Minas Gerais

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E se o forno esfriar?

Em Ipatinga, fica a principal planta da Usiminas. O que acontece se a empresa parar?

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Emissão de gases da siderúrgica - Nilmar Lage

Resultado direto dos anos dourados do governo de Juscelino Kubitscheck, a Usiminas foi parte do plano nacional-desenvolvimentista projetado pelo governo. Sua planta foi instalada em uma região próxima às fontes fornecedoras de matéria prima (o quadrilátero ferrífero) e em locais onde os escoamentos pudessem ser realizados com agilidade, utilizando a Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM). Hoje a empresa possui cerca de sete quilômetros de extensão ao longo da cidade de Ipatinga, no Leste de Minas. À época a construção da siderúrgica, proporcionou o crescimento do então distrito e sua posterior emancipação. Atualmente existem plantas da empresa nos municípios de Cubatão (SP) e em Itatiauiçu (MG). Mas é em Ipatinga, cidade construída ao entorno da siderúrgica, onde fica sua principal linha de produção.

Assim, com seu histórico intrinsicamente atrelado à história da cidade, a convivência com a maior produtora de aços planos da América Latina e única produtora de chapas grossas do Brasil sempre teve impactos diretos no município. O boom demográfico, o crescimento econômico, ou a instalação de um “sistema Usiminas” na cidade é facilmente reconhecido no comportamento de muitos cidadãos ipatinguenses.

Ipatinga é cidade polo da Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA), nomenclatura dedicada à atividade que foi principal motor econômico da região, que além da Usiminas, abriga empresas como a Aperam (antiga Acesita), a Usimec e distritos industriais formados por um número substancial de caldeirarias, serralherias e tornearias que trabalham em prol do mercado do aço.

Contudo, de acordo com dados apresentados pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Vale do Aço (ARMVA), como reflexo da crise mundial iniciada em 2008, a partir de 2013 a participação do Produto Interno Bruto (PIB) da RMVA por parte das indústrias foi superado pelos serviços.


Fonte: IBGE Estatística. Elaborado por ARMVA / Nilmar Lage

Apesar de alguma diversidade em suas frentes econômicas, a RMVA vive os altos e baixos da dependência das atividades industriais, pois é ela responsável por 58.1% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Tributo esse que vai para o estado de Minas Gerais e pode ser usado para custear gastos públicos na região. A partir de estudos organizados pela Unileste/MG, foi elaborado um Plano de Desenvolvimento Diretor Integrado (PDDI) para a RMVA. Algumas metas do PDDI incidem sobre ações de curto, médio e longo prazo para mudanças econômicas na RMVA.  Metas de cinco a 10 anos contados a partir de 2018 para geração de trabalho e emprego, enfrentamento da pobreza e desigualdade social e a atração de empresas e investimentos.

Contudo, o PDDI ainda não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas de acordo com a Assessoria da ARMVA, algumas ações no “âmbito de desenvolvimento econômico a fim de fomentar o desenvolvimento do Vale do Aço estão em andamento”. Projetos que visam mapear áreas que possam receber novos empreendimentos; identificar e publicitar, do ponto de vista empresarial e econômico os atrativos da RMVA; atrair empresas que componham a cadeia produtiva do aço e de atividades já desenvolvidas na RMVA; e programas de desenvolvimento do terceiro setor caminham sob a tutela da Agência de Desenvolvimento.

O economista Robinson Ayres, que atuou na administração pública e teve mandato de vereador na década de 1990 em Ipatinga, disse que apresentou, “em março  de 1993, com o nome de “Vale 2000 - O Vale do Aço em busca do tempo perdido”, projeto de mobilização e de desenho estratégico da luta pela  criação  da Região Metropolitana do Vale do Aço,  constando da  constituição de uma Comissão Pró-Desenvolvimento Econômico-Social do Vale do Aço”.  Ainda em 1993, no mês de julho, a AMVA – Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Aço (atual Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Vale do Aço), realizou seu primeiro seminário: “Alternativas para administrações locais: uma visão realista”. Contudo, ações e alternativas ao setor industrial se arrastam ao longo dos anos e apenas em 2020 começaram a ser colocadas em prática, como disse a ARMVA.

