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Zema bate continência para Bolsonaro

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Minas Gerais, entre os estados do Sudeste, foi o único que aderiu ao projeto de militarização das escolas na primeira etapa
Minas Gerais, entre os estados do Sudeste, foi o único que aderiu ao projeto de militarização das escolas na primeira etapa - Foto: Polícia Militar do DF
Quem ama seu filho de verdade não deveria matriculá-lo numa escola militar

O presidente Jair Bolsonaro já deixou claro que não gosta de educação. Em todos os sentidos. Além de ser despreparado para viver com civilidade – um tipo grosseiro e mal-educado –, tem se notabilizado por perseguir o setor de todas as formas. Inclusive na escolha dos piores auxiliares, chegando ao paroxismo de entregar a pasta a Abraham Weintraub, um homem ressentido com sua limitação intelectual, que ataca professores e alunos como se fossem inimigos.

Os golpes desferidos contra o setor foram muitos e sem interrupção, de cortes de verbas à perseguição da liberdade de cátedra. O presidente ofende a obra de Paulo Freire, que ele nunca leu (embora o mundo tenha lido e admirado). Para seu governo, as universidades públicas são consideradas território de balbúrdia, a filosofia e a sociologia são tomadas como ideologias perigosas. A pesquisa científica não atende aos interesses do país e, por isso, deve ter recursos limitados e bolsas extintas.

Numa agenda sempre negativa e destrutiva, a educação sob a administração atual ofereceu apenas dois projetos: o Future-se e o Programa das Escolas Cívico-Militares, duas aberrações em matéria de políticas públicas, democracia e valores pedagógicos. No primeiro caso, voltado para a destruição da universidade pública gratuita; no segundo, à transformação da educação dos jovens em processo militarizado de obediência e disciplina.

Do Future-se, o que parece ter ficado claro pela recusa quase unânime da universidade brasileira, veio a constatação de que o projeto entrega a educação pública superior aos interesses do mercado. Não é uma proposta para a educação, mas uma linha de financiamento para os interessados em tomar o setor de assalto. Tanto no seu objetivo – trocar educação por treinamento e pesquisa por desenvolvimento de produtos para o mercado – como na sua gestão e formas de garantir sua sustentabilidade.

As escolas cívico-militares são ainda mais perniciosas, embora sua estratégia de implantação seja mais sutil. Em primeiro lugar, trata-se de um projeto-piloto, para apenas 54 escolas na primeira etapa (num universo de 140 mil!), chegando a 216 ao final do governo. O governo oferece recursos em troca de jogar os colégios nas mãos de militares da reserva. Os alunos usarão fardas e terão os cabelos cortados no estilo da caserna. Na teoria, os civis cuidam das aulas e os militares da disciplina e administração.

O governo deu os estados e municípios a oportunidade de se candidatarem ao programa. Mas antes disso colocou no ar propaganda que destaca os aspectos mais característicos dos novos colégios: a rigidez, a hierarquia e a segmentação. Para um governo que não acredita em ciência, despreza o saber e não valoriza a liberdade individual, educação é mera transmissão de conteúdos fixos e inquestionáveis. O problema da educação não é o saber, mas a disciplina.

O programa do governo atende à expectativa de uma parte significativa dos pais. É preciso refletir sobre isso. Afinal, por que pais e mães preferem seu filho submetido aos rigores do autoritarismo do que ao exercício da liberdade responsável e criativa? Talvez a resposta seja uma combinação de preocupação com a violência e resultados expressivos das escolas exclusivamente militares ao longo da história.

O sucesso das escolas comandadas por militares é efeito de um jogo duplo. De um lado, mais investimento por aluno e melhores condições para os professores; de outro, a seleção rigorosa do desempenho de quem consegue romper a barreira de entrada (se não for filho ou protegido de militar). A rigidez da disciplina, que é um ativo importante para algumas famílias, completa o pacote. Pode-se constatar, por sua natureza própria, que é um modelo excludente, que não pode ser estendido a todos. Uma espécie contraditória de populismo de elite.

No caso das escolas cívico-militares, o projeto oferecido a estados e municípios ficou com o pior da herança militar: o autoritarismo. E deu muito pouco em troca. Nem os recursos prometidos são compensadores e serão destinados não à educação em si, mas adaptações necessárias ao novo modelo. Possivelmente estoque de balizas, fardas, bandeiras e outros fetiches militares.

As escolas que aderirem ao projeto trocarão sua autonomia administrativa por uma verba limitada e entregarão para o governo federal a disciplina e a gestão, que serão feitas por militares da reserva. Esses, possivelmente, estarão desatualizados e não terão experiência na educação de alunos com outra formação e valores. Isso no campo meramente gerencial e disciplinar.

Não se pode deixar de considerar a inevitável contaminação pedagógica, dada pela proximidade com um grupamento marcado pela obediência inquestionável e constituído por doutrina reconhecidamente conservadora. Como serão tratados temas como a ditatura militar? Como assuntos polêmicos e necessários na formação do jovem ganharão liberdade de discussão num contexto de extrema hierarquia? Como serão conduzidas as negociações com professores em questões salariais e de condições de trabalho? De que forma serão tratadas questões fundamentais da formação de jovens no campo dos valores, da sexualidade e das opções políticas?

Minas Gerais, entre os estados do Sudeste, foi o único que aderiu ao projeto na primeira etapa. Não é um acaso. Durante a campanha ao governo do estado, Romeu Zema já havia defendido a aliança da educação com os militares, inclusive com a Polícia Militar. Pode-se dizer que o programa atual é muito localizado e limitado e que não terá impacto no conjunto da educação no estado. Mas não deixa de ser significativo que o único governador do Novo corra para atender o clarim da banda militar.

As máscaras vão caindo. O autoritarismo pode ter a face de um presidente estúpido ou o semblante de um empresário escovado. Por trás, estão os mesmos propósitos. No caso da educação, o desrespeito ao conhecimento e à pesquisa, a desvalorização do professor, o desprezo à liberdade do aluno, a ideologização conservadora e o afastamento da comunidade educacional na definição dos rumos do processo. Que a disciplina seja resolvida à força e a gestão entregue ao mercado. Uma bala perdida pedagógica.

A Secretaria de Educação do Estado de MG passa a contar com mais essa nódoa em sua história. Começou deixando 80 mil estudantes sem ensino integral para, em seguida, correr para bater continência para o capitão reformado na primeira oportunidade. Em lugar de uma educação moderna, inclusiva, transdisciplinar e criativa, escolheu ser vanguarda da retaguarda de experiências reconhecidamente atrasadas, restritivas e autoritárias.

Quem ama seu filho de verdade não deveria matriculá-lo numa escola militar ou cívico-militar. É disso que se trata: de amor. Algo que, como o samba, não se aprende no colégio.

Edição: Elis Almeida