ELEIÇÕES 2020

“Depois de eleita, existe muito mais luta para transformar a política”, diz Macaé

Vereadora eleita de BH, professora promete lutar por uma cidade antirracista e com educação de qualidade para todos

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Macaé Evaristo
"A nossa luta não começou agora, muitas me antecederam e muitas virão depois de mim. Ter mulheres negras e mulheres de diferentes gerações na Câmara é importante" - Créditos: Reprodução

Macaé Evaristo nasceu na cidade de São Gonçalo do Pará, na região centro-oeste de Minas Gerais. Filha de professora, se inspirou na mãe e seguiu a profissão de docente, começando a dar aula na Rede Municipal de Belo Horizonte em 1984. Atuou por anos na Secretaria de Educação da capital mineira e também ocupou as secretarias nacional (2013 a 2014) e estadual (2015 a 2018) de Educação. Foi eleita pelo PT com quase seis mil votos para integrar a Câmara de Vereadores e Vereadoras de Belo Horizonte a partir de 2021.

Brasil de Fato - Qual é a sua trajetória política?

Eu costumo dizer que a mulher negra já nasce fazendo política. Pra gente sobreviver nessa estrutura excludente, nós temos que aprender, o tempo todo, o exercício de se organizar, articular, reivindicar e de se manter firme. Minha mãe ficou viúva muito cedo, com quatro filhas, nos criou sozinha. Mas ela conseguiu e todas nós estudamos e nos formamos.

Sempre militei na área de educação e de combate ao racismo. Comecei como professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte em 1984, depois fui diretora de escola, Secretária Municipal de Educação. Fui secretária no Ministério da Educação [MEC] e na Secretaria Nacional de Diversidade e Inclusão, responsável por fazer as agendas de redução das desigualdades educacionais, com foco na população negra, população indígena, nas populações do campo e jovens e adultos.

Mulher negra já nasce fazendo política para sobreviver nessa estrutura excludente

Atuei com a educação escolar indígena, como formadora de professores e como coordenadora em Minas Gerais. Essas experiências me mobilizaram a pensar a cidade, a interface da educação com outras áreas das políticas públicas, porque para garantir o direito à educação é preciso garantir uma boa saúde, qualidade de vida, moradia, segurança alimentar. Aprendi com os povos indígenas que não se separa a luta pela educação da luta pela terra.

Tudo isso foi um grande aprendizado e me mobilizou a disputar um espaço no Legislativo. Principalmente quando vi o Congresso Nacional aprovar uma emenda que congela investimentos para a educação pelos próximos 20 anos.

A gente precisa ocupar esses lugares da política para que, de fato, nossa voz seja ouvida. Minha trajetória tem essa característica de participação nos movimentos, negro, de mulheres, e sempre tentando garantir que as pessoas tenham educação, porque ela é fundamental para a emancipação e para um país mais justo.

Como você avalia a composição da Câmara que toma posse em janeiro?

É uma Câmara que tem um grupo maior de conservadores e liberais, que pode mostrar esse conservadorismo excludente. Pela frente temos o desafio de construir um ambiente de respeito, de capacidade de dialogar, de avanço nos pensamentos, nas ideias e em defesa da vida. Esse é o ponto que a gente precisa trabalhar. Precisamos fazer uma cidade do bem viver, que é uma cidade antirracista, menos desigual.

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Contra aqueles que querem privatizar tudo, eu defendo que o Estado tem responsabilidade de atuar para garantir os direitos daqueles que são mais oprimidos na sociedade. E acho que a população de BH fez esse chamado. Tivemos a ampliação da bancada de mulheres e, ainda que não sejam todas da esquerda, é significativo. É uma vitória porque quem fez esse debate foram os partidos de esquerda e progressistas, que disseram que as mulheres são maioria na sociedade e questionaram por que elas não estão efetivamente representadas na Câmara.

Conversamos com a Iza Lourença e ela disse uma frase muito interessante. “Temos duas gerações de mulheres negras na Câmara e essa integração pode ser decisiva para a gente começar a colocar o movimento negro em outro patamar em Belo Horizonte”. O que você pensa sobre?

