Minas Gerais

Coluna

Moro não deve ser subestimado

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Moro é obcecado pelo poder. Fez tudo o que fez para se tornar presidente no futuro
Moro é obcecado pelo poder. Fez tudo o que fez para se tornar presidente no futuro - Lula Marques /AGPT
Lula livre nunca foi tão necessário para o país

Depois que o Estado de Direito sofreu dezenas de derrotas pelo sistema da justiça, é preciso cautela em celebrar o 10x1 imposto pelo STF contra a transferência do presidente Lula para um presídio em São Paulo. A decisão da juíza federal Carolina Lebbos, que age servilmente em nome dos desígnios do ministro Sérgio Moro, era tão inepta e cruel que ganhou repúdio até mesmo de adversários do ex-presidente.

A juíza errou muito, mas não deve ser tratada como ingênua. Há uma série de equívocos processuais e jurídicos na decisão. Torna o cumprimento da sentença mais severo, na contramão da execução penal brasileira, que pressupõe a progressão de regime. Ameaça a vida do condenado sob sua guarda, já que ficaria exposto de forma temerária às condições carcerárias inseguras. E politiza uma decisão que deveria ser técnica.

Além disso, inverte o sentido da justiça em direção à vingança, para se contrapor às pressões que afetam seu grupo; não considera as prerrogativas de um ex-presidente da República como estabelece a lei. Propõe um roteiro de humilhação anunciada, aos moldes do que ela deve considerar os bons tempos da Lava Jato, motivo hoje de repulsa universal no mundo jurídico civilizado.

Mesmo concordando com ao piti sentencial da juíza, não se pode deixar de considerá-la, no mínimo, uma servidora relapsa, já que parece perceber um incômodo operacional para a PF de Curitiba e para os moradores da região, depois de mais de um ano e meio. Extrapolando a sua competência (o que, aliás, é matéria obrigatória da escola Moro), se dá ao desplante de indicar como deveria ser o cumprimento da pena em outro estado. Dória, em mais um episódio de sub-bolsanarismo moral e destempero intelectual, mordeu a isca e vomitou indignidades.

Desde que as reportagens do The Intercept começaram, a estratégia de Sérgio Moro e dos procuradores da Lava Jato tem sido negar o conteúdo das mensagens em função da forma de obtenção e, atirando contra a liberdade de expressão e sigilo das fontes garantidos pela Constituição, atacando o bom jornalismo. Batalha perdida de antemão, ainda que incompreensível para quem sempre contou com a sabujice da imprensa comercial.

No campo das alianças, apostam na defesa vinda do governo e do Congresso, por um lado, e de setores conservadores da sociedade, por outro. No caso do governo, depois de parir uma portaria que sistematiza o ódio xenófobo que até então não fazia parte do modo de ser do brasileiro, o ministro vai se tornando tóxico entre seus pares. Inclusive ao presidente. Como é próprio de seu chefe, não tem recebido mais solidariedade que aquela incapaz de comprometer os projetos do governo. De fiador, o ex-juiz se tornou refém.

Depois de deixar de chamar o subalterno para assistir a jogos de futebol (que agora, não por acaso, são palcos de ação violenta e ilegal da polícia contra a opinião de torcedores), Bolsonaro já mostra quem manda e cobra a fatura. Iniciou seu habitual processo de fritura do indicado de Moro ao Coaf, Roberto Leonel, fiel agente oriundo da Lava Jato em Curitiba. Desidratado em sua empáfia, o ministro acompanha seu araponga de estimação ser tocado no ninho e entrou na muda.

No Congresso, o projeto da Lei Anticrime vai sofrendo continuadas derrotas e procrastinações. Furando a fila, o ministro da Justiça acreditava que teria aprovação antes mesmo da votação da reforma da Previdência e está vendo sua ideia fazer água e perder o prestígio. Moro não é mais aceitável como aliado político e menos ainda como jurista. Ficou claro que ele manipula as instituições e que mente de cara lavada sempre que é chamado a prestar esclarecimentos aos parlamentares. E tem mais: ninguém quer entregar o poder a quem não é capaz de aceitar sua limitação.

