Alimento e fé

A comida como forma de alcançar o divino

Adeptos das religiões de matriz africana oferecem aos seus deuses alimentos para agradecer a vida e as virtudes

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Omolocum é feito com feijão fradinho temperado com cebola, azeite de dendê e camarão com ovos - Amor de Abian/Divulgação
Nas crenças africanas, os Orixás são considerados deuses e representam os elementos da natureza

Comer vai muito além do ato de nutrir o nosso organismo para realizar as atividades do cotidiano. Ao escolher o tipo e a origem do alimento que colocamos na nossa mesa, também fazemos uma opção política, de valorizar ou não o trabalho de quem luta para produzir e comercializar comida de verdade.

Mas, se alimentar também extrapola as barreiras que separam a terra do céu e adentra o campo dos rituais e simbolismos de algumas religiões, sobretudo as de matriz africana, como explica a ialorixá Carmem De Oxum, do terreiro de candomblé Ilê Olá Omi Asé Opô Araká.

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“As religiões de matriz africana, ela é uma religião de cerimônias muito fartas. Cada um dos orixás tem uma comida específica, tem uma comida que é preparada de uma forma muito especial, que é servida na hora das oferendas”, destaca.

E além dos orixás, como são chamados os deuses das crenças africanas, os seus devotos também comem dos alimentos que são ofertados. Carmem também conta que, durante as cerimônias, cada prato servido a essas divindades recebe um nome diferente.

“Eu sou de Oxum, nós fazemos uma comida que é feita com feijão fradinho, com cebola, azeite de dendê,  camarão com ovos; ela é chamada de Omolocum. Nós temos o orixá Ogum também, e nós ofertamos a tradicional feijoada. Não é a feijoada com carne de porco, com torresmo, não é assim. A que se oferta a Ogum é a feijoada com os pertences da feijoada”, ressalta. 

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Esses pertences que a ialorixá citou são compostos pelo pé, o rabo e as demais partes do  porco, que não eram utilizadas nas preparações que os africanos escravizados faziam para servir aos senhores da casa grande.

Frutas, milho verde, canjica, arroz e cará são alguns dos alimentos que servem de ingredientes para as refeições ofertadas aos orixás durante as cerimônias religiosas. Isso sem falar no gengibre, que está presente em quase todas as receitas.

Tudo é pensado e preparado com todo cuidado. Mesmo antes de ir para o fogão, as pessoas responsáveis por cozinhas os pratos precisam se preparar, explica Carmem. 

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“O preparo das comidas ele é feito dentro do sagrado. Então, nós fazemos com preceito, com resguardo devido, se toma banho de ervas, se prepara para poder fazer essas comidas e principalmente para levá-las aos pés do orixá”.

E assim como para algumas crenças, a oração, a promessa ou até mesmo o canto são formas de se aproximar do divino e agradecer as bençãos e graças em meio a tantas provações, para os frequentadores de religiões de matriz africana, o alimento cumpre muito bem esse papel.

“A comida na grande realidade é a oferenda, é a oferta pela qual nós agradecemos por tudo que passamos, pelos momentos que passamos, pelo dia que estamos vivos. Por superar as mazelas e as consequências que a vida traz”, conclui a a ialorixá.

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A natureza também é um elemento importante nessa ligação entre o humano e o divino. Carmem explica que quando as cerimônias acontecem na mata, as refeições são ofertadas nas folhas das árvores, para não gerar nenhum tipo de lixo que a terra não consiga decompor. 


 

Edição: Douglas Matos