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AQUI PRA NÓS

“A gente quer mais do que o direito de amar”: Programa Aqui pra Nós discute luta LGBT

Taísa Rodrigues e Wandson Padilha avaliam avanços e retrocessos políticos e elencam desafios da auto organização LGBT

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Organização, formação e luta são essencial para forjar os LGBTs como sujeitos políticos - Mídia Ninja

 

Para encerrar o mês internacional de orgulho LGBT, a edição desta terça (30) do Aqui pra Nós convidou Taísa Rodrigues, enfermeira e militante da Consulta Popular e Wandson Padilha, médico e organizador da Campanha do Orgulho LGBT para falar sobre o tema "Orgulho LGBT e luta contra a opressão". O programa Aqui pra Nós vai ao ar todas as terças no YouTube, sempre a partir das 19:30h. Confira os destaques da conversa:

Conquistas e avanços

Taísa ressalta que cada avanço deve ser comemorado, mas que ainda é necessário muito debate e conscientização no Brasil “a gente tem poucos avanços em relação aos que a gente realmente precisa pra viver na sociedade. Especialmente nos governo Lula e Dilma, mais progressistas, nós conquistamos alguns direitos, como o Programa Brasil sem Homofobia, a aprovação da União Estável”. Ela ressalta que as opressões como machismo, racismo e LGBTfobia andam juntas com o capitalismo, que potencializa o processo de opressão e que a própria história do Brasil mostra como o país é conservador, mas que esse quadro piora com o governo do presidente Jair Bolsonaro, que incentiva a sociedade a violentar a população LGBT. 

Uma das conquistas aprovada recentemente é a permissão para que homossexuais possam doar sangue, cedida pelo STF. “Agora estamos lutando para não perder retrocessos, enquanto em governo progressistas nossa luta era por avanços”, ressalta Padilha, que também aponta que a aprovação da lei veio pelo judiciário por falta de vontade política do legislativo e do executivo em promover esse tipo de ação. Ele explica o motivo da antiga proibição “existe um conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS) de promiscuidade, que se encaixa para qualquer pessoa que teve 2 parceiros diferentes por ano. Essa era a justificativa porque se dizia que os homens gays e as mulheres trans eram uma população com mais risco de ter seu sangue contaminado com o vírus HIV. Hoje não se adota mais o conceito de grupos de risco, mas de comportamento de risco, que independe de gênero ou sexualidade”. 

Saúde e cisheteronormatividade

Taisa ressalta que o cuidado com a saúde LGBT vai além da sexualidade “Nós que somos profissionais de saúde não aprendemos isso nos cursos de graduação. Junto com isso, poucos profissionais tem interesse em entender melhor a área exatamente pelo preconceito. As mulheres lésbicas e bissexuais precisam de assistência em saúde para além de contracepção; os homens gays precisam ter acesso a saúde para além de serem taxados como reprodutores de IST’s; As pessoas trans além da hormonização e transição precisam de outros cuidados. Essas pessoas têm outros problemas de saúde e precisam de assistência, mas deixam de procurar o serviço por medo” Ela ressalta que também cabe aos órgãos de saúde municipais e estaduais promover essas políticas e manter os profissionais informados para que possam atender e acolher os LGBTs na rede de saúde. 


Padilha, que pesquisa sobre o conhecimento dos profissionais de saúde acerca do tema, explica que a necessidade da pesquisa surgiu também por ele ser LGBT, mas que no programa de Residência Médica ele identificou que muitas mulheres trans que vivem em situação de rua tinham muita dificuldade em procurar os serviços de saúde. Hoje, em Petrolina, são cerca de 100 pessoas atendidas com um cuidado especial não só para a saúde em geral, mas também pela hormonização feita com automedicação, identificada como um problema “essas pessoas morrem muito jovens por culpa nossa, porque essas pessoas são violentadas nos serviços de saúde, tomam medicamentos na dose e de forma errada, e isso abrevia o tempo de vida delas”. 

Ele ressalta que a adoção de uma abordagem sem LGBTfobia passa por uma formação constante das equipes de saúde, passando por todos os profissionais “já aconteceu de laboratórios nos ligarem para questionar o preventivo de um homem trans, porque supostamente só mulheres fazem o exame; já fizemos oficinas para ensinar a equipe a inserir o nome social nos cartões SUS, que é um direito que existe desde 2011; a gente fez todo um processo de formação das agentes comunitárias de saúde, da equipe de enfermagem, de todos os profissionais”.

Desafios

“Nossa pauta vai além do mês de junho. A gente quer mais do que o direito de amar. A gente quer saúde, moradia, educação… tudo isso vai além de sermos visibilizados. Acaba que essa pauta vai sendo romantizada, porque a sociedade se apropria desse debate do amor como se ele bastasse”. A enfermeira ressalta que a garantia de direitos passa por compreender como todas as opressões estão inseridas e que dependem do capitalismo para se manter “quando a gente entende que o Brasil é um país onde já está enraizada toda essa violência, dá para entender quais os passos que precisamos dar. E para isso, eu não vejo outro meio que não seja a organização popular, tanto em espaços de auto organização, que são coletivos com LGBTs, para que eles se entendam como sujeitos políticos; tanto nas organizações mistas. A gente também  precisa das pessoas não LGBTs para lutar contra esse sistema. Nós não somos contra essas pessoas, mas contra esse padrão de cisheteronormatividade que é imposto”. 

Padilha afirma que um grande desafio é manter o tripé de organização, formação e luta, essencial para forjar os LGBTs como sujeitos políticos “Já temos esse desafio de nos auto organizar, porque a saída do armário é um processo difícil, a gente cresce com um fardo de que ninguém vive feliz sendo LGBT e que é preciso esconder. Quando a gente entende que não é assim, é um alívio muito grande”. Ele também reafirma que é importante ter o apoio da sociedade “precisamos ocupar também outros espaços que não sejam só da luta LGBT, nós sabemos discutir outros temas; e um outro desafio é fazer com que as pessoas entendam a importância dessa luta, porque mesmo no discurso progressista essa pauta é deixada de lado por quem não é LGBT. Mesmo com esse momento tão difícil, precisamos continuar unidos para deter os retrocessos”.

Edição: Vanessa Gonzaga