Minas Gerais

Entrevista

"A sabedoria ancestral nos fortalece. Sobrevivemos a massacres, sairemos mais fortes"

Sérgio Pererê, cantor, compositor e multi-instrumentista, fala sobre seus novos lançamentos, cultura e resistência

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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"Desde o momento do golpe, a classe artística passou a ser subjugada", afirma o artista - Athos Souza/Divulgação

Às vésperas da aprovação no senado da Lei Aldir Blanc, que prevê uma série de direitos aos artistas brasileiros prejudicados com a pandemia do coronavírus, o Brasil de Fato conversou com o cantor, compositor e multi-instrumentista belo-horizontino, Sérgio Pererê. Ele comenta os anos de ataque e desmonte do setor cultural no país, a realidade dos artistas brasileiros frente a pandemia e também fala sobre seus trabalhos recentes.

Você vem desde 2018 com muitas produções, com shows e lançamentos de cd´s. E agora em 2020 realizou diversos lançamentos. Como tem sido essas produções?

Tanto em 2018 quanto em 2019 eu me propus a produzir muita coisa. Alguns shows que eu produzi eu gravei e também trabalhei muito em estúdio. Por exemplo, esse cd que eu gravei com o Tizumba – “Maurício Tizumba e Sérgio Pererê ao Vivo” - é fruto de um show que fizemos juntos. Tem um outro trabalho que é fruto de um show que é o disco Cada Um.

E no ano passado eu gravei um disco chamado “Revivências” que é uma releitura de clássicos da MPB, foi a minha primeira experiência gravando composições de outros cantores. Outro CD que também lancei foi o Coração de Marujo, que traz mais essa pegada da cultura popular e afro mineira. E recentemente eu terminei de mixar o disco Canções de bolso.

Então esses trabalhos todos eram coisas que eu já tinha preparado com a ideia de poder circular, demorar um tempo com cada um, fazer uma sequência de shows de cada um deles. Com essa história da pandemia ficou inviável imaginar turnês. Vários trabalhos foram cancelados. Então eu resolvi lançar os cinco trabalhos todos esse ano. Eu estou tentando transformar o que é a quarentena, o que é esse cancelamento de trabalho em uma oportunidade de mostrar todas essas produções e dividir isso com as pessoas nesse ano ainda.

Qual a realidade dos artistas brasileiros hoje diante desse contexto de crise sanitária e econômica?

A relação com a cultura no Brasil ela já vem sendo difícil há um bom tempo, só que nós não imaginávamos que a coisa iria conseguir piorar o quanto piorou. Desde o momento do golpe a gente já vem sofrendo muito. Foi um período onde a classe artística passou a ser subjugada. Então, a pandemia e os cancelamentos de shows estão sendo só um acréscimo.

Agora é um momento onde nós estamos exercitando a perenidade e buscando essas possibilidades do mundo virtual. Mas infelizmente não são todas a áreas da arte que vão conseguir dialogar com esse universo. No teatro, por exemplo, isso é muito mais difícil. Então assim, é um período muito difícil para a nossa classe.

Mas como tudo tem um lado positivo e um lado negativo, eu acredito que esse momento para a classe artística também promove uma possibilidade de exercício de uma horizontalidade. De que pessoas que estiveram ocultas até agora consigam ficar um pouco mais visíveis. Então por essa perspectiva é uma oportunidade.

É possível fazermos uma avaliação do quanto o setor cultural retrocedeu nesses últimos anos, frente aos ataques, censuras, cortes de fomento e aos episódios como, por exemplo, ter a frente da pasta do governo federal uma pessoa como a Regina Duarte?

Tem uma fala do Gilberto Gil de quando ele estava ministro, de que a cultura é que nem arroz e feijão, tem que estar na mesa de todo mundo. Então eu sinto que falta para o Brasil um entendimento do real significado de cultura. E aí sendo assim em todos os sentidos é problemático. Porque uma coisa é a falta de apoio, outra é a falta de entendimento do que é cultura.

Quando a gente tem uma pessoa como a Regina Duarte ocupando esse lugar, é triste duas vezes né. Porque ela é uma atriz, então, é uma pessoa que já vem de uma formação que vem da área cultural, imagina-se que deveria ser alguém com conhecimento, mas não é.

Já tem essa busca de uma lei para poder auxiliar os artistas e eu fico muito na torcida para que dê certo. Mas ao mesmo tempo eu fico imaginando como que vai ser o diálogo para se entender quem que está atuante. Para cada artista que consegue se projetar, tem muitos, muitos que estão na sombra do esquecimento.

Para esse momento de pandemia, toda ajuda emergencial é necessária porque de fato é um momento emergencial. Mas eu fico imaginando que a gente precisa de uma ascensão real da cultura. Nós estamos falando dos artistas que vivem de arte, compõem, gravam, que lidam com o palco.

Mas como que a gente vai fazer para que, por exemplo, com a cultura popular, dessas pessoas que mantém a cultura popular e não são necessariamente artistas? Estou falando, por exemplo, das folias de reis, os congados, as escolas de samba. Como que a gente vai fazer para que a cultura popular sobreviva num momento como esse? Ou seja, são muitas coisas que estão em risco com esse governo e com a pandemia.

Essa é a parte deprimente porque por vezes dá uma sensação apocalíptica porque são muitas coisas que estão em risco.

E no início da pandemia nós vivemos um episódio muito triste que foi a morte de um dos maiores compositores do Brasil que é o Aldir Blanc. Eu via muitas pessoas comentarem da tristeza que elas tinham ao saber que ele, a beira da morte, estava precisando de ajuda financeira para conseguir um leito de hospital.  Para maioria das pessoas é como se isso fosse uma coisa absurda, isolada. Mas isso não é uma situação rara. Já tem muitos anos na história do Brasil que grandes compositores morrem à míngua. A coisa é muito pior do que parece.

A cultura é parte da nossa constituição enquanto indivíduo e sociedade. Desde sempre ela tem papel fundamental principalmente nos momentos de mudanças sociais. Como você vê isso nesse momento de pandemia?

A compreensão maior sobre o que é a cultura e os valores que ela traz, poderiam fortalecer todas as pessoas nesse momento. Falando a partir de onde eu venho, povos negros brasileiros e africanos e dos povos indígenas a gente sempre se inspirou na sabedoria ancestral para lidar com qualquer coisa. Então estar atento à cultura ancestral é fundamental.

Isso é algo que nos fortalece. Entender que nós já passamos por situações muito difíceis, nossos povos passaram por transições muito grandes, sobreviveram à massacres e a gente está aqui. Isso significa que nós damos conta de passar por esse momento de agora e conseguimos inclusive acordar disso mais fortes e com outros valores potencializados.

Edição: Elis Almeida