Minas Gerais

Precarização

Como está a situação de Ipatinga, no Vale do Aço (MG), com a ameaça do coronavírus

Com falta de materiais, saúde coletiva é colocada em risco especialmente para população de rua e no sistema prisional

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Wercilei está na rua há cerca de 15 anos. Ele confirma a dificuldade em higienizar-se com frequência: “álcool eu não tenho condições de comprar, a balinha dá R$ 18 de lucro” - Nilmar Lage

Ipatinga, cidade polo da Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA), no leste de Minas Gerais, foi uma das primeiras cidades a entrar no mapa dos casos confirmados no Brasil. No dia 28 de fevereiro, um homem que mora na Itália e estava no país para acompanhar um tratamento e posterior sepultamento do filho em Ipatinga, apresentou os sintomas relacionados à COVID-19 e passou por período de quarentena na cidade.

À época, uma atitude chamou atenção e causou indignação na população da cidade: o silêncio das autoridades municipais sobre aquele que seria o segundo caso da COVID-19 no Brasil. Acostumados com a presença massiva do prefeito Nardyello Rocha (CIDADANIA) nas rede sociais, prestando contas de sua administração ou simplesmente postando seu life style para os seguidores, coube a Sérgio Leite, presidente da Usiminas­, maior siderúrgica da América Latina, ser uma espécie de porta voz da chegada do vírus no Vale do Aço.

Um comunicado enviado via grupo de whatsaap da empresa e depois divulgado em demais redes sociais, dizia: “Um momento delicado no mundo inteiro face a ameaça ao que há de mais importante em nossa vida: a própria vida. E a prioridade da USIMINAS é a SEGURANÇA e a SAÚDE de todos nós, Empregados e Parceiros, Familiares e Comunidade onde operamos. Temos 2 casos suspeitos de infecção pelo coronavírus em Ipatinga e já estamos mobilizando nas áreas de atuação da FSFX” (grifos deles).

Esse caso, tido como suspeito e trazido à tona de maneira ponderada, no dia 28 por um jornal regional, não é contabilizado como caso confirmado na cidade. Desde o dia 16 de março, a Prefeitura de Ipatinga apresenta diariamente o Boletim Epidemiológico como forma de prestar contas do crescimento dos casos no município. O primeiro apontava para 44 casos em investigação, um confirmado e três descartados.

O último boletim, emitido no dia 23 de março, mostra a variação crescente, com 579 casos em investigação, um confirmado e 25 descartados. Contudo, os números da prefeitura diferem um pouco do que é apresentado pelo Governo do Estado. Ipatinga aparece em segundo lugar em Minas Gerais e de acordo com o relatório apresentado com base em dados do SUS, a cidade teria 314 casos sob investigação, um confirmado e quatro descartados. Uma quantidade menor do que está no site da administração da municipal, a qual se baseia em registros da Vigilância Epidemiológica do município.


Casos COVID-19 Ipatinga, período de 16/03 a 22/03 / Dados da Prefeitura Municipal de Ipatinga

O clima na região não é muito distinto do que tem se visto na maioria das cidades no país, orientação de quarentena para a população, baixa circulação de pessoas pelas ruas e comércios. Contudo, existem profissionais que não podem encerrar suas atividades e estão trabalhando sob risco de contaminação em um país que teve gastos com saúde pública controlados e subestimados, deixando as pessoas sob riscos desnecessários.

Através de denúncias anônimas, pessoas que trabalham em setores da saúde municipal relataram à reportagem situações absurdas que vão desde a falta de equipamentos de higiene, como o caso do álcool gel, água sanitária e sabão e até mesmo produtos vencidos, sendo usados por não haver outra opção. “Alguns trazem de casa, para não correrem risco”, disse a pessoa, que prefere não se identificar por medo de represálias da administração.


Kits de Higiene improvisados pela equipe / Nilmar Lage

Há casos onde falta papel toalha nos banheiros e papel higiênico foi improvisado para as pessoas poderem usar. Procurada no dia 19 de março, a assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal de Ipatinga não respondeu até hoje, dia 23, sobre como foi a preparação das equipes de saúde sobre como lidar com a COVID-19. Ou como está a situação das Unidades Básicas de Saúde, se o material de higienização recomendado é suficiente.