Junto ao cidadão, de acordo com pesquisas de opinião pós Vaza Jato, a operação de Curitiba parece também perder a defesa irrestrita. Muitos ainda defendem, mas já se convenceram que a obsessão de chegar aos fins punitivos passou por cima dos meios legais. O ministro ainda exibe algum poder de convocação junto à população, mas tem percebido que a mobilização em seu favor tem limites e não deve apelar mais para essa estratégia.

Além disso, no interior do núcleo do conservadorismo que sustenta o governo, a régua que separava a direita da esquerda se tornou uma espada. Com o acirramento chegando agora ao coração da extrema direita, se encurta cada vez mais frágil maioria do governo junto à população minimamente racional. As ilegalidades de Moro e a verborragia repulsiva de Bolsonaro estão minando a base de apoio até o volume morto do reacionarismo.

Supremo e autodefesa

A revelação dos ataques da Lava Jato a integrantes do Supremo Tribunal Federal está acelerando o processo de desmoralização da operação de Curitiba. Na correlação de forças, cada setor busca se rearranjar para manter sua posição no tabuleiro, incluídos a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal. Ninguém vai se dispor ao abraço de afogados, mas não partirão também para ações temerárias, que têm tudo para voltar no próprio lombo, como cipó de aroeira. Ninguém é santo. É hora da estratégia.

E é nesse ponto que a ação de Moro precisa ser tomada sempre com cautela. O ex-juiz já mostrou que não respeita leis. O atual ministro já deixou claro que é capaz de rifar a biografia em nome da segurança conferida pelo cargo. O parceiro (ou melhor, chefe) da operação Lava Jato não vai mover uma palha pelos seus comandados. Moro exibe um carregamento de faltas: é um juiz sem justiça; um ministro sem ética, um colega sem solidariedade.

Deltan Dallagnol deve afundar com seus chefiados e interlocutores de Telegram, talvez pelo crime menor da prevaricação e ambição financeira. Os juízes substitutos e desembargadores que apoiaram ou deram continuidade ao trabalho de Moro vão ficar expostos sem defesa. A PGR e PF vão mergulhar na rotina de procedimentos para esconder a motivação política, se fazendo de mortas.

Moro é obcecado pelo poder. Fez tudo o que fez – violentou a justiça, quebrou a economia, apoiou um candidato sabidamente fascista – para se tornar presidente no futuro. E ainda não deixou de lado esse desejo. Mas é humano e sujeito a ódios e raivas de momento. Provocado ao extremo, costuma perder o padrão e reagir de forma figadal. Noutras circunstâncias, escala subalternos para fazer o serviço sujo, para mostrar que ainda está vivo. Não aceita desaforo, mas, entre covarde e tinhoso, nem sempre se insurge com voz própria.

A juíza Carolina Lebbos cumpriu o papel de responder aos ataques a Lava Jato ameaçando piorar a vida de seu maior troféu e fruto de sua mais iníqua ação. Ela vai ficar com o ônus da inépcia e da derrota acachapante pelo STF. Não deve estar arrependida. É parte da sedução ao tirano a fidelidade cega na derrota, como uma cicatriz horrorosa que se honra em mostrar para os íntimos como uma dádiva.

O ministro da Justiça e Segurança Pública não vai perder a presunção nem abrir mão de seus projetos de longo prazo. A decisão do STF e a aparente repulsa do Congresso à decisão da juíza de Curitiba têm elementos políticos, morais e jurídicos inegáveis, mas carregam também muito de autopreservação. Não é hora de comemorar a virada dos ventos em direção à Justiça. Se algo precisa ser destacado é que a pressão deve continuar e o ministro não deve ser subestimado.

Lula livre nunca foi tão necessário para o país.
 

Edição: Elis Almeida