Minas Gerais

Artigo

O que sabemos sobre a covid-19 até agora e o que podemos prever

Especialistas reúnem em 22 pontos as principais informações sobre a pandemia e o contexto atual

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
SARS-CoV-2 de Coronavírus Micrografia eletrônica - Fotos Públicas

1. CONTÁGIO E CONTAMINAÇÃO. O novo coronavírus passa de cada pessoa contaminada para 3 a 5 pessoas. O que significa que, sem nenhuma medida de contenção, o número de casos tem potencial de dobrar, em média, a cada quatro dias. Em ambientes fechados o contágio é muito maior, sobretudo se se faz uso de ar condicionado, onde a troca de ar é aquém da ideal. O contágio é rápido uma vez que há uma faixa grande de pessoas que são pré-sintomáticas e durante essa fase seguem transmitindo mesmo antes de apresentar os sintomas.

2. RISCO. Todos nós estamos susceptíveis a infecção, alguns mais vulneráveis.

3. PREVENÇÃO. São quatro as principais formas de prevenção: (a) distanciamento social (de no mínimo 1,5 a 2 metros entre cada pessoa; impedir qualquer tipo de aglomeração); (b) o uso correto de máscara; (c) lavar as mãos por inteiro com frequência; (d) isolamento social (diminuir ao máximo a saída de casa).

4. CONSEQUÊNCIAS DO CONTÁGIO. Dentre as pessoas que têm contato com o vírus, talvez até 20% podem não desenvolver sintomas (são assintomáticas); das pessoas que desenvolvem sintoma, 80% terão quadro brando, 20% precisarão de algum tipo de atendimento no hospital e de 5 a 15% precisarão de UTI (pulmão artificial). A letalidade está variando de 0,6% a 9%, e é mais alta nas populações vulneráveis.

5. SINTOMAS. O período de incubação da doença varia de 1 a 14 dias, mas a maioria manifesta a infeção do 3º ao 5º dia. A pessoa já começa a transmitir 2 a 3 dias antes de apresentar os sintomas (por isto é recomendado o uso de máscara para todos: "você usa máscara e me protege, eu uso e te protejo").

6. IMUNIDADE. Não sabemos ainda se a imunidade adquirida por quem pegou covid-19 é protetora e por quanto tempo. Ou seja, se a pessoa não pega mais a doença, e por quanto tempo ela fica protegida. O TEMPO DE ACOMPANHAMENTO DOS primeiros casos ainda é curto, mas provavelmente a imunidade deve durar pelo menos 12 meses, mas temos que aguardar novos estudos para comprovação.

7. SEQUELAS. Todas as doenças provocam muitas consequências, mesmo que num índice muito pequeno. Como a covid-19 está atingindo milhões de pessoas, temos tido relatos de várias sequelas em distintos órgãos, de falência pulmonar, cardíaca a cerebral, entre outras mais raras. Isso se dá porque o volume de contágio é muito grande. No entanto, a maioria das pessoas se recupera totalmente, sem sequelas.

8. TESTES NO BRASIL. O Brasil está na rabeira do mundo em termos de número de testes por milhões de habitantes, junto com Paquistão, Índia, Equador e México. No Brasil só enxergamos quem está indo em busca de atendimento e com o caso grave, em função da ausência de testes, o que significa ver cerca de 1 caso em cada 8. Em grande parte das localidades se testa apenas quem já morreu, o que significa cerca de 1 para cada 20 casos. O número de testes mínimo seria de 15 a 20 para cada 10 mil habitantes. No Brasil teríamos que testar de 300 a 500 mil pessoas por dia. No entanto, até agora não testamos, ao todo, nem em 1 milhão de pessoas. Países como Alemanha, Bélgica, Rússia e EUA estão chegando a 10 milhões de testes, a China, além da enorme quantidade de estes já feito, testará 11 milhões de pessoas só na região de Wuhan. No Brasil, Minas Gerais está na rabeira em números de testes, ou seja, o estado é a rabeira da rabeira do mundo.

9. SUÉCIA NÃO É BOM EXEMPLO. Dentre os países da Europa, a Suécia, que negacionistas citam como exemplo de país que não orientou o isolamento social, tem os piores índices de contágio e letalidade. E, mesmo sem determinação do governo, a mobilidade social reduziu em 70%. Cerca de 50% das residências tem apenas uma pessoa. A população tem carros e pode deixar de fazer uso de transporte público. O índice de mortalidade por milhão de habitantes ainda assim é 10 vezes maior que o de outros países nórdicos.

10. GRAVIDADE DA PANDEMIA. A gravidade do vírus é demonstrada quando se observa que apenas 5% da população da Espanha, onde assistimos a um caos social, se infectou; e apenas 11% da população de Madrid, onde a situação gerou comoção mundial; nem 5% da população da francesa foi infectada, apesar de todo caos que assistimos no país.

11. IMUNIDADE POPULACIONAL. Esperar que 60 a 70% da população se contamine para atingir a imunidade em toda população – situação em que o vírus tenderia a sumir daquela população – não é viável. No caso do Brasil, de 210 milhões de habitantes, considerando que 60% venha a ter contato com o vírus, e uma taxa de letalidade de 0,7%. Teríamos, assim, 880 mil mortos, o que atesta que “deixar o vírus circular”, ou tratar como “é normal, algumas pessoas terão que morrer”, não deve ser uma política. O isolamento se faz necessário para que ganhemos tempo para desenvolver novos e melhores tratamentos, e para que a capacidade hospitalar tenha condições de atender quem precise.

