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Quando acontece sozinha, a vingança é doce como um leite condensado

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Nesta semana, Mouzar Benedito conta quando a vida dá o recado ao amigo que queríamos dar - Foto: Jan Antonin Kolar/Unsplash
Maria era daquelas sabichona, que acha que todo mundo é atrapalhado

Vocês devem conhecer alguém daquele tipo que acha que é o sabichão ou a sabichona, que acha que todo mundo é atrapalhado, só ele ou ela que não é. Eu conheci umas pessoas assim.

Uma delas era a Maria, professora de física. Amiga de umas pessoas da minha turma, vivia dizendo que nós, geógrafos, não tínhamos raciocínio lógico.

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Só ela, formada em física, era que tinha. Uma vez, estava em Salvador (BA), de férias, e encontrei um bando de amigos, entre eles a Maria.

Tinham ido para lá em dois carros e parte da turma ficaria por lá, então tinha lugar sobrando nos carros para voltar para São Paulo (SP). Eu me juntei a eles.

Na véspera da viagem, fizemos as contas e, somando o dinheiro de todo mundo, mal dava para pagar a gasolina dos dois carros. Ainda bem que na época não tinha pedágio. Mas se furasse um pneu, pronto!, ia desfalcar o dinheiro da gasolina.

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E a comida?

Gastaríamos dois dias de viagem, pois precisaríamos dormir uma noite. Pararíamos em algum posto de gasolina e dormiríamos em redes.

O que conseguimos levar para comer eram dois pães de forma e uma latinha de leite condensado. Para beber, não dava para comprar água mineral, enchemos umas garrafas de água da torneira.

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Saímos de Salvador de madrugada, com intenção de comer umas fatias de pão só depois do meio- dia, para render. Num carro, íamos três pessoas. No outro, só o Norberto e a Maria. À uma da tarde, paramos para comer, na sombra de uma árvore na beira da estrada.

Passávamos uma camada bem fininha de leite condensado numas fatias de pão, pois se puséssemos muito a latinha esvaziava e depois íamos ter que comer pão seco, sem nada.

Na hora de guardar o leite, a Maria se impôs:

— Deixem que eu embrulho e guardo o leite condensado. Vocês geógrafos são uns atrapalhados… 

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Embrulhou e pôs no banco de trás do carro. E continuamos a viagem. Dali umas três horas, o Norberto, que vinha com a Maria no carro de trás, deu o sinal de farol combinado e paramos para ver o que era.

Ele desceu do carro rindo sem parar. E falou:

— Olhem no banco de trás do carro. 

A Maria tinha embrulhado a lata de leite num papel... e colocado de cabeça pra baixo. O banco estava todo cheio de leite condensado. O que fazer? Desperdiçar?

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Ficamos lá… passando fatias de pão no banco cheio de leite condensado e comendo, e xingando a Maria:

— Então você tem raciocínio lógico, né? Agora, o que vamos comer no resto da viagem? 

Chegamos em São Paulo esfomeados, no final do dia seguinte. E a Maria, além de esfomeada, com a orelha quente.

 

Edição: Lucas Weber