Senzalas modernas

Quartinho de empregada é tema de filme que busca financiamento para ser lançado

Realizado por cineasta filha de empregada doméstica, filme mostra evolução da relação entre casa-grande e senzala

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"Aqui não entra luz", filme de Karoline Maia, produzido de forma independente, investiga a vida e as condições de trabalho de quem vive em quartinho de empregada - Divulgação

Um adendo do espaço familiar, minúsculo, com pouca luz e ventilação. Assim geralmente são quartinhos de empregada, espaços comuns em muitas casas e apartamentos nos dias de hoje. 

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Remanescente dos tempos coloniais, esses espaços talvez sejam uma das maiores evidências da continuidade da dinâmica escravocrata em nossa sociedade. 

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A maneira que eles são construídos e vivenciados é o tema do filme “Aqui não entra luz”, de Karoline Maia, cineasta paulista de 26 anos. Moradora de bairro de periferia em São Paulo (SP), e filha de doméstica, Karoline afirma que fazer o filme foi uma maneira de encontrar respostas para experiências traumática de racismo que vivenciou anos atrás.

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“Infelizmente é um tema que diálogo com muita gente e faz muito sentido no contexto do Brasil que ainda que é um país que carrega muitos costumes e modelos de trabalho dos tempos da escravidão.”

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Realizado de forma independente por equipe composta apenas de mulheres negras, o filme percorreu cinco estados, registrando casas-grandes e senzalas ainda existentes no país, e conversando com trabalhadoras domésticas que viveram ou ainda vivem nas casas com os patrões. O filme que ainda não foi finalizado, abriu uma campanha de financiamento coletivo para que possa ser lançado..

“Minha busca principal foi entender como era, ou ainda é, a dinâmica de viver no quartinho. Como ele era, onde ele estava, como era dinâmica de sair entrar, até onde elas podiam ir na casa e tal. E também coisas mais íntimas, como, por exemplo, não poder usar a mesma louça da família, não poder comer a mesma comida, enfim, coisas que eu mudam de família para família. Que são violências, na real, né?” relata Maia.

Karoline faz parte da produtora Pujança, que há alguns anos realiza webséries voltadas à documentação da cultura negra e periférica. Um dos principais objetivos de seu trabalho, segundo afirma, é desconstruir o imaginário estereotipado que geralmente são produzidos sobre essas populações.

“Antes tínhamos pensado em fazer um filme com entrevistas com vários pesquisadores, especialistas. Mas depois, no último momento,  mudei de ideia, tiramos todos os especialistas e ficamos só com as trabalhadoras domésticas. E acredito que foi uma ótima decisão porque elas dão conta, elas dão conta de falar de tudo que que a gente espera ouvir de um especialista.” diz a diretora.

Outra preocupação do filme é realizar um diálogo também com as pessoas que geralmente são as contratantes dessas trabalhadoras. “Eu me interesso bastante sobre como produções como essas podem fazer as pessoas brancas se questionarem. Mais do que falar para as próprias trabalhadoras, me interessa mais o quê pessoas que contratam trabalho doméstico tão afim de mudar e movimentar dentro do modelo de como elas contratam essas mulheres.” problematiza Maia.

 

 

Edição: Ítalo Piva