Papel higiênico improvisado como papel toalha em unidade de saúde de Ipatinga (MG) / Anônimo

O vírus da invisibilidade social

Outros profissionais da saúde, que fazem atendimento primário, ações relacionadas à diminuição do risco de doenças e proteção à saúde, lidam diariamente com situações sintomáticas e assintomáticas da COVID-19. Em Ipatinga existe o “Consultório na rua”, uma equipe de atendimento às pessoas em situação de rua formada por médica, enfermeiras, psicóloga, assistente social e um motorista e que aborda as pessoas que estão nas praças, ruas, pontes e que são quase sempre invisíveis quando se trata dos direitos fundamentais do cidadão. O grupo fala de maneira uniforme ao tratar da necessidade de garantir esses direitos para toda pessoa, independente se ela tem uma casa ou se, por alguma situação da vida, está em morando na rua.

O último relatório, de abril de 2019, registrou aproximadamente 800 pessoas cadastradas como moradores de rua em Ipatinga. Desde 2014 essa equipe trabalha para possibilitar atendimento médico e qualidade de vida para essas pessoas.

Apesar de lidarem com as mudanças de informações e diretrizes sobre como trabalhar com esse coronavírus, a equipe disse que a abordagem não difere muito do que é feito no dia a dia. A sensibilidade e empatia são fundamentais para lidar com pessoas vulneráveis, pois eles podem simplesmente não te ouvir. Não é novidade a falta de suporte necessário para atender às demandas da Organização Mundial da Saúde, assim, a montagem do kit de higiene fica no improviso: uma toalha tipo perfex e um sabonete.

Contudo, essas pessoas nem sempre têm acesso à água potável e a complexidade em lidar com a situação de crise só aumenta. Para se higienizar, elas precisam contar com a boa vontade de alguns postos de gasolina que os recebem, albergues, algumas pessoas do bairro ou Unidade Básicas de Saúde, por exemplo. Assim elas não podem, claramente, lavar constantemente as mãos, como orientação do Ministério da Saúde.

Wercilei tem 44 anos e está na rua há cerca de 15. Ele confirma a dificuldade em higienizar-se com frequência, “álcool eu não tenho condições de comprar, a balinha dá R$ 18 de lucro.” A reportagem conversou com ele no ponto onde vende balas para conseguir alguma renda. Apesar de não apresentar sintomas da COVID-19, a abordagem para venda é feita próxima às janelas dos carros, quando elas estão abertas. O risco de se contaminar, ou transmitir o vírus, é grande.

Caos carcerário

A partir do dia 16 de março, uma “Portaria Conjunta Nº 19/PR-TJMG/2020, aplica ao sistema prisional as medidas necessárias para o contingenciamento da pandemia do coronavírus no Estado de Minas Gerais”. Nesta portaria, “recomenda-se que todos os presos condenados em regime aberto e semiaberto devem seguir para prisão domiciliar, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução”.

Ou seja, considerando que é dever do Estado zelar pela saúde das pessoas privadas de liberdade, os casos serão avaliados para que a prisão domiciliar seja adotada em casos específicos.

 A Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, fica cerca de 25KM de Ipatinga, na cidade de Ipaba (RMVA), tem capacidade para 471 internos e atualmente abriga 1410 pessoas. Os problemas de higiene e transmissão de doenças são comuns nesses espaços superlotados, úmidos e com pouca iluminação natural. Por toda a precariedade já conhecida, a pandemia causa preocupação pela rapidez de propagação do vírus.

Algumas denúncias anônimas recebidas pela reportagem dão conta do receio da contaminação em virtude da proximidade com pessoas que possam estar infectadas e sem possibilidade de higienização adequada e nem mesmo proteção facial ou das mãos.

Outro fator que contribui para a tensão generalizada no local é a suspensão das atividades que permitiam os internos quebrarem a rotina da cela e sair do ambiente com maior risco de contágio.

“Os internos também estão com os nervos aflorados, pois cancelaram a escola e o trabalho, então é praticamente privação de liberdade total”. Segundo a fonte, o álcool em gel acabou no almoxarifado desde o início da segunda quinzena do mês e são poucos pares de luvas e máscaras disponíveis. “É um absurdo termos que ir trabalhar sem as devidas condições, podemos tanto contaminar, quanto ser contaminado”.

Edição: Joana Tavares