Rio Grande do Sul

SERVIÇO PÚBLICO

Políticas de bem-estar social concentram maioria dos servidores

4,5 milhões dos trabalhadores do setor público estão diretamente vinculados aos setores da saúde e educação municipais

Brasil é um dos países que mais gastam com salários e pensões para militares, mas os supersalários da caserna devem ficar de fora da reforma administrativa - Arquivo EBC

A Reforma Administrativa almejada pelo governo Bolsonaro por meio da Proposta de Emenda Constitucional 32/20 atinge apenas um servidor federal em cada dez que estão nas outras instâncias administrativas da União. Este é um dos efeitos da Constituição Federal de 1988, que expandiu políticas de bem-estar social Brasil afora para atender o conjunto da população do país. Não é por acaso que a maioria do funcionalismo público brasileiro está na esfera municipal, onde 40% dos servidores atendem aos serviços de educação e saúde.

Os números são do estudo Três décadas de funcionalismo brasileiro elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que classifica professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde como o “núcleo duro dos serviços de educação e saúde”.

O percentual, segundo o Ipea, é próximo do que se verifica nos estados. O acréscimo de profissionais da segurança pública que são de competência das unidades federativas, eleva o índice para 60% do funcionalismo nacional.

É a prova de que a maior parte da ocupação no setor público “está diretamente e positivamente associada à expansão das políticas de bem-estar social oferecidas pelos entes subnacionais ao conjunto da população brasileira”, afirmam os pesquisadores do Ipea.

Municípios empregam 57% dos servidores

Estudo O lugar do funcionalismo estadual e municipal no setor público nacional elaborado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público registra que hoje os municípios empregam 57% dos servidores do país, 32% estão nos estados e 10% no governo federal. O trabalho confirma que a Constituição de 1988 foi determinante para a ampliação do setor público na ponta, próximo da população. Em 1986, os municípios eram responsáveis por apenas 34% do total.

“O fato de o emprego público quantitativamente expressivo localizar-se no nível municipal, atrelado majoritariamente ao atendimento populacional direto em áreas de atuação estatal, tais como serviços de saúde, assistência social e ensino fundamental, não deveria causar nem estranhamento nem reações contrárias”, conclui o trabalho.

A granada que vai atingir a nação

Na opinião de Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a proposta de reforma administrativa gestada pela equipe econômica sob a liderança do ministro Paulo Guedes faz parte de um movimento articulado que envolve forças de mercado e os três poderes. “É a ‘granada no bolso do servidor, que Paulo Guedes mencionou na fatídica reunião de abril de 2020”, lembra.

A ideia, entende Queiroz, é desregulamentar direitos de servidores e regulamentar as restrições de acesso de profissionais ao serviço público. Isso, para o diretor do Diap, consequentemente acabará reduzindo o provimento de bens e serviços, preparando a privatização dos serviços públicos.

Voucherização e favor dos governantes


Coordenador da Frente Parlamentar de Defesa do Funcionalismo, deputado Israel Batista, vê risco no fim da estabilidade, que protege servidor de interesses privados / Cleia Viana/Câmara dos Deputados / Fonte: Agência Câmara de Notícias

Paralelo às discussões no Congresso sobre a reforma administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro, Queiroz alerta que é preciso “ficar de olho” em outras propostas que tramitam no Senado e na Câmara. No Legislativo circula também a ideia de que substituir a prestação de serviço do estado “por distribuição de vouchers à população carente para comprar bens ou serviços no setor privado”, alerta.

Para o dirigente do Diap, a voucherização converte direitos universais e a prestação do serviço público em uma espécie de “favor dos governantes”.

Já o servidor público, por sua vez, na opinião de Queiroz, pode acabar como “refém do governo de turno”. “Na propaganda oficial, o governo diz que os atuais servidores não serão atingidos, mas serão, sim, fortemente afetados”, afirma.

O coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), acredita que a estabilidade protege o serviço público do avanço de interesses privados. “A estabilidade, que é atacada por essa PEC de maneira violenta, foi criada justamente para que a gente conseguisse resgatar o País desse histórico patrimonialista, para que o servidor tivesse uma mínima autonomia em relação às decisões político-partidárias; que, claro, também têm o seu espaço. Mas que não podem ser a única forma de gestão do Brasil”, afirmou em um debate na TV Câmara.

DESTAQUES – O diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, aponta os itens que afetam de imediato os servidores públicos brasileiros pela proposta de Reforma Administrativa do governo federal:

  • Estabilidade – o servidor poderá ser demitido por decisão transitada em julgamento, por decisão judicial colegiada e ainda por insuficiência de desempenho –, cuja regulamentação será feita por lei ordinária ou Medida Provisória (MP) e não mais por lei complementar;

  • É proibida a progressão e promoção com base apenas em tempo de serviço. Fica condicionada, em caráter obrigatório, à avaliação de desempenho;

  • É perdido o direito de ocupar cargo de livre provimento. Estão sendo eliminadas as cotas de cargos que deveriam ser ocupados somente por servidor de carreira;

  • Permite a destituição de comissionados por motivação político-partidária, mesmo que o servidor seja concursado;

  • O escopo de atuação dos cargos de livre provimento (sem concurso), agora batizados de “liderança” e “assessoramento” é ampliado para funções estratégicas, técnicas e gerenciais;

  • Dedicação exclusiva: servidor enquadrado como cargo típico de Estado não poderá realizar nenhuma outra atividade remunerada, nem mesmo acumular cargos público, exceto de professor;

  • Acaba com o Regime Jurídico Único;

  • O presidente da República passa a ter plenos poderes para, por decreto, extinguir cargos, planos de carreiras, colocar servidor em disponibilidade e extinguir órgãos, inclusive autarquias;

  • Mesmo não havendo redução salarial, a referência remuneratória passará a ser do novo servidor, cujo salário de ingresso será bem menor, criando constrangimento ao antigo servidor e legitimando o congelamento salarial em longo prazo;

  • O servidor que se licenciar para exercer mandato sindical, político, estudar, acompanhar parente doente perderá o direito de receber retribuição de posto comissionado, gratificações de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias, entre outros benefícios.

Acompanhe a série de reportagens do Extra Classe sobre a reforma administrativa:

Governo generaliza funcionalismo para tocar a reforma

Empregos públicos representam 12,1% da força de trabalho no Brasil

Edição: Extra Classe