Crime da Vale

Desabamento em obra da Vale atrasa busca por vítimas da mineração em Brumadinho

Galpão que estaria sendo feito às pressas por terceirizada contratada pela Vale desabou no domingo (27)

Brasil de Fato | (MG) |
As obras de construção de galpões que deveriam ter começado antes do período chuvoso, para assegurar o apoio ao trabalho tiveram início depois do dia 20 de dezembro segundo fontes ligadas à operação - Reprodução

Uma das novas tendas utilizadas pela Vale para assegurar o apoio ao trabalho dos bombeiros na busca dos 11 corpos ainda desaparecidos de vítimas do rompimento da barragem Córrego do Feijão em Brumadinho, desabou neste domingo (27), antes mesmo de ficar pronta. Um trabalhador que estava no local filmou os estragos.

O desmoronamento da tenda teria ocorrido por volta das 18h, segundo o boletim de ocorrência (B.O) realizado pelo Corpo de Bombeiros da base Bravo, ao qual o Brasil de Fato teve acesso com exclusividade. Ainda segundo o documento, o engenheiro da Vale, Demétrio Carvalhais, disse à equipe que não havia vítimas sob os escombros.

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No boletim consta também que um homem idoso estava trabalhando no local na hora do desmoronamento, mas conseguiu escapar. Ele foi encaminhado a um posto médico sem ferimentos, porém bastante assustado. O Major Ivan Pereira Neto foi acionado para futuras averiguações. 


No documento não consta nome da vítima que teria escapado do desabamento, conforme relato dos Bombeiros, também não há informações sobre o vínculo dele com a Vale e que trabalho desempenhava no local / Reprodução

Segundo ele, o galpão estava sendo construído por uma empresa terceirizada, contratada pela Vale. “Ficando pronto, o local seria destinado ao uso dos bombeiros para apoio às buscas. Os trabalhos não chegaram a ser realizados. A previsão era de que o espaço ficaria pronto nesta semana”, afirma Major Neto. Ele explicou, ainda, que com a queda da estrutura haverá adiamento das atividades.

As obras de construção de galpões que deveriam ter começado antes do período chuvoso, para assegurar o apoio ao trabalho tiveram início depois do dia 20 de dezembro segundo fontes ligadas à operação.

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No ano passado, as tendas usadas no período das chuvas já estavam prontas no dia 19 do mesmo mês. Segundo nota da Vale, na época, duas delas foram instaladas ocupando uma área de 15 mil metros quadrados. Nessas instalações, eram dispostos os rejeitos mais úmidos, removidos por escavadeiras e caminhões, para que os Bombeiros tivessem a condição necessária para dar continuidade às buscas.

Essa seria a mesma logística de atuação das instalações que estavam sendo construídas esse ano porém, ao invés de lonas usadas ano passado, optou-se por tendas metálicas com telhados e vigas.  

Para Marta Freitas, uma das coordenadoras do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a mineração é um dos lugares mais perigosos para se trabalhar no mundo e “em toda área onde há barragem é necessário um cuidado redobrado com a segurança dos trabalhadores em atividade, especialmente durante as chuvas e, se possível, que tais mecanismos devem ser preparados ainda no período de estiagem”, afirma.

Outros vídeos também circulam nas redes sociais mostrando os estragos. 

De acordo com Mário Parreiras, auditor do Ministério do Trabalho de Minas Gerais, o órgão não foi informado do desabamento da estrutura dentro das instalações da Vale. Ele disse que a mineradora seria obrigada a notificar o acontecimento apenas em caso de vítimas em estado grave ou mortes.

A situação, porém, preocupa quem trabalha na área e prejudica ainda mais as famílias que aguardam pelo encontro dos corpos de seus parentes mortos na tragédia provocada pela Vale. 

Demora para agir 

Em setembro, após cinco meses de interrupção das buscas pelos corpos de 11 vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho, os bombeiros retomaram as atividades, com o objetivo de continuar o esforço de resposta às famílias. 

A operação foi parcialmente interrompida no dia 21 de março, por causa da rápida propagação da covid-19 em todo o estado. Após esse período, foi aprovado o protocolo que regulamentou a retomada da atividade de busca em Brumadinho para militares, resguardando práticas de proteção adequadas ao enfrentamento da disseminação da pandemia.

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Em visita ao local das buscas, em setembro, o governador Romeu Zema reafirmou seu compromisso com as famílias das vítimas não encontradas. "Tenho mantido contato com os familiares e sei que somente eles sabem o valor de ter um funeral digno. É um sonho meu que a gente consiga resgatar essas vítimas”, disse. 

O Brasil de Fato tentou, até o fim da noite de segunda-feira (28), contato com o Corpo de Bombeiros da base Bravo para ter acesso ao plano de construção dos galpões de apoio às buscas, mas não houve resposta. No site da Vale, também não foram encontradas notícias sobre as obras dos novos galpões e nem o cronograma de execução das atividades. O nome da empresa terceirizada, responsável pelas obras, não foi divulgado.

Números de uma tragédia sem fim

Em 25 de janeiro de 2019, às 12h28, 10,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos se romperam na barragem Córrego do Feijão, desencadeando a maior tragédia do Brasil em termos de perdas humanas. Até o momento, 259 vítimas foram identificadas e 11 permanecem sendo procuradas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG). Segundo os bombeiros, as buscas ocorrem em outra área, distante da tenda que desabou no domingo (27).

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Em nota à imprensa, a Vale confirmou confirmou que, na tarde do dia 27 de dezembro, durante montagem de tenda que serve de apoio aos trabalhos de busca do Corpo de Bombeiros no período chuvoso, a estrutura sofreu um dano em um de seus pilares. Segundo a mineradora, não houve vítimas e a área foi isolada para que fossem feitas apurações e tomadas medidas para correção da estrutura.

Sobre o atraso nas obras dos galpões, o Brasil de Fato tentou contato por telefone, mas não foi atendido pela assessoria de imprensa da mineradora em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.

 

Edição: Leandro Melito