Rio de Janeiro

MORADIA

Moradores de casarão na Glória (RJ) sofrem com a falta de água e luz

Imóvel na Zona Sul da cidade abriga 60 famílias; maioria delas vive do auxílio emergencial

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O prédio, onde funcionava um antigo convento desativado há mais de 30 anos, se tornou a alternativa de moradia para pessoas de baixa renda - Foto: arquivo pessoal

No bairro da Glória, na Zona Sul do Rio de Janeiro, 60 famílias driblam, há três meses, a falta de água e luz para sobreviver no chamado "Casarão 891", localizado na Rua Cândido Mendes. O prédio, onde funcionava um antigo convento desativado há mais de 30 anos, se tornou a alternativa de moradia para pessoas de baixa renda que vivem na capital fluminense.

No imóvel, atualmente da União, moram idosos que estão no local desde o fim do convento até famílias de trabalhadores autônomos que atuam no centro da cidade. De acordo com Mathilde Alexandre, 61, que há 12 anos reside no prédio, os moradores enfrentam dificuldade para manter a água e a luz desde 2010, quando descobriram que o responsável pela associação de moradores à época não estava efetuando o pagamento das contas, o que acabou ocasionando o corte no fornecimento dos serviços básicos. 

“A água ficou direta porque a Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro] levou o hidrômetro e fizemos o 'gato'. Algumas famílias tentaram colocar o relógio na época e foi negado pela Light e fizemos o 'gato'”, explica a trabalhadora autônoma. 

No dia 22 de julho, os moradores foram surpreendidos por uma ação conjunta da Polícia Civil, Cedae e Light que resultou no desligamento da água e luz do imóvel sob a alegação de ‘gato’, ligação clandestina para obter os serviços. A operação foi marcada por truculência e dez famílias foram presas. 

“Veio a Light, Cedae e policiais da 77° DP [Delegacia de Polícia]. Os policiais entraram no prédio e levaram dez famílias presas, entre elas tinham senhoras idosas, mulheres grávidas e foram todos acusados por furto de água e luz. A Cedae e a Light cortaram a água e a luz e, de lá para cá, nós estamos tentando negociar a água e a luz, até as famílias que foram presas. Ficamos este mês tentando falar com a Defensoria, só que a gente não teve avanço por conta da pandemia”, conta Mathilde. 

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O diálogo com a Light avançou mais do que com a Cedae. A companhia de energia elétrica chegou a retornar em agosto ao imóvel para iniciar a colocação dos relógios. Ao todo, 18 foram instalados. Porém, a instalação foi paralisada após orientação interna da empresa que informou aos moradores do Casarão que eles precisariam de um laudo técnico de um engenheiro ou eletricista para que os relógios restantes fossem colocados. 

O imbróglio, segundo Mathilde, está na Cedae. A dívida com a empresa está em cerca de R$ 232 mil. As famílias não têm condições financeiras de arcar com o valor cobrado e pedem isenção para a empresa.

“A Cedae pediu que elegêssemos um morador aqui dentro para ser o nosso representante perante a empresa para as negociações. Elegemos esse morador. Fomos ao cartório, reconhecemos firma. Fizemos tudo isso e no dia 15 de setembro fomos lá. A Cedae falou 'não'. Pedimos isenção da dívida porque a Cedae é uma empresa que ainda é pública, sendo que a Light, que é privatizada, cortou a luz, mas ela isentou a dívida e colocou alguns relógios”, detalha. 

Retrato 

A falta de água e luz tem impedido a higienização adequada do prédio, o que tem ocasionado o aparecimento de ratos e morcegos no imóvel e o aparecimento de doenças na comunidade. 

“Já tivemos pessoas com covid, doença de pele, problema psicológico. Algumas que foram presas pensaram em se matar. No dia a dia é isso. Estamos vivendo de caminhão pipa, mas nem toda semana podemos pagar. Antes, comprávamos 20 mil litros, agora são 10 mil litros. Quanto à luz, estamos na escuridão. O Casarão parece um castelo, com morcegos e ratos tomando conta do prédio”, lamenta. 

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Moradora do Casarão pega água na cisterna para realizar tarefas domésticas / Foto: Arquivo Pessoal

Posicionamentos

O Brasil de Fato entrou em contato com a Cedae para informações sobre a negociação da dívida. A empresa informou por meio de nota que “o fornecimento de água para o imóvel foi interrompido em 2012, através de obstrutor no cavalete e que o responsável pelo imóvel pode procurar a companhia para regularizar sua situação.”

Já a Light explicou que existem oito unidades consumidoras. Segundo a empresa, cinco unidades estão com ligações clandestinas. A empresa informou que vai regularizar estes consumidores nesta sexta-feira (9); uma unidade fez solicitação de religação de energia e a companhia disse que esteve no endereço no dia 28 de setembro para fazer o atendimento, mas os técnicos não conseguiram acesso.

Segundo a Light, uma unidade necessita sanar pendências técnicas para que haja a religação do fornecimento. A empresa disse, ainda, que esta é uma responsabilidade do morador, que deve providenciar um poste homologado seguindo as normas estabelecidas. A Light também informou que uma outra unidade está com fornecimento de energia normal, conforme vistoria realizada no último dia 19.

A reportagem procurou também a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que, de acordo com os moradores, está atuando no caso. A assessoria do órgão informou que por enquanto a Defensoria não irá se manifestar sobre o caso.
 

Edição: Eduardo Miranda