Minas Gerais

Brumadinho

Artigo | O mal-estar inalcançável (infelizmente, parte II)

Se após mais de três anos ainda se morre na bacia do rio Doce, o que podemos esperar de Brumadinho?

Especial para o Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Estragos da lama em Paracatu de Baixo
Estragos da lama em Paracatu de Baixo - Foto: Nilmar Lage

Redundante, mas imprescindível a comparação do atual crime da Vale em Brumadinho com o crime da Samarco (Vale & BHP) em Mariana (MG). Em 2015 sujei o pé de lama em Bento Rodrigues ainda no primeiro mês após rompimento. Isso porque quando a barragem de Fundão cedeu, estávamos eu, Rodrigo Zeferino e Pedro Bastos no Vale do Jequitinhonha, documentando a vida em Chapada do Norte. Na época o rio Capivari, que abastece a cidade, estava seco por causa da monocultura de café e eucalipto e de pequenas barragens em grandes fazendas para uso particular. Pela televisão, acompanhávamos a lama tóxica que descia o rio Doce (a Vale é amarga) para o mar. 

Assim que voltamos de lá, fomos para Regência (ES), onde a lama manchou o mar e, em seguida, para Bento Rodrigues. Após o primeiro dia de impactos visuais e emocionais, Rodrigo cunhou o termo “mal-estar inalcançável” para tentar dar conta do que estávamos sentindo diante daquilo tudo. Agora, chegando em Brumadinho um dia após o rompimento e diante de tantas vidas desaparecidas, a sensação se repete. Não sou só eu. Acredito que todos e todas que estiveram em Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Barra Longa, Gesteira (que foram os pontos onde a lama de Fundão mais causou estragos físicos), devem compartilhar desse sentimento ao chegar em Córrego do Feijão ou Parque da Cachoeira.

Tentar traçar diferenças e semelhanças entre as mortes dos dois crimes é quase inevitável, mas honestamente não sei se é uma boa estratégia. Um não minimiza o outro. Um não é mais grave que o outro. Os dois são as piores desgraças sócio ambientais já ocorridas no Brasil. Oficialmente o rompimento da barragem de Fundão matou 19 pessoas. Mas e o aborto? Mas e as pessoas contaminadas com arsênio? Mas e as doenças de pele? E a depressão? A morte lenta é menos grave do que a instantânea? Como ficam a flora e fauna? Em Brumadinho, estima-se que pode ter havido quase 350 mortes de pessoas. Ainda tem os animais e os impactos no rio Paraopeba que segue vagarosamente para o São Francisco. Se após mais de três anos ainda se morre na bacia do rio Doce em função do rompimento da barragem de Fundão, o que podemos esperar de Brumadinho?

Solidariedade

O presidente, aquele que eu não votei e pode ser que você sim, disse que isso não é questão de governo, mas de empresa. Talvez você, assim como eu, não seja funcionário da Vale, mas mesmo assim quer ajudar. Sugiro que procure as instituições sociais, os movimentos com aquelas siglas que você e seu governo tanto demonizam, tratam como terroristas, criminosos, uma ameaça para a família brasileira, e ofereça ajuda. São essas organizações que, na quase totalidade das vezes, se sensibilizam e cooperam com essas questões que não são de interesse do governo e vão a campo ajudar. Não dá para comparar com o que vivem os atingidos e atingidas, mas é essa galera que passa perrengue, dorme mal, ajuda a resolver burocracia, abraça na dor e fortalece na luta após as notícias começarem a perder espaço na factualidade do jornalismo comercial.

O momento mais difícil até aqui em Brumadinho foi reencontrar a família que teve a falsa notícia de que o filho havia escapado com vida do refeitório atingido. Conversamos, ouvimos a alegria dos pais, o presente que o irmão mais novo teria ganhado no dia do aniversário e nos comovemos com o relato do filhinho que havia consolado a mãe: “meu pai é forte, ele conseguiu sair da lama”. Sim, camaradinha, seu pai é o hulk, tenha certeza e se orgulhe da história dele. Mas o abraço que você gostaria de dar, infelizmente a Vale tirou.

Acredito que uma das causas desse crime foi a impunidade do ocorrido em Mariana. A história não para e outras famílias ainda vão passar por isso porque a ganância é uma onda crescente que passa por cima de tudo e menospreza a dor de todos.

Edição: Joana Tavares