Minas Gerais

MOBILIDADE URBANA

BH: mais de 90% dos passageiros andam em ônibus lotados e esperam mais de 30 minutos

Em contrapartida, empresas não cumprem normas de segurança e devem mais de R$ 5 milhões à prefeitura

Belo Horizonte | Brasil de Fato |

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"A pesquisa concluiu que quem está sendo mais atingido pelo coronavírus são as pessoas que têm que sair para trabalhar" - Créditos da foto: Yan Marcelo/@yanzitx

Mesmo com a pandemia, os ônibus continuam lotados de passageiros em Belo Horizonte. O atraso das linhas se intensificou e muitas pessoas tiveram a renda impactada pela obrigação de usar transporte individual por aplicativo.

Esses dados foram revelados pela recente pesquisa do Tarifa Zero, movimento social pela mobilidade urbana em Belo Horizonte, em parceria com a Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

80% dos passageiros afirmam que horários não são respeitados e 32,9% passaram a usar aplicativos de transporte para conseguir se locomover

“Ônibus passando a cada 40 minutos fazem com que eles fiquem muito lotados. Domingo se houver alguma urgência não pode ser entre 9h e 16h porque não tem ônibus", desabafa um morador do bairro Nova Vista ouvido pelo estudo.

Ao todo, 519 pessoas participaram do levantamento. Delas, 432 afirmaram precisar do transporte coletivo de ônibus na capital - essas foram as respostas levadas em consideração.

Os usuários que relataram já ter andado de ônibus lotados na pandemia somaram 93%. 80% dos passageiros responderam que os horários não estão sendo respeitados, 91% que esperam mais de 30 minutos por um ônibus, 32,9% passaram a usar aplicativos de transporte para conseguir se locomover e 89% afirmaram que a renda foi impactada negativamente por ter que gastar mais com transporte (ou por pedir um carro de aplicativo, ou por ter que pegar dois ou mais coletivos porque o número de viagens das linhas foi cortado, entre outros motivos).

Mais gente e menos cuidado

Contraditoriamente, as empresas de ônibus não aplicaram as medidas de segurança corretamente, como foi estabelecido em decreto da Prefeitura de Belo Horizonte no mês de abril.

O documento ordenou que as empresas deveriam disponibilizar álcool em gel para usuários e trabalhadores em todas as bilheterias, estações e veículos, além de limitar o número de pessoas por coletivo.

No entanto, a análise da AJUP e Tarifa Zero revela que 48,8% dos respondentes disseram que às vezes os ônibus continham álcool para higienizar as mãos, 37,7% afirmaram que a substância nunca era disponibilizada e 15,7% que sempre estava acessível.

Empresas receberam cerca de 9 mil multas até agosto, totalizando mais de R$ 5 milhões que ainda não foram pagos

Como a prevenção não foi implementada de acordo com as regras, as empresas receberam cerca de 9 mil multas até o mês de agosto deste ano. Elas contabilizam mais de R$ 5 milhões e até então não foram pagas.

Usar transporte coletivo aumenta risco de contágio

A Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Polis descobriram, também por meio de um levantamento, que o número de internações por covid-19 foi maior nos locais onde as pessoas continuaram pegando ônibus diariamente.

A instituição observou a situação dos bairros na capital paulista, cruzando informações da SPTrans e do sistema DataSUS, vinculado ao Ministério da Saúde e que detalha as hospitalizações de pacientes com covid-19 e com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não identificada, assim como as mortes após internação.

Motoristas correm risco semelhante ao de profissionais da saúde de contrair covid-19

Além disso, a pesquisa concluiu que quem está sendo mais atingido pelo coronavírus são as pessoas que têm que sair para trabalhar, que não possuem formação superior, que não exercem cargos executivos ou são profissionais liberais - esses, por sua vez, foram os grupos de profissionais que aderiram com mais força ao teletrabalho.

Em BH, a conclusão foi a mesma. Segundo a pesquisa do Tarifa e AJUP, a maioria dos usuários de ônibus entrevistados no município enfrenta o risco porque precisa trabalhar - 72%.

Mais risco para mulheres e negros

Mulheres andam mais de ônibus antes mesmo da pandemia, anunciou estudo da organização Nossa BH.

Em épocas de coronavírus, a maior quantidade de mulheres nos coletivos, de acordo com a pesquisa do Tarifa Zero, pode ser justificada pela manutenção das atividades de cuidado, no caso das ajudantes do lar e cuidadoras de idosos, como pela continuidade dos serviços essenciais. Mulheres também são as mais presentes na categoria da enfermagem e no exercício de funções como caixa de supermercado, por exemplo.

No que diz respeito ao perfil de raça e cor, 38% dos participantes se declararam brancos, seguidos de 31,5% de pardos e 25% de pretos. 

"A título de comparação, segundo o Censo Demográfico do IBGE (2010), em Belo Horizonte, 47% da população se declarou branca, 42% parda, 10% preta, 1% amarela e menos de 1% indígena. Logo, a comparação entre os dados das pesquisas sugere que o transporte coletivo durante a pandemia foi utilizado pelos pretos em uma proporção muito superior à parcela que eles representam na cidade", pontuou a tese.

Motoristas: das profissões mais vulneráveis

Eles não são profissionais da saúde, mas estão em perigo semelhante na chance de contrair covid-19, indica mapeamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Enquanto os trabalhadores da saúde têm uma probabilidade de contaminação que gira em torno de 50% a 100%, os motoristas têm 71% de risco de adoecerem pela enfermidade. Acesse o relatório na íntegra.

"Isso em BH acaba sendo mais grave pela falta do cobrador", explica Guilherme Andrade, que participou do estudo pela Assessoria Jurídica Popular da UFMG.

"Além do motorista ter que fazer o trabalho dele, tem que pegar em dinheiro e fazer o troco e não tem como fazer a higienização das mãos toda hora. Por isso, colocamos na pesquisa a sugestão para empresas de fornecer equipamentos de segurança, o que também não estava funcionando muito bem. Eles não estavam usando o escudo facial", continua Guilherme.

Escolha das empresas

Ele salienta, ainda, que tudo isso faz parte de uma decisão política para manter o lucro das empresas e que a forma como o contrato de concessão pública é construído permite que as corporações exerçam tal poder, principalmente pela cláusula de equilíbrio financeiro.

“A empresa argumenta que não vai conseguir manter a quantidade normal de ônibus circulando na pandemia porque assim não vai ter lucro, que deve fazer várias medidas que vão compensar a perda de dinheiro e o contrato força a prefeitura a aceitar. De uma maneira totalmente mal planejada, [as empresas] simplesmente diminuíram o número de coletivos rodando, por isso aumentam o intervalo, causando lotação. Ainda, para que as empresas possam ter lucro, os coletivos no Brasil precisam circular em média com até seis passageiros por metro quadrado”, comenta Guilherme.

A AJUP e o Tarifa Zero planejam entregar o levantamento oficialmente à Prefeitura de Belo Horizonte.

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Edição: Elis Almeida