12. DESIGUALDADE SOCIAL E SAÚDE. O número de mortes é maior entre os mais pobres, mais vulneráveis e negros, pela exposição maior a outras doenças, menor acesso a saúde, residência em locais insalubres, sem saneamento, mais aglomerados e mais dificuldade de acesso ao tratamento e testagem.

13. ISOLAMENTO SOCIAL. O isolamento social adequado é aquele em que todo mundo deveria ficar em casa; ao sair para compras ir de máscaras, e ficar o menos tempo possível nos estabelecimentos comerciais. E caso presencie aglomeração, denunciar às autoridades sanitárias e não entrar enquanto mantiver a aglomeração. Quando se consegue parar tudo, com isolamento social rígido, o número de novos casos tende a cair em 70%, como foi na França e em Nova York. Cidades como São Paulo, que está com taxa de ocupação dos leitos de 80 a 90%, já deveriam ter decretado isolamento rígido, pois, uma vez saturado, e com os casos chegando no interior, se demora um bom tempo para conseguir reduzir o índice de contágio.

14. QUARENTENAS MALFEITAS prolongam o problema de saúde e a recuperação econômica, pois prolongam os períodos de quarentena, e aumentam o número de períodos em que se é obrigado a recorrer a isolamentos rígidos.

15. CRITÉRIOS PARA SE PENSAR O FIM DO ISOLAMENTO SOCIAL. Para se pensar em flexibilizar o isolamento social é preciso levar em conta: (1) transmissão do vírus controlada; (2) capacidade do sistema de saúde suficiente; (3) ampla testagem da população; (4) medidas preventivas e de esclarecimento da população; (5) controle das fronteiras para se evitar importação de novos casos; (6) medidas de higiene incorporadas ao hábito da população.

16. DIFUSÃO PELO BRASIL. No Brasil, todas as cidades com mais de 100 mil habitantes já têm casos, e agora já se alcança a maioria daquelas com mais de 50 mil, chegando as cidades com populações menores. O que levará a uma pressão nas grandes cidades e nas capitais. A tendência é um grande crescimento do contágio no interior já que, pela falta de testes, e pelo deslocamento dessas pessoas para tratamento em outras cidades, não se vê o problema no dia a dia.

17. PRESIDENTE QUE ATRAPALHA. Brasil (358.000 casos), EUA (1.673.000 casos) e Reino Unido (260.000 casos) lideram casos de covid-19. Eles têm em comum a ausência de lideranças que assumem a responsabilidade e orientem a população.

18. TRATAMENTOS. Até o momento não temos tratamento que diminua o contágio; nem que evite a necessidade de UTI; temos tratamentos, ainda em teste, que parecem reduzir o tempo de UTI e de internação.  Qualidade do cuidado ao paciente é de extrema importância e faz a diferença. Em uma unidade de UTI muito cheia esta qualidade pode ser prejudicada e impactar na letalidade

19. FUNDO PARA VACINA, E O BRASIL ESTÁ FORA. Um grande fundo foi criado pela União Europeia para desenvolvimento de uma vacina, tendo em vista potencializar um estudo avançado desenvolvido na Alemanha. Quem participa do fundo terá aceso prioritário aos resultados. Apenas Brasil e EUA das grandes potências não participaram do fundo. Os EUA têm condições de desenvolver sua própria vacina, já o Brasil... E por falar em EUA, eles tentaram comprar exclusividade no acesso a essa vacina desenvolvida na Alemanha, mas o país proibiu. Isso mesmo, os Estados Unidos queriam que nenhum outro país pudesse acessar a vacina. Os EUA também tentaram impedir que a empresa 3M exportasse máscaras para outros países, e tentou garantir que toda produção chinesa de EPI (equipamentos de proteção individual) fosse só para os EUA. É os EUA sendo os EUA!

20. CLOROQUINA. Sua eficácia ainda não foi comprovada. Os estudos indicam que os efeitos colaterais são muito severos e o número de óbitos de quem usa tende a ser maior do que o de quem não utiliza.

21. O NEGACIONISMO. O ataque à ciência foi uma constante na história da humanidade sempre que as descobertas científicas – como por exemplo que o isolamento social é importante para se diminuir o contágio – interferem em interesses econômicos e políticos.

22. DURAÇÃO E NOVO NORMAL. Na ausência de tratamento e vacinas, a projeção é que até 2022 tenhamos que conviver com medidas de distanciamento físico, isolamento, máscaras, lavar as mãos com frequência e impedir aglomerações. As mudanças necessárias nesse período têm sido chamadas de “novo normal”, que requererá muitas adaptações. A covid-19 acelerou mudanças que já vinham em curso, como trabalho em casa, compras pela internet, uso do carro, uso do celular para funções variadas, filmes e apresentações em casa. E trará muitos outros hábitos. Neste momento de crise, temos a oportunidade de mudar o sistema capitalista de produção e concentração de renda, desigualdade, destruição da natureza. Podemos lutar para reconstruir algo mais justo, onde a natureza e os povos da floresta sejam respeitados e valorizados, sem racismo, machismo, homofobia.

Frederico Santana Rick é sociólogo, militante da Consulta Popular e da Frente Brasil Popular.

Unaí Tupinambás é professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMG. Infectologista. Membro dos Comitês de Enfretamento do Novo Coronavírus da UFMG e da SMS/BH.

Edição: Joana Tavares