Ditadura

Participação em ato pró AI-5 isola Bolsonaro ainda mais e cresce oposição ao governo

Juristas, políticos, organizações internacionais e ministros apontam crime de responsabilidade em atitude do presidente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O discurso do presidente Jair Bolsonaro aos apoiadores de intervenção militar é interrompido por tosses - AFP

A participação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em uma manifestação pró-intervenção militar, em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, neste domingo (19), provocou o repúdio de dezenas de organizações e lideranças políticas pelo país.

“Nós não queremos negociar nada” e “Estou aqui porque acredito em vocês”, afirmou o capitão reformado aos manifestantes, em apoio explícito ao pedido de intervenção militar.

Diante das declarações, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou em nota que é preciso estar atento para os “extremos” que “enfraquecem a nossa democracia participativa”.

“Que o Ministério Público brasileiro, como carreira de Estado, esteja forte, presente e unido. Na sua unidade encontramos a força que emana da Constituição e nos confia, como guardiões que somos do Estado Democrático de Direito", afirmou.

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também repudiaram a atitude do presidente. Luís Roberto Barroso classificou o protesto como “assustador”. Citando Martin Luther King, ele afirmou que defender a Constituição e as instituições democráticas faz parte do seu dever.

"Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons. Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve. Ditaduras vêm com violência contra os adversários, censura e intolerância. Pessoas de bem e que amam o Brasil não desejam isso", postou Barroso.

Após endossar o posicionamento do colega, compartilhado publicamente em seu perfil no Twitter, Gilmar Mendes afirmou que invocar o Ato Institucional número 5 “é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática #DitaduraNuncaMais”.

Seu colega, Marco Aurélio Mello, deixou um recado aos “saudosistas inoportunos: “as instituições estão funcionando”. E ainda comentou que são "tempos estranhos! Não há espaços para retrocesso. Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior", afirmou.

Ex-presidentes também se posicionaram. Luiz Inácio Lula da Silva lembrou que “a mesma Constituição que permite que um presidente seja eleito democraticamente têm mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população.”

Dilma Rousseff afirmou que Bolsonaro “assume abertamente a sua estratégia golpista, que busca implantar um governo ditatorial” enquanto aumenta o número de mortes por covid-19 no País. “Nenhuma instituição do Brasil e nenhum democrata podem se omitir diante do autoritarismo explícito de Bolsonaro. Devemos nos unir contra esta ameaça de implantar o caos. E a Constituição mostra o caminho.”

Fernando Henrique Cardoso disse que o apoio de Bolsonaro à manifestação é “lamentável”. Para ele, “é hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia. Ideal que deve unir civis e militares; ricos e pobres. Juntos pela liberdade e pelo Brasil.”

Governadores

Governadores também repudiaram a atitude do presidente. Um deles foi o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), cuja gestão da crise na saúde causada pelo novo coronavírus é frontalmente oposta à de Bolsonaro, que ignora as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Doria afirmou ser “lamentável que o presidente da república apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5. O Brasil precisa vencer a pandemia e deve preservar sua democracia”. 

Wilson Witzel (PSC), que ao lado de Doria foram expressivos apoiadores de Bolsonaro durante as eleições presidenciais de 2018, preteriu a posição do capitão reformado. "Em vez de o presidente incitar a população contra os governadores e comandar uma grande rede de fake news para tentar assassinar nossas reputações, deveria cuidar da saúde dos brasileiros. Seguimos na missão de enfrentamento do covid-19."

Do Nordeste, os governadores Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, também formaram a frente de repúdio à Bolsonaro. Câmara afirmou que “falsos conflitos e manifestações inconsequentes são uma lamentável agressão ao país”. 

Dino depositou confiança às Forças Armadas: “Desde a redemocratização, as Forças Armadas têm mantido o respeito à Constituição. Não creio que mudarão agora por conta das inconsequências e delírios de Bolsonaro, um ex-tenente de mau comportamento. E se este tentar aventuras, haverá resistência”. 

Governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou que a sociedade brasileira não vai “tolerar ataques contra a Constituição nem contra as instituições estabelecidas no regime democrático. Defendemos trabalho e equilíbrio por parte de quem foi eleito para governar. Democracia sempre! Não é hora de política partidária. Momento de união para salvar vidas”.

Presidentes de partidos

Ao movimento de repúdio também se somaram presidentes de partidos. Luciana Santos, presidente do PCdoB, afirmou que Bolsonaro “ultrapassou todos os limites”. Para ela, ele “desrespeitou não só as recomendações das autoridades sanitárias de todo o mundo, quebrando o isolamento social”, mas “também afrontou a Constituição, ao participar de ato que pedia AI-5 e fechamento do Congresso e do Supremo”. 

Da presidência do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann classificou a participação de Bolsonaro na manifestação como uma “receita perfeita para a tragédia”."Nenhuma instituição pode ficar inerte diante de Bolsonaro, sob pena de ser cúmplice de seu desafio ao país e à democracia. Congresso, STF, Ministerio Publico, Forças Armadas, partidos políticos. Todos têm de reagir", afirmou.

Nenhuma instituição pode ficar inerte diante de Bolsonaro, sob pena de ser cúmplice de seu desafio ao país e à democracia. Congresso, STF, Ministerio Publico, Forças Armadas, partidos políticos. Todos têm de reagir

— Gleisi Hoffmann (@gleisi) April 19, 2020

O tom é o mesmo de Carlos Lupi, presidente do PDT. Para ele, o ocorrido é “inadmissível”, e continuou: “O apóstolo da ignorância avança em seu projeto de destruição da democracia”.

Juliano Medeiros, presidente do PSOL, afirmou que o ocorrido é uma “grave afronta” à democracia, à Constituição Federal e às recomendações da OMS. 

 

O ex-ministro Bruno Araújo, presidente do PSDB, disse que Bolsonaro coloca em risco a democracia brasileira e também desmoraliza a Presidência.

"O presidente jurou obedecer à Constituição brasileira. Ao apoiar abertamente um movimento golpista, ele coloca em risco a democracia e desmoraliza o cargo que ocupa. O povo e as instituições brasileiras não aceitarão", afirmou.

O líder do Cidadania, José Roberto Freire, afirmou que a participação de Bolsonaro na manifestação é uma “escalada antidemocrática”. "O STF e o Congresso devem ficar em posição de alerta. O presidente está se aproveitando da pandemia para articular uma escalada antidemocrática. Além de um ato criminoso contra a saúde pública, foi um crime de responsabilidade apoiar um ato que prega a volta do AI-5 e contra o Congresso e STF", afirmou.

No Congresso Nacional

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que “pregar uma ruptura democrática diante dessas mortes é uma crueldade imperdoável com as famílias das vítimas e um desprezo com doentes e desempregados”. E continuou: “no Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos. Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição”.

Maia classificou o discuro de Bolsonaro como "retórica golpista" e afirmou que "não há caminho fora da democracia".

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), também uma das expressivas apoiadoras de Bolsonaro durante as eleições presidenciais, afirmou que repudia a atitude do capitão reformado de participar da manifestação que pediu a volta do AI-5. “Jair Bolsonaro não respeita a democracia, as instituições e as liberdades”, e alfinetou: “depois diz que o Congresso é que provoca o caos”.

O senador Telmário Mota (Pros-RR) lembrou que é um apoiador de Bolsonaro ao dizer que tem votado com o presidente em todas as suas proposições. “Mas meu lado é ao lado do povo. Toda mudança deve acontecer de acordo com a vontade popular. Vontade expressada nas urnas. O Brasil não pode se afastar da democracia", disse.

Álvaro Dias, senador e líder do Podemos por São Paulo, afirmou que a atitude de Bolsonaro é um "estímulo à desobediência". "Fica difícil aceitar essa transferência de responsabilidade para o Congresso do fracasso do governo federal. A atitude de Bolsonaro foi grave. É um estímulo à desobediência. O presidente age como se estivesse em um parque de diversões", declarou.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) reiterou a necessidade de diálogo e união entre todos os “democratas” contra o que chamou de “declaração de guerra de Bolsonaro contra o Brasil no ato do AI-5. O embate é entre civilização e barbárie”. “A defesa da democracia está acima das diferenças políticas”, afirmou.

Também do Rio de Janeiro, a deputada Jandira Feghali (PCdoB) afirmou que Bolsonaro é um “mensageiro da morte” e relembrou os ataques do presidente a Rodrigo Maia: “há dias coloca sem escrúpulos seus capangas digitais para agredir a política e Rodrigo Maia. E tudo isso para não cumprir os necessários gastos a favor da vida, pagar a renda mínima e garantir os empregos. Não vamos aceitar este ataque à Democracia. Espero que nenhum partido no Congresso vacile em reagir contra estas ações criminosas”, afirmou a parlamentar. 

O senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) afirmou que a atitude de Bolsonaro é mais um dos crimes de responsabilidade que o presidente cometeu. “Atentou contra a Constituição, contra os poderes constitucionais, contra a democracia. Promoveu o ódio, exaltou o AI-5. Isso tudo enquanto enfrentamos uma crise humanitária que está matando pessoas todos os dias. E não satisfeito em cometer crime de responsabilidade, também comete crime ao violar o isolamento social e aglomerar pessoas", afirmou.

Juristas e organizações

Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que já foi alvo de ataques promovidos por Jair Bolsonaro, afirmou que o capitão “atravessou o Rubicão” -  expressão se refere à ação do general romano Júlio César de afrontar o Senado e cruzar o Rio Rubicão, na Itália, o que era proibido por lei. “A sorte da democracia brasileira está lançada, hora dos democratas se unirem, superando dificuldades e divergências, em nome do bem maior chamado liberdade”, afirmou Santa Cruz.

Listando crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) afirmou que Bolsonaro “violou normas sanitárias de isolamento social como prevenção à propagação do novo coronavírus, atentou contra o fim do isolamento social, utiliza seus poderes persuasivos e dissuasivos para impedir um projeto unificado de combate à covid-19, incitando o caos em momento de grave crise social, econômica e política do país”. 

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) também afirmou que vê com preocupação as manifestações “de grupos que defendem o fechamento do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado, além de outras medidas ilegais e que agridem a Constituição Federal”.

Até mesmo a organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) emitiu uma declaração na qual afirma que a atitude de Bolsonaro é "irresponsável, perigosa" e um "flagrante desrespeito às recomendações do seu próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde".

"Bolsonaro celebra um regime que causou sofrimento indescritível a dezenas de milhares de brasileiros, e resultou em 4.841 representantes eleitos destituídos do cargo, aproximadamente 20 mil pessoas torturadas e pelo menos 434 pessoas mortas ou desaparecidas", declarou a HRW.

A Anistia Internacional também repudiou o ocorrido. "A Anistia Internacional repudia qualquer manifestação pública que tenha como objetivo pedir a volta do regime militar, pedir a volta do AI-5, pedir a volta de um regime político que trouxe para o Brasil tanto sofrimento, trouxe tortura, trouxe desaparecimentos", ressalta em nota a organização.

Ato Institucional 5

Cassação de mandatos parlamentares, suspensão de direitos políticos de civis, censura prévia da imprensa, fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas.

Há pouco mais de 51 anos, no dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional 5 (AI-5) estabeleceu essas e outras medidas de exceção que deram início ao período mais repressivo da ditadura militar brasileira (1964-1985). O AI-5 autorizou o uso de ações repressivas, chamadas de “punições revolucionárias” pelos militares, por prazo indeterminado.

Cinco décadas depois, o ato que institucionalizou o terror e a perseguição política aos opositores do regime, foi defendido pelo filho de Jair Bolsonaro e deputado federal Eduardo Bolsonaro contra o que chamou de radicalização da esquerda, a exemplo dos protestos no Chile.

"Se a esquerda radicalizar, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", afirmou o parlamentar, no fim de outubro. 

Edição: Leandro Melito