Rio Grande do Sul

Memória

Estiagem no RS se repete, mas a forma como os governos reagem a ela difere muito

Relembramos 2012, quando Tarso Genro governava o Estado em uma das estiagens mais severas que se acometeu sobre o RS

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Em 2012 o governo não tardou em destinar recursos para um cartão emergencial que garantia a subsistência às famílias que perderam a produção
Em 2012 o governo não tardou em destinar recursos para um cartão emergencial que garantia a subsistência às famílias que perderam a produção - Caco Argemi

A seca não é um fenômeno apenas climático. Ela também é registro. É memória. E muito tem se falado, nestes dias de estiagem prolongada, de perdas humanas e econômicas na estiagem de 2012, último grande período em que o Estado ficou sem chuva e os gaúchos e gaúchas que se dedicam ao trabalho no campo viram as plantações murchar e secar, os animais se curvar e minguar, os cursos de água esvair-se e os açudes secar. Uma pessoa, em especial, tem esse tempo triste bem vivo na memória: Tarso Genro, ex-governador do RS.

Tendo em vista que este já é o terceiro mês deste ciclo de estiagem e, justamente no momento mais duro para o povo, o atual governador Eduardo Leite tem se mostrado alheio e ausente – chegando ao absurdo de gozar de férias no momento em que parcela significativa da sociedade está em vias de desespero pelos efeitos do fenômeno – procuramos conversar com o ex-governador Tarso e relembrar como se deu o enfrentamento ao problema naquele período.

“Mobilizei todas as instâncias de governo, acionei as nossas relações com o governo federal e fui diretamente aos lugares mais atingidos”, relembra o petista. A presença junto ao povo no momento de maior sofrimento foi uma das marcas daquela gestão. Se não era possível resolver todos os problemas decorrentes da falta da chuva – cuja extensão territorial e período de tempo superam o que se tem atualmente –, era necessário que o governo estivesse próximo das pessoas, demonstrando empatia e solidariedade.

Indagado se foi preciso que os movimentos sociais ou as entidades ligadas ao campo procurassem pelo Estado para ter sua atenção, o ex-governador relembra que o caminho percorrido foi nos dois sentidos, ciente de que naquele momento o povo precisava e muito da presença do Estado. Diferente do que está acontecendo agora, “os dois movimentos aconteceram ao mesmo tempo, já que pessoas egressas diretamente dos grupos sociais atingidos estavam em cargos de responsabilidade do meu governo”.
 

Tarso percorreu as regiões mais castigadas, indo ao encontro dos agricultores atingidos pelos efeitos da estiagem (Foto: Caroline Bicocchi)

 

A estiagem deixa dois rastros concretos de destruição: por um lado destrói plantações e fez sentir na economia seus efeitos, por outro expõe a vulnerabilidade social de milhares de gaúchos e gaúchas que têm dificuldade de acesso à água potável, bem como inviabilizadas suas atividades de subsistência. Mas as necessidades apresentadas pelos grandes representantes do agronegócio e pelos pequenos, na agricultura camponesa e familiar, são de natureza muito diferentes.

Tarso relembra que as pautas eram divergentes e em termos relativos foi preciso atender aos dois segmentos. De modo geral, era preciso uma decisão seletiva “porque as demandas dos grandes, neste momento e mesmo outros menos tensos, são sempre volumosas, medem-se em milhões e às vezes em bilhões, e as demandas dos mais pobres são sempre mais modestas”, explicou. “As primeiras são sempre destinadas a repor a lucratividade ‘perdida’. As segundas dizem respeito, normalmente, à própria sobrevivência imediata, portanto sempre devem ser priorizadas”.

E o que aconteceu com políticas públicas propostas à época que deveriam se tornar meios de prevenção a futuros ciclos de estiagem? “Impossível responder esta pergunta de maneira esmiuçada, mas sim, deixamos várias políticas que foram sendo paulatinamente desmontadas, como o Plano Safra, o programa Mais Água Mais Renda e o maior sistema de microcrédito subsidiado do país, de iniciativa estadual”, lamenta o ex-governador, apontando que a descontinuidade das ações de uma gestão pelos mandatários que se sucedem no poder é um dos problemas que forjam a gravidade da situação atual, expondo uma fragilidade da parte do Estado que poderia ser minimizada.

Indignação: essa é a palavra que podemos utilizar para definir como o ex-governador vê a postura dos atuais gestores. O distanciamento e a impessoalidade que se nota atualmente é algo que aflige, mas não surpreende. “Como eu avalio que deveria ser é impossível que fosse aceito por eles, já que a sua lógica é a da destruição das funções públicas do Estado e da disponibilidade total do Estado para os ricos e muito ricos”, finaliza, expressando uma crítica forte ao atual governador e sua equipe.

Fato é que alguns problemas se repetem, e a estiagem de hoje era prevista. O modo como o governo reage e estabelece prioridades frente ao problema, isso sim diz mais respeito à prioridades e escolhas do que ao ciclo climático. E a previsão deste viés, o povo gaúcho aos poucos está começando a aprender como se dá também e está vendo que a natureza das escolhas é bem diferente.

Edição: MArcelo Ferreira