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Artigo | O problema da segurança pública em escala municipal

Municípios têm insistido no erro dos governos estaduais acreditando que repressão é a única medida de segurança possível

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Em geral, os governos estaduais concentram esses recursos e os investem em ações ostensivas de policiamento executadas pelas polícias militares. - Foto: SSPDS-Ce

Historicamente, no Brasil, o problema da segurança pública foi pautado pela ideia de que as forças policiais são as responsáveis pela gestão dessa área. Assim, em praticamente todos os estados temos secretarias estaduais de segurança pública cujos recursos são concentrados na promoção de serviços de policiamento. Em geral, os governos estaduais concentram esses recursos e os investem em ações ostensivas de policiamento executadas pelas polícias militares. O erro dos governos estaduais é replicado nas gestões municipais.

Mesmo quando compreendem que é preciso envolver o município na gestão da segurança pública, no máximo, gestores municipais têm investido em guardas municipais e equipamentos de videomonitoramento. Em suma, os municípios têm insistido nos erros dos governos estaduais, acreditando que ações de repressão são as únicas medidas de segurança possíveis. Isto, obviamente, não acontece por acaso, mas porque a classe política brasileira é composta por sujeitos extremamente limitados do ponto de vista do conhecimento da gestão pública. Hoje, parte dos políticos profissionais brasileiros prefere investir em performances grotescas e discursos de ódio do que, realmente, discutir o papel do estado na solução de problemas constituintes da vida social em nosso País, estados e munícipios. Por isso, as próximas eleições municipais oferecem poucas esperanças porque a pauta de segurança pública será objeto de mentiras, demagogias e ataques, mas não de um conjunto de proposições que visam pensar a vida na cidade.

É impossível imaginar que uma pessoa possa viver com segurança em cidades que não pensam seus espaços públicos de maneira inclusiva, democrática e coletiva. A maior parte dos bairros das periferias urbanas brasileiras não dispõe de equipamentos públicos de qualidade para o lazer de jovens ou desenvolvimento atlético deles. O bem-estar de jovens pobres e negros não consta nos programas de políticos profissionais que disputam eleições municipais. Em geral, eles herdam cidades bem estruturadas para pessoas brancas das classes médias e altas que, em geral, são reformadas de tempos em tempos porque são, também, as “áreas turísticas”. O orçamento que resta para pensar segurança, então, é utilizado na repressão aos mais pobres para que não frequentem as áreas turísticas e, consequentemente, entendam as impossibilidades raciais de acesso à cidade.

Para continuidade deste projeto municipal, as eleições para prefeito se transformaram em espetáculos de mentiras contadas e recontadas, com políticos profissionais oferecendo as mesmas soluções para uma área da gestão pública que desconhecem. É comum que policiais agora assumam esse debate, promovendo a ideia de que são os melhores candidatos porque são da área de segurança pública. O problema é que, em geral, eles não entendem de segurança pública porque segurança pública não é uma questão de polícia, mas uma área de conhecimento e gestão pública que envolve a convivialidade democrática em sociedades constituídas por sujeitos de direito que deveriam ser respeitados como tal em qualquer área da cidade. Não é assim que acontece e o modelo de gestão policial é vendido como uma solução que só funciona em eleições e não na prática de construção de cidades mais justas, igualitárias e inclusivas.

Acredito que, nas próximas eleições municipais, o debate será especialmente desqualificado, pois a ascensão do bolsonarismo criou a ideia de que políticos profissionais não são nada mais do que demagogos que precisam investir em retóricas eleitoreiras. Bolsonaro se elegeu Presidente da República sem proposições de políticas públicas para o País. Seu sucesso eleitoral se deve ao trabalho de pessoas envolvidas em uma rede de fake news para promoção do ódio aos seus adversários. Mesmo sem apresentar um único projeto decente para o desenvolvimento do País, o atual Presidente investiu em um discurso ideológico de combate ao “comunismo”, atacando ideias republicanas fundamentais para a construção de uma sociedade democrática e cidadã. As consequências desse processo são devastadoras e o modus operandi bolsonarista estará presente nas próximas eleições, com candidatos que esvaziarão o debate sério e qualificado para investir em mentiras e promoção do ódio contra seus adversários. Desta maneira, vamos caminhando para reprodução dos problemas sociais que afetam a sociedade brasileira, entre eles a continuidade de políticas de segurança pública racistas e injustas com as populações das periferias urbanas.

*Professor de Sociologia da UFC e Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência

Edição: Monyse Ravena