Saúde da Mulher

Deputada nacionaliza PL da Cesárea e proposta pode ser votada também na Câmara

Projetos semelhantes das deputadas do PSL, Janaína Paschoal e Carla Zambelli, são questionadas sobre caráter científico

|
“Em regra, alega-se que a mulher não tem capacidade de decidir por falta de informações, mas esse é um discurso elitista", afirma Paschoal.
“Em regra, alega-se que a mulher não tem capacidade de decidir por falta de informações, mas esse é um discurso elitista", afirma Paschoal. - Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A proposta de criação de uma lei que assegure às grávidas a opção por cesariana a partir da 39ª semana parece ser prioritária para parlamentares do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

A pioneira foi a deputada estadual Janaína Paschoal. Em abril, ela apresentou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o PL 435/2019. Dois meses depois, foi a vez da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) levar o debate para o plano nacional, com o PL 3635/19 na Câmara dos Deputados.

As duas, Janaína e Zambelli, defenderam a proposta em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, realizada nesta terça-feira (2) em Brasília. A audiência debateu o uso do termo “violência obstétrica” pelo Ministério da Saúde.

Janaína disse que o direito de a gestante optar pela cesariana, garantido na Resolução 2144/16 do Conselho Federal de Medicina, só é assegurado na rede privada de saúde. Para ela, deve ser assegurado também na rede pública, mesmo sem indicação médica.

“Pessoas defendem a autonomia das mulheres, mas só admitem essa autonomia quando a paciente escolhe parto normal”, avaliou. “Em regra, alega-se que a mulher não tem capacidade de decidir por falta de informações, mas esse é um discurso elitista, porque parte do pressuposto que as mulheres mais carentes são incapazes, e elas são capazes sim”, completou.

Janaína insistiu na tese de que o parto natural também traz riscos. Ela citou a anoxia (diminuição de oxigênio do bebê durante o nascimento), que levaria à paralisia cerebral. O argumento, segundo a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), não está respaldado em qualquer evidência na literatura médica.

Anticientífico

Sâmia Bomfim (PSOL-SP), deputada federal que solicitou a audiência, destacou que 84% dos partos da rede privada e 40% no Sistema Único de Saúde (SUS) são cesáreas.

“Qual é a motivação de estimular as mulheres a executarem mais cesáreas, sendo que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda entre 10% e 15% - ou seja, quando o nosso país está muito acima do estipulado? Não seria isso anticientífico?”, questionou.

Na opinião da deputada estadual Mônica Seixas (PSOL-SP) ambos os projetos servem apenas para fazem publicidade da cesariana, ao prever uma placa nas maternidades e hospitais dizendo que a gestante pode optar pelo procedimento.

“A cesariana é uma cirurgia, que aumenta seis vezes a chance de infecção e de retirada de útero, e os danos são cumulativos. É seguro e indicado para a mulher só até três cesarianas, mais do que isso ela pode inclusive ter mais chance de morte materna. É esse tipo de informação que a gente não mostra quando faz publicidade da cesariana”, apontou.

Mortalidade materna

Em 2017, o estado de São Paulo bateu recorde na taxa de mortes maternas, perto de 60 por 100 mil nascimentos; o maior índice verificado na série histórica iniciada em 1996 pelo Ministério da Saúde. As hemorragias já representam a segunda causa, conforme dados da Sogesp.

"É sabido que o aumento de cesarianas está associado à placenta prévia, acretismo placentário [aderência da placenta à parede do útero], e, portanto, a hemorragias após o parto. Um projeto de lei que aumenta taxas de cesarianas e, com isso, o risco de acretismo placentário e consequentemente, de morte materna, sem análise mais profunda, não irá colaborar para a melhoria da saúde de nossas mulheres e pode ainda colocá-las em risco. Neste momento em que temos um número inaceitável de morte materna no nosso Estado, as ações precisam ser voltadas para a redução da morte materna e não para o seu possível aumento”, afirmou a presidente da Sogesp, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, por meio de nota.

Em outra audiência pública, esta realizada em junho na Alesp, a epidemiologista Daphne Rattner, professora de medicina na Universidade de Brasília (UnB), afirmou que a cesariana traz um risco de morte seis vezes maior nos casos em que não é indicada clinicamente. O risco de infecção puerperal em casos de cesárea é de 2,86%, enquanto nos partos normais essa chance é de 0,75%.

Custo

Mônica Seixas acrescentou que os projetos de lei não preveem a fonte dos novos custos criados. “Hoje, pela tabela do SUS, o parto normal custa R$ 1.709, a cesariana custa R$ 2.224, 24% a mais”, disse.

Para a deputada Carla Zambelli, por conta dos custos, hoje se obriga a mulher a ter parto normal nos hospitais públicos. “Se a gente acredita que no meu corpo são minhas regras, a gente deveria dar a opção para a mulher”, disse. “Eu acho que a gente deveria dar publicidade sim, porque muita gente não sabe que tem essa possibilidade”, completou.

Informação

Para a coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Púbica de São Paulo, Paula Sant'Anna de Souza, hoje a mulher tem que optar entre parto vaginal traumático e uma cesárea eletiva, mas é preciso informar melhor sobre direitos e sobre dados que mostram que as cesáreas trazem três vezes mais riscos.

Na visão do representante do Conselho Federal de Medicina, Alceu Pimentel, não existe a melhor opção de parto. “Ambas têm vantagens e desvantagens; o normal é a maternidade segura”, afirmou. Porém, ele concorda que existe uma “epidemia” de cesarianas no país. “Essa situação tem que ser mudada, mas não é problema só do profissional, é cultural e envolve a situação dos sistemas de saúde”, observou.

Em 2016, a resolução 2.144 do Conselho Federal de Medicina passou a prever de forma expressa que o médico pode atender ao desejo da paciente e realizar a cesariana, desde que a gestação esteja com, no mínimo, 39 semanas. O projeto também assegura à mulher o direito de optar pelo parto normal, incluindo o direito à anestesia.

Tramitação

Na Câmara Federal, o PL 3635 ainda será encaminhada para análise das comissões da Câmara dos Deputados. Na Alesp, a votação em plenário da PL de Janaína, alvo de debates organizados por movimentos de mulheres e de saúde, está prevista para agosto.

* Com informações da Agência Câmara Notícia

Alterada Às 12h16 de 03/08/2019

 

Edição: Cecília Figueiredo e João Paulo Soares