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Cultura

Artigo| Democratização da cultura em tempos de pandemia

Assim, como qualquer outro trabalhador informal, para os artistas é preciso estar em movimento, se apresentando.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Como nós estamos pensando a democratização da arte nesse período, auxílio, que só saiu depois de muita pressão social e que vem cheio de dificuldades para chegar as pessoas que mais precisam. - Foto: Divulgação / Secult CE

Como fica o debate sobre democratização do acesso à cultura e arte, nesse contexto de isolamento social em decorrência da pandemia? Como trabalhador da cultura, essa é uma questão que cotidianamente tenho que pensar a respeito, mas nesses dias de quarentena e pandemia ela toma um novo rumo.

Com o início do isolamento as trabalhadoras da cultura logo se mobilizaram para pensar como resolver sua vida sem ter os seus, mesmo que escassos e pequenos, cachês de costume. Assim, como qualquer outro trabalhador informal, para os artistas é preciso estar em movimento, se apresentando nos teatros, museus, bares e praças. É desses ambientes que tiramos nosso sustento.

Mas as redes sociais foram o caminho natural de vazão para nosso trabalho e logo o Governo cearense, através da Secretaria de Cultura (Secult), lançou o Edital Cultura Dendicasa, a rede SESC mudou suas apresentações paras plataformas digitais e algumas outras iniciativas independentes, públicas ou privadas começaram a surgir. Elas vem ajudando a desafogar e são importantíssimas, mas ainda são insuficientes e provavelmente não abarcaram todas as trabalhadoras das mais diversas áreas da cultura.

No entanto, vi uma questão ser levantada sobre o auxílio emergencial que me fez refletir sobre como nós estamos pensando a democratização da arte nesse período, auxílio, que só saiu depois de muita pressão social e que vem cheio de dificuldades para chegar as pessoas que mais precisam.

A questão era: será que o auxílio vai chegar a quem mais precisa, sobretudo pessoas em situação de rua ou trabalhadoras rurais ou informais que não estão no banco de dados do Cadastro Único nem tem conta em banco, nem acesso à internet ou mesmo sabe utilizar essas tecnologias? Como vai ser quando criarem contas digitais que só poderão transferir para outra conta ou realizar pagamento online? Como fazer para que todas as especificidades de brasileiras possam o quanto antes acessar esse recurso tão pequeno para manter o mínimo de suas vidas?

Dessa grande questão e de ver algumas experiências (pelo computador), como a do Waldonys em cima de um prédio em Fortaleza ou um saxofonista de sua janela em Salvador, me voltou a questão: será que de fato, estamos democratizando o acesso à cultura focando todas as nossas ações para as redes sociais? Claro que não quero aqui fazer campanha contra a todas as ações que estão sendo feitas online, muito pelo contrário, eu quero que elas se ampliem e sejam financiadas pelo poder público. Que o Governo Federal lance uma política semelhante a do edital da Secult CE. Afinal o direito a cultura e a arte está previsto em nossa constituição.

Eu quero aqui é refletir sobre quais os mecanismos que podemos desenvolver para poder que esse direito seja universal e chegue as pessoas que não tem internet em casa ou pessoas que nem casa tem. Há essa possibilidade? É isso que quero aqui refletir com minhas companheiras de trabalho.

Não tenho uma fórmula ou proposta fechada, mas penso que nós temos que seguir pensando e agindo fora da caixa, como sempre foi nossa prática enquanto artistas. O show do Waldonys de cima de um prédio de Fortaleza é um indício para quem trabalha com música. Em São Paulo nas manifestações é comum que sejam feitas projeções com mensagem política, mas será que nós não podemos também projetar reproduções de trabalhos das artes visuais, dança, teatro e audiovisual?

Esses são alguns indícios para começarmos a pensar em ações de fruição da cultura para um número maior de pessoas, sobretudo quem está em condições mais precárias. Mas para as artistas e produtoras culturais em geral realizarem esse tipo de trabalho é necessário ter um apoio estrutural e financeiro por parte dos órgãos públicos e privados que atuam no setor cultural. É necessário que você que tem equipamentos em casa, como projetor e caixa de som, coloquem eles pra funcionar projetando trabalhos que você curte e que não firam, é claro, os direitos humanos.

Juntas nós conseguimos enfrentar a pandemia, o isolamento social e todos os efeitos sobre a nossa saúde que ela gera.

*Produtor Cultural e colaborador do Brasil de Fato CE

Edição: Monyse Ravena