Minas Gerais

ENTREVISTA

Subestimada por Zema nas eleições, FUNED é peça crucial para enfrentar covid-19 em MG

Fundação é referência do estado para o diagnóstico e identificação do vírus, e já realizou quase dez mil exames

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Marluce: "Mesmo que a gente não perceba, a FUNED está dentro da casa de cada um" - Arquivo pessoal

É impossível esquecer a declaração do governador Romeu Zema (Novo) durante o período de campanha, que quando questionado sobre o futuro da Fundação Ezequiel Dias (FUNED) afirmou desconhecer a existência e trabalho da instituição. Pouco mais de um ano após a fatídica afirmação do governador, a instituição tem se mostrado decisiva para Minas Gerais superar a pandemia do novo coronavírus.

A Fundação, que tem mais de cem anos de trabalho, é a responsável e referência pela realização dos testes de diagnóstico do vírus. É ela também que autoriza os laboratórios a realizar os exames no estado. Além disso, os pesquisadores da instituição estão realizando inúmeras pesquisas para conseguir identificar o perfil do vírus em Minas Gerais.

No último dia 14, após uma força tarefa, a FUNED colocou em dia todos os exames para o diagnóstico do vírus. Segundo a entidade, até a data, das 9.259 amostras que deram entrada na Funed, 8.945 já haviam sido liberadas. Para falar sobre a atuação da fundação diante do enfrentamento ao coronavírus, o Brasil de Fato conversou com Marluce Oliveira, diretora do Laboratório Central de Saúde Pública da Funed.

Brasil de Fato: Qual é a atuação da Fundação no enfrentamento à covid-19?

Marluce Oliveira: Nós trabalhamos primariamente na questão do diagnóstico laboratorial. Quando a gente fala do diagnóstico, a primeira coisa que pensamos é a análise do material dentro do laboratório, mas esse trabalho vai além. Uma vez que nós também somos os responsáveis pela coleta das amostras, instrução de como isso deve ser feito e como devem ser armazenadas, expedição de kits de coleta de amostra, etc.

O nosso trabalho atinge todo o estado de Minas Gerais. A atuação vai desde o momento da coleta até a expedição dos resultados. É muito importante entender que um laboratório público é uma vigilância laboratorial.

Como está a demanda dos testes na Fundação? Qual a quantidade de exames realizados por dia?

Essa produção diária varia, depende do que a gente chama de demanda espontânea. A gente não tem uma programação daquilo que vai entrar na instituição. Em um dia podemos ter uma quantidade de trezentas amostras ou mil. Essa tem sido a nossa variação desde quando começamos a realizar os testes aqui na fundação, no dia 12 de março.

Essa variação dentro do processo analítico depende também dos tipos de kits que estão sendo utilizados, eles têm capacidade e produção diferentes. Tem toda uma variável que vai nortear a nossa produção. Recentemente nós conseguimos colocar a nossa demanda em dia. O que quer dizer isso? Nós conseguimos atender o prazo de 48 horas para dar o resultado em casos considerados como prioridade e 72 horas para soltar os outros.

A fundação também realiza o sequenciamento de genoma do coronavírus. Em que consiste esse trabalho e qual a sua importância?

A parte de sequenciamento vem para acrescentar em termos de conhecimento epidemiológico, tanto para o Estado quanto para a comunidade científica. O processo é muito parecido com o do diagnóstico, em que também é feito um teste molecular. O que é o sequenciamento em si? É você conseguir colocar em ordem toda a sequência do material genético. Colocar os nucleotídeos, que são essas letrinhas do RNA e DNA em ordem. Essa ordem gera uma informação que a gente pode traduzir no que o organismo é. Ou seja, esse sequenciamento nos dá uma identidade do microrganismo.

Nós fizemos o sequenciamento de 40 amostras e o objetivo disso é entender melhor como se dá a movimentação e distribuição do vírus em Minas Gerais. A gente consegue, por essa identidade, avaliar se nós tivemos uma só entrada do vírus no estado ou se tiveram mais entradas, se os tipos virais são semelhantes ou não, se houve uma mutação do vírus ou não. E quanto maior o número de sequenciamento, mais robusta ficam as informações e conclusões que nós podemos tirar.

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Qual investimento o estado tem realizado na instituição para o enfrentamento à covid? É o suficiente para a instituição enfrentar a pandemia?

Nós temos o nosso orçamento e planejamento anual, e dentro dessa programação nós já contamos com a possibilidade de acontecer epidemias, por causa do histórico da fundação, que é de já ter enfrentado epidemias e surtos. Com a questão da covid, houve um aumento de demanda significativo e o governo liberou uma dotação específica para isso. E essa dotação foi a partir da avaliação da própria fundação, do quanto que nós precisaríamos.

Além disso, a partir do momento em que a gente teve esse aumento de demanda, nós nos reorganizamos a movimentação de RH. A diretoria do Laboratório Central, por exemplo, tem 268 servidores, e com o isolamento social nossa demanda em outras áreas como fiscalização em comércio, por exemplo, está parada. Em lugares onde houve alguma supressão de demanda, os trabalhadores foram remanejados para atuar na área da covid. Então, nós tivemos o remanejamento de muitos funcionários para lidar com a pandemia, a utilização de diversos outros laboratórios da fundação para este fim, e outra diretoria também foi direcionada para esta atuação, que é a diretoria de pesquisa.

Essas foram algumas das ações. Nós fizemos também uma ampliação da rede de laboratórios para trabalhar com a fundação. Nós temos uma rede credenciada pela FUNED e dos laboratórios da UFMG, do Hemominas, Federal da Defesa Agropecuária e da FioCruz.

Hoje isso tem sido o suficiente para lidar com a demanda. Daqui a uma semana não saberemos dizer, porque durante uma epidemia as demandas são muito conjunturais, mas hoje está sendo o suficiente.

Qual a importância do Sistema Público de Saúde e das instituições públicas de saúde para o enfrentamento a uma pandemia?

O SUS é um sistema de igualdade que dá a oportunidade de todos terem acesso a qualquer serviço de forma gratuita e é assim que tem que ser as instituições de saúde, como os laboratórios. É importante a gente lembrar que a FUNED não está aqui só nas epidemias - e foram muitas já, não é? Dengue, Zika, Chikungunya, Febre amarela, Cólera, Meningite, etc.

Mas mesmo que a gente não perceba, a FUNED está dentro da casa de cada um. Quando a gente abre a torneira de casa, tem trabalho da FUNED porque somos nós que fazemos a análise da água para consumo humano. Quando nós escovamos o dente, tem trabalho da FUNED porque o creme dental em Minas Gerais é um produto fiscalizado pela fundação. Por mais que a gente não tenha essa percepção, a FUNED está inserida no dia a dia de todos os mineiros.

Edição: Elis Almeida