Para Robinson Ayres, durante todo esse processo iniciado em 1993, “nos convencemos (e hoje nos tempos da pandemia fica mais claro ainda): o caminho da região é investir, a partir de uma alavancagem do Estado em ciência, tecnologia e inovação”, como alternativa para minimizar a dependência do setor siderúrgico.

Linha do tempo da Usiminas

Em 1956 começam as obras de implantação da siderúrgica.

O acendimento do Alto-Forno 1, em outubro de 1962, marca o início das atividades da Usiminas em Ipatinga (à época distrito de Coronel Fabriciano). A empresa fecha a década de 1960 atendendo 50% da demanda nacional por chapas grossas.

Nos anos 1970, período do “milagre econômico” da ditadura militar, a empresa era responsável por fornecer insumos para a reativação da indústria naval, automobilística e de construção civil. Em 1974 é inaugurado o Alto-Forno 3 da Usina de Ipatinga.

A década de 1980, também chamada de “década perdida”, significou anos de recessão econômica e a Usiminas procurou inovar na tecnologia dos aços fornecidos pela empresa.

Os anos seguintes são marcados pela abertura da economia brasileira, quando o neoliberalismo provocou a desnacionalização. Em 1991, a Usiminas foi a primeira empresa a ser privatizada no Brasil.

As primeiras décadas do novo milênio passam por períodos de altos e baixos, a Usiminas investe em valor agregado. Em 2007, a empresa chegou a anunciar a expansão do complexo em Ipatinga trazendo impactos na economia regional, criando uma bolha imobiliária com a especulação gerada sobre terrenos e imóveis. 

A década de 2010 chega envolta em um momento de crise mundial vivida a partir de 2008 e a expansão da empresa é cancelada. Como efeito da crise político-econômica vivida no Brasil a partir de 2014, em 2015 houve o desligamento do Alto-Forno 1, um imponente símbolo para a economia local. Em Cubatão (SP), cidade onde fica a segunda planta da empresa, houve paralisação parcial das atividades e a economia regional também foi afetada.

Dez anos após o anúncio do cancelamento do projeto de expansão, Usiminas ainda vive altos e baixos no mercado

A reserva mineral do Brasil, juntamente com a indústria de transformação e beneficiamento, são aspectos fundamentais da economia do país. São inclusive objeto de especulações e efetivação do golpe de 1964. À época, um dos pontos de descontentamento com a soberania nacional partia de interesses dos Estados Unidos, representado por Lincon Gordon, que articulou para que o país norte-americano agisse diretamente na decisão dos militares de tomada do poder. Com o golpe efetivado, homens do complexo industrial que gerenciava a Hanna Minning Co, que detinha controle minerário em Minas Gerais, passaram a ocupar cargos no governo e controlar ações das indústrias no Brasil. Isso demonstra claramente a importância do setor para interesses econômicos e soberanos de uma nação.

Mas essa força motora da indústria, a montagem de distritos industriais, precisam ser planejados para prever soluções sobre ações que possam desestabilizar a economia. O termo “minério-dependência” vem ganhando força para ilustrar cidades ou mesmo regiões nas quais as estruturas produtivas e políticas encontram-se especializadas na extração de minerais. Esse processo deixa uma estrutura frágil no caso da paralisação da atividade e pior ainda quando da extinção dessa força motriz sem uma devida preparação para esse momento. Esse exemplo não se aplica diretamente em Ipatinga, por não ser uma região de extração de minério, mas enquanto região dependente de uma atividade hegemônica, no caso a siderurgia, pode ser preocupante.

Fatores como escassez de matéria prima e a concorrência global podem colocar em risco a RMVA, em um futuro próximo ou não. Claro que essa não seria uma situação inédita ou este texto muito menos faz uma previsão catastrófica de futuro, apenas uma análise de possibilidades diante de um bem não renovável. O Emscher Park na Alemanha por exemplo, é um local que foi ressignificado depois do abandono de prédios e estruturas industriais. Em uma região dominada pela presença industrial como é o Vale do Aço, essa questão fica sempre no ar, deixando uma dúvida constante em parte da população.

 Incentivado por um crescimento econômico nos anos anteriores e por uma perspectiva de melhora de mercado, em 2018 o Alto-Forno 1, que estava desligado desde 2015, foi reacendido. O que significava aumento da capacidade de produção de nove para 11 mil toneladas dias e a geração de 600 empregos diretos e indiretos. Porém, o ano de 2018 foi marcado por impactos positivos e negativos da empresa na cidade. A euforia com o religamento do Alto-Forno 1 sofreu uma baixa com a série de acidentes e a explosão do gasômetro no mês de agosto. Ainda em 2018, no mês de dezembro, uma parada para manutenção do Alto-forno 3 provocou um forte ruído e emissão de particulado que assustaram parte da população que não teve acesso à comunicação de que haveria aquele incômodo. Gerando um domingo de estresse e desconforto nas redes sociais.

Agora, em plena quarentena por causa da pandemia da Covid-19, o ruído vindo do interior da empresa, seguido por emissão de material particulado, tem feito parte do cotidiano da cidade há alguns dias. Uma pessoa, que prefere não se identificar, relatou que o Alto-Forno 1 esfriou. “Operacionalmente ele não está bom, quando isso ocorre tem que fazer a comunicação do forno, através de uma vareta de oxigênio”, disse. No processo siderúrgico, o alto-forno é uma das etapas responsáveis por reduzir o minério e transformá-lo em aço. Através de temperaturas que podem chegar a 1500º Celcius o ferro se liquefaz, virando o chamado ferro gusa; as impurezas formam escória de calcário e sílica, por exemplo. Posteriormente o material líquido é enviado para refino e então para ser transformado em aço.  Por isso, “o Alto-forno esfriou” deve ser um sinal de alerta.

Perguntada sobre o que estaria acontecendo, se existia mesmo um problema operacional no forno 1, ou se era uma manutenção prevista, se o fato de a reforma do Alto-Forno 3 ter sido adiada para 2022 e se esse eventual problema com o forno 1 persistir, haveria risco de paralisação das atividades? E ainda se houve alguma comunicação com a população, principalmente do entorno, sobre o incômodo com o excesso de ruído, a empresa limitou-se a responder que: "A Usiminas informa que vem registrando, nos últimos dias, a emissão pontual de ruídos e particulados em consequência de uma operação especial nos altos-fornos da Usina de Ipatinga. Trata-se de uma atividade operacional, monitorada pelas equipes de Segurança do Trabalho, Meio Ambiente, Produção e Manutenção, que não oferece riscos aos colaboradores, à comunidade e ao equipamento. A empresa ressalta que vem empenhando todos os esforços na busca de alternativas que possam minimizar os impactos dessa operação para a comunidade.”

De acordo com pessoas que trabalham na empresa e que preferem não se identificar, durante os primeiros dias de abril de 2020 os problemas com o Alto Forno 1 teriam sido solucionados. Contudo, devido à crise mundial com a covid-19, a Usiminas anunciou o abafamento do Alto Forno 2 a partir do último sábado, 4 de abril, o mesmo procedimento com o Alto Forno 1 a partir do próximo dia 22 e férias coletivas na planta de Cubatão.

O Vale do Aço segue dependente da indústria do aço. Até quando?

Números da Pandemia no Vale do Aço

Até o dia 8 de abril, a Região Metropolitana do Vale do Aço apresentava 2178 casos suspeitos da covid-19 e 12 casos confirmados.

 

Edição: Joana Tavares