Estou amando essa história! E não é só em Belo Horizonte, é no Brasil inteiro. Tivemos muitas mulheres negras eleitas em diferentes municípios, e ter essa conexão intergeracional é importante porque vivemos tempos diferentes.

E uma coisa fundamental, principalmente no movimento das mulheres negras, é sempre lembrarmos que os nossos passos vêm de longe. A nossa luta não começou agora, muitas me antecederam e muitas virão depois de mim. Então, ter mulheres negras e mulheres de diferentes gerações na Câmara é importante, inclusive porque iremos trazer perspectivas e pontos de vista de lugares diferentes.

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Belo Horizonte é uma cidade jovem, mas que caminha para a maturidade. Eu acho que um grande desafio nosso enquanto parlamentares, para além de pensar as grandes áreas - saúde, mobilidade, moradia, educação -, é pensar na perspectiva do sujeito, das infâncias. É pensar a cidade para as crianças pequenas, mas também para as pessoas idosas.

Quando a gente discute acessibilidade, eu quero discutir não só uma escola acessível, mas uma cidade acessível. Focamos em políticas para a juventude, porém é preciso política cultural para a infância, para quem está na maturidade, para quem está chegando na velhice. Não pensamos como o Governo Federal, que acha que o trabalhador precisa ser explorado até o último dia da sua vida e quando aposenta a vida acaba.

O direito à fruição e a viver na cidade deve ser para todos. Viver todos os tempos na sua plenitude. Acho isso sensacional, e acho que vamos ter um diálogo muito bacana na Câmara. Creio, e espero, que as mulheres vão levar um jeito bem diferente de fazer política para esse espaço.

E digo diferente não somente para as mulheres, mas para os homens. Porque muitas coisas que o machismo constrói como visão de mundo também é perverso com eles. Espero que a gente consiga subverter essa lógica machista que segue presente nas estruturas.

É preciso voltar com creches e escolas em tempo integral em BH

É preciso falar que não basta só eleger mulheres, é necessário garantir o seu exercício na política e resguardar o direito à nossa voz e nossa vida. Temos mulheres negras que foram eleitas e já estão sendo ameaçadas de morte, boicotadas dentro de partidos, ameaçadas nas suas prestações de contas. Existe muito mais luta depois de eleita, porque é necessário produzir a transformação da política.

Sobre os planos para a sua futura gestão. Creio que tudo o que você respondeu faz parte da sua perspectiva de mandato, mas, gostaria de acrescentar alguma coisa?

Só dizer que é fundamental que não percamos de vista a necessidade de um mandato participativo, que dialogue com a cidade, que tenha capacidade de escuta. E também que seja capaz de interferir nos processos do município para melhorar a condição e a qualidade de vida de toda população de BH.

O prefeito Alexandre Kalil (PSD) se reelegeu no primeiro turno. Qual avaliação você faz da sua gestão?

Acho que as contradições fazem parte da vida política, e avaliar a gestão do Kalil é analisar sob a perspectiva das contradições. Teve muitos acertos, fez uma excelente gestão da pandemia, mas tem contradições. Uma, por exemplo, é que as mulheres negras, nós, precisamos de creche, precisamos de escola, mas fundamentalmente de creche e escola em tempo integral. A redução da carga horária dos estudantes nas creches e no ensino fundamental impacta diretamente a vida das mulheres.

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Sou funcionária da prefeitura e dentro do meu próprio ambiente de trabalho acontece isso. Eu estava conversando com uma funcionária da MGS... Ela põe a filha na creche às 7h e tem uma jornada de trabalho que dura o dia inteiro. Como vai se deslocar no meio do dia para pegar o bebê? E o bebê vai ficar com quem? Isso é um drama... Quer dizer, é a vida real. E a pandemia acentuou essas dificuldades.

Precisamos conversar e encontrar os melhores caminhos. Para mim essa é uma demanda imensa. É um tema recorrente para muitas mulheres que converso na cidade e não podemos nos furtar dele.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida