Minas Gerais

Racismo

Covid-19: uma epidemia com cor e classe social

Deputadas negras da ALMG apresentam PL que torna obrigatória coleta de dados sobre a pandemia com recorte de raça e cor

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Segundo boletim epidemiológico divulgado no dia 18 de maio pelo Ministério da Saúde, 54,8% dos óbitos registrados são de pessoas pretas e pardas - TV Cultura

O que não é visto não é sentido, muito menos combatido. Por isso, nós, as três primeiras deputadas negras da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, propusemos o Projeto de Lei 1.972/20, que tem como objetivo tornar visíveis as desigualdades raciais e sociais ampliadas durante a pandemia de coronavírus. Ele torna obrigatória a coleta de dados com recorte de raça e cor nos protocolos de atendimento em caso de pandemia e busca a equidade no tratamento da população negra. O objetivo é inserir essas variáveis nos boletins epidemiológicos para que tenhamos noção do quanto a população com maior índice de vulnerabilidade, aquela que está à margem das políticas públicas, está sendo afetada pela pandemia.

A contaminação pelo covid19 - apesar de parecer “democrática”, como costumam dizer, não diferenciando gênero ou conta bancária – tem cor, raça e classe social. Segundo o boletim epidemiológico divulgado no dia 18 de maio pelo Ministério da Saúde, 54,8% dos óbitos registrados são de pessoas pretas e pardas. Pessoas brancas são maioria entre os internados (51,4%), mas minoria entre os mortos (43,1%). Lembrando a imensa subnotificação no país em função do baixo índice de testagem e o fato que 32% dos óbitos não tiveram a cor/raça da vítima registrada. 

Mas por que a morte de negros é maior se a contaminação é menor? Por que evolui para quadros graves? A resposta está em anos de escravidão e no racismo estrutural da sociedade brasileira. A população negra tem pior condição econômica, o que significa maior insegurança alimentar; tem menos escolaridade, o que a coloca nas piores posições do mercado de trabalho; vive majoritariamente nas periferias, locais onde água de qualidade e saneamento básico raramente chegam. Há ainda o racismo institucional que interfere diretamente nos atendimentos médicos realizados com pessoas negras, muitas vezes, negligentes e violentos.

É nesse cenário de profunda desigualdade que vive nosso povo, o que faz com que doenças como a hipertensão e diabetes, mais frequentes na população negra por predisposições genéticas e condições ambientais desfavoráveis, sejam letais. A anemia falciforme também é uma doença predominante entre nós, configurando mais uma comorbidade que facilita o agravamento do quadro de Covid.

Por isso, nos unimos para enfrentar essa realidade com ferramentas legislativas. Nossa proposição de lei está em consonância com o Estatuto da Igualdade Racial e também com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, dispositivos que reconhecem os efeitos do racismo estrutural e criam políticas públicas específicas para diminuí-los. Entendemos que, quando o governo deixa de produzir informações específicas sobre essa população, ele coloca o problema na invisibilidade, esconde, nega a realidade e deixa de atender os mais vulneráveis como deveria.

Só com a produção de dados, estatísticas e estudos epidemiológicos teremos a chance de adotar políticas públicas corretas e imediatas para evitar o genocídio da população negra e pobre de Minas Gerais. O vírus pode não escolher quem contaminar, mas o abismo social brasileiro pode definir quem vai viver e quem vai morrer ao final dessa pandemia.

Atualização: O PL foi aprovado na tarde desta quinta (28) na ALMG e segue para sanção do governador.

Deputada estadual Leninha (PT), Deputada estadual Ana Paula (REDE) e Deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL).

Edição: Joana Tavares