Minas Gerais

Coluna

Banana para a civilização

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"Presidente apenas deu um passo além na infâmia que caracteriza sua trajetória pública" - Reprodução/Facebook
Ação diz menos de Bolsonaro do que da mídia empresarial

A atitude de Bolsonaro de convocar um humorista para distribuir bananas para a imprensa no momento em que seria questionado pelos resultados chinfrins da economia ganhou repúdio universal, mas precisa ser analisada em suas muitas e preocupantes dimensões. Não se trata da primeira ação de desrespeito com o jornalismo e a opinião pública. Nem mesmo da primeira tentativa de jogar uma cortina de fumaça sobre assuntos de fato graves da vida nacional. Menos ainda inaugura um comportamento que foge aos parâmetros mínimos do decoro exigido para o cargo.

O presidente, medidas todas as atitudes irresponsáveis, apenas deu um passo além na infâmia que caracteriza sua trajetória pública. Por isso o ato diz menos de Jair Bolsonaro do que das organizações da mídia empresarial, que têm esticado a corda da covardia e conivência com a estupidez em nome da reverência aos interesses do mercado. Até então, o presidente fazia no varejo da opinião pública o papel de bobo da corte – mesmo com cenas explícitas de intimidação – que não prejudicava a entrega no atacado da economia. O novo gesto fez dos profissionais da imprensa familiar os idiotas da vez.

Entre os atos boçais emanados do presidente em direção ao jornalismo estão as constantes agressões a profissionais, sobretudo mulheres, com insinuações de natureza sexual e machista. Já xingou a mãe de mais de um profissional em rede nacional e mandou vários calarem a boca quando perguntado sobre temas de interesse público. De acordo com levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas, foram 121 agressões diretas do ex-capitão desferidas aos jornalistas apenas em 2019, um humilhante recorde mundial.

Esse comportamento se repete na perseguição de determinados veículos, tanto nas ofensas pessoais como na ameaça econômica, inclusive na chantagem dirigida a possíveis anunciantes. O privilégio dado às empresas alinhadas vai da concessão de entrevistas exclusivas ao incremento da verba publicitária. Numa operação contraintuitiva, o apresentador Ratinho se tornou referência em matéria de previdência e outros temas distantes de seu universo de especialização, a preço de queijo suíço. Em lugar do debate racional e da informação confiável, o guinchar do engodo contra os interesses do trabalhador.

Nova medida já anunciada vai devolver a esses veículos comprometidos com a pauta ultraliberal e moralista a possibilidade de explorar a fé do povo em jogos de azar e loterias paralelas, portas da felicidade na telinha, sacolinha cheia e esperança de lucros para o baú dos empresários. Nada além de resgate da fatura. Não é um acaso que o humorista que se prestou ao papel de distribuir bananas aos jornalistas seja da emissora do bispo Macedo, a Record, aquinhoada com verbas polpudas e agora com carta branca para pautar a presença do presidente da República em um humorístico dominical.

A presença do responsável pela comunicação do governo na farsa palaciana, o empresário-intermediador Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), suspeito de favorecimento de clientes privados com uso da máquina pública, mostra que não se tratou de um improviso inconsequente do presidente, mas de ação coordenada. Era exatamente isso que queriam: reduzir a República a uma palhaçada. Conseguiram.

Na mesma semana, o governo havia divulgado uma cartilha que tinha como objetivo disciplinar a atuação dos agentes públicos com a imprensa. Letra morta pelo comportamento até então comandado pelo próprio presidente, o documento é apenas um aceno à condenação internacional dos fóruns como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que recebeu denúncias sobre violações à liberdade de expressão no Brasil desde que Bolsonaro assumiu a presidência.

A cartilha tem o objetivo de interferir no péssimo conceito do país em matéria de direitos humanos – liberdade de expressão incluída – e não é por acaso que brota do ministério de Damares, contumaz em críticas de órgãos ligados ao setor. O texto enumera princípios gerais – copiados de documentos oficiais que o país não obedece na prática – e se cala em relação aos inúmeros casos de violência, censura, ataques, humilhações e perseguição ao trabalho crítico da imprensa. Uma espécie de banana simbólica à realidade dos fatos e uma palhaçada internacional.

 A atitude dos jornalistas que deixaram o local da performance do humorista Carioca e da participação lamentável do presidente que lhe serviu de escada, é no mínimo um início de reação. E talvez aponte para um fato importante no contexto do jornalismo: a primazia da honra profissional de servir à verdade e ao interesse público como valor supremo do ofício. A informação é devida ao público, não aos proprietários dos meios de comunicação. Essa é uma realidade aparentemente controversa, mas que precisa ser debatida e que, no limite, sustenta a defesa da liberdade de expressão. É em nome da democracia, e não das empresas, que os governantes devem respostas à sociedade.

O presidente da República, em sua relação com o jornalismo e a opinião pública, vem fraturando, de uma vez só, vários suportes da democracia e do Estado de Direito. Fere o decoro com comportamentos abusivos que apequenam a institucionalidade do cargo; ataca o direito à informação com estratégias torpes de encobrimento e ameaça o funcionamento da imprensa com acusações infundadas e práticas de favorecimento.

Censura as artes e o pensamento em nome da incapacidade de conviver com as diferenças e a pluralidade; atua para extinguir a comunicação pública; persegue jornalistas críticos e criminaliza a comunicação popular. Manipula mídias sociais com robôs e disparos financiados por setores interessados na divisão social; estimula a criação de um ambiente de ódio e preconceito; destrói instrumentos públicos de democratização do setor, como conselhos e ouvidorias.

A solidariedade devida aos profissionais comprometidos com a verdade e ao princípio da liberdade de informação não deve ser confundida como a defesa dos meios de comunicação empresariais. O que está em jogo agora é a civilização. Jornais e emissoras e rádio e TV comprometidas com o atual governo desde o golpe que destituiu Dilma, rifou o país ao capital financeiro, entronizou a casta jurídico-policial e naturalizou as reformas antissociais em curso já mostraram do que são capazes. Deram a Bolsonaro um punho fechado e um braço para manobrar as ofensas.

Edição: Joana Tavares