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Pandemia

De bruxas a heroínas: profissionais da enfermagem seguem na luta por seus direitos

Apesar da simbologia de 2020 ter alçado títulos de honra à categoria, a luta da enfermagem ainda é pelo reconhecimento

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
No Brasil, são mais de 2,2 milhões de trabalhadores, entre auxiliares, técnicas e enfermeiras - AFP

Merecedora de tantas homenagens, a enfermagem ganha os olhos do mundo em meio à pandemia da Covid-19. A Semana da Enfermagem, celebrada no Brasil entre 12 e 20 de maio, neste ano encerra-se deixando um marco para a história. Agora as enfermeiras - que um dia já foram bruxas perseguidas e mortas pela inquisição, consideradas anjos possuidores do “dom” do cuidado - com essa pandemia elevam-se à categoria de heroínas. Diferente dos principais significados atribuídos ao termo herói: “semideus que nunca morre”, os dicionários definem a heroína como “mulher capaz de suportar quaisquer sofrimentos, que arrisca a vida pelo bem do próximo”.

Tais diferenças e desigualdades de atribuições representam ironicamente a realidade de uma força de trabalho formada por 85% de mulheres, pretas e pardas em sua maioria, de acordo com o Perfil da Enfermagem no Brasil. Apesar da simbologia de 2020 ter alçado títulos de honra à categoria, toda a luta da enfermagem ainda é pelo reconhecimento de seus direitos como trabalhadoras.

Segundo relatório “STATE OF THE WORLDʼS NURSING 2020”, produzido e recém-publicado pela Organização Mundial de Saúde, a enfermagem representa 59% da força de trabalho em saúde do mundo. No Brasil, são mais de 2,2 milhões de trabalhadores, entre auxiliares, técnicas e enfermeiras. Embora a densidade de profissionais seja grande, a OMS constatou que nosso país teve péssimo desempenho no que diz respeito à regulamentação das condições de trabalho, ficando abaixo de alguns países africanos e equivalente à Índia.

É importante lembrar que o Brasil possui o maior número de mortes de profissionais de enfermagem durante a pandemia no mundo. Torna-se necessário portanto nos questionar se as condições de vida e de trabalho na enfermagem no Brasil estão vinculadas ao maior número de óbitos dessas trabalhadoras pela doença. 

Em Minas Gerais, a categoria representa o maior número de profissionais do estado, considerando todas as ocupações. Nacionalmente, a enfermagem compõe a segunda maior força de trabalho, ficando atrás somente dos metalúrgicos. No entanto, diferente desses últimos e do Corpo de Bombeiros, que também são considerados heróis pela sociedade, a enfermagem ainda não conquistou piso salarial e recebe remunerações bem menores que as demais profissões citadas, mesmo nos cargos de maior escolaridade. Também não há regulamentação de carga horária ou aposentadoria especial.

Além disso, o pagamento da insalubridade chega a valores irrisórios como R$ 71,70 na Prefeitura de Belo Horizonte/MG. Sem a garantia dos direitos trabalhistas, grande parte dos profissionais de enfermagem precisam acumular múltiplos empregos, ficando em longas jornadas sem descanso e colocando sua saúde em risco. 

Há décadas, essa categoria luta por aprovação de projetos de lei que garantam melhores condições de trabalho, porém sofrem boicote por parte dos parlamentares representantes de empresários da saúde, ou melhor, empresários da doença. Mas, por que manter sob tamanha precarização uma categoria tão imprescindível para a saúde? 

 A melhoria da qualidade de vida, trabalho e saúde dos profissionais de enfermagem pode incidir diretamente sobre a qualidade da assistência à saúde prestada no SUS e na rede privada.  Portanto, é preciso mais que palmas, mais que títulos de honraria. É necessário que a sociedade compreenda que reivindicar aprovação dos projetos que buscam a melhoria das condições de trabalho da enfermagem é também uma defesa pelo direito à saúde de toda a população.  

Hozana Reis Passos é enfermeira, musicoterapeuta e educadora popular. Iracy Sofia Barbosa e Jarbas Vieira de Oliveira são enfermeiros em Belo Horizonte.

Edição: Joana Tavares