Henrique & Diego cantam como “excesso de cuidado”. E dizem mais: "Tem uma câmera no canto do seu quarto / Um gravador de som dentro do carro / E não me leve a mal se eu destravar seu celular com sua digital (...) É tudo por amor”, diz a música, que tem 23 milhões de visualizações no Youtube.
Tal qual a letra, o ex-namorado procurava vigiar Viviane de diversas formas. Ele chegou a mandar mensagens pelo seu perfil no Facebook e excluir pessoas de quem tivesse ciúmes. O auge foi uma crise em que ele esmurrou a porta do banheiro na casa dos pais de Viviane, querendo saber com quem ela falava ao telefone.
“Tá doido que eu vou fazer propaganda de você”
E quem não conhece a clássica “Propaganda”, de Jorge e Mateus? Jogue a primeira pedra se você não cantou a plenos pulmões “Tá doido que eu vou / Fazer propaganda de você / Isso não é medo de te perder, amor / É pavor, é pavor”. Quem viveu esses versos foi Neliane Macedo, mãe de três filhos e que acabou de sair do casamento. Seu ex-marido cantava a música para justificar o que falava dela aos amigos e parentes, de “burra” a outros xingamentos, durante 7 anos.
“Desde o momento que ele escutou essa música, sentava no sofá e dedicava a mim. E realmente era algo que ele vivia. Falava mal de mim para os amigos pra ‘ninguém crescer o olho’”, conta Neliane. A relação foi piorando e ela foi proibida de usar determinadas roupas, vivia só em casa e chegou a perder 12 quilos em três meses por tristeza, conta. 
A letra também marcou o mais triste capítulo e o fim do casamento. “Um dia antes ele estava sentado no sofá cantando essa música, todo bonitinho, e no outro dia simplesmente ateou fogo na casa com dois dos meus filhos dentro. E romantizou tudo aquilo, dizendo que foi por amor, quando a gente sabe que não é”, desabafa. 
Outras pedradas
As músicas que podem prejudicar as mulheres não param por aqui. O ciúme exagerado, a agressão e a ameaça para ter relação sexual estão em milhares de letras. A “Vidinha de Balada” de Henrique & Juliano, não se importa com a resposta da mulher: “Vai namorar comigo, sim”, manda. “A Mala É Falsa” de Felipe Araújo relata uma ameaça para ter sexo: “Agora vê se aprende a dar valor / Mata minha sede de fazer amor".
Um projeto feito por brasileiras reúne outras composições sertanejas, mas também sambas, rocks, bossas novas e funks que rebaixam a mulher. O site Música Machista Popular Brasileira mmpb.com.br mostra que machismo não tem tipo musical preferido. Na opinião do site, músicas como essa “deveriam incomodar muito mais”.      

Violência contra mulher, não é o mundo que a gente quer!
Um terço das mulheres do planeta já foi violentada? O número é da Organização das Nações Unidas (ONU), que também levantou que 49 países não têm leis para impedir a agressão doméstica. Dia 25 de novembro foi o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher.    

Psicóloga analisa influência de músicas
A professora da Faculdade de Ciências Médicas Claudia Natividade opina que as músicas interferem sim nos relacionamentos amorosos. As atitudes humanas são construídas a partir do que aprendemos com o mundo e, para a psicóloga, as músicas funcionam como um incentivo, uma repetição da história que se quer. A música acaba sendo um reforço “bem-humorado” do machismo.
“O ritmo faz toda a diferença. Se a gente for ler a letra vai achar uma coisa abusiva, controladora. O ritmo faz com que a letra seja alegre, humorada, criando uma melhor entrada para esse tipo de mensagem na sociedade”, explica. 

Edição: Joana Tavares