Minas Gerais

INFRAESTRUTURA

Rodoanel pode impactar abastecimento de água da Região Metropolitana de BH

Projeto está em fase de consulta pública e, segundo ativistas, traçado ameaça reservatórios e região de nascentes 

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

Ouça o áudio:

"É um dinheiro que vem de um crime ambiental muito grande e vai ser utilizado para um outro dano ambiental" - Créditos da foto: Gov de Minas

Arrastado há anos em Minas Gerais, o projeto do Rodoanel Metropolitano, retomado no ano passado pelo governo de Romeu Zema (Novo), está em fase de consulta pública. Serão 13 municípios impactados: Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Contagem, Ibirité, Igarapé, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Ravena, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. 

Segundo informações da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), aproximadamente 3,5 mil imóveis ao longo de todo o rodoanel serão removidos, sendo que a maior parte deles é de caráter rural ou comercial.

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No entanto, por causa da pandemia, as quatro audiências públicas previstas estão sendo transmitidas online, garantindo a participação de poucas pessoas presencialmente. Até o momento, aconteceram as audiências em Santa Luzia, no dia 26 de fevereiro – para discutir a Alça Norte – e em Betim, na última segunda (8), para debater a Alça Sudoeste.  

A audiência em Contagem, que aconteceria no dia 3 de março para debater a Alça Oeste, foi cancelada por problemas técnicos com o áudio da transmissão. A nova data foi marcada para o próximo dia 22. Para debater a Alça Sul, acontece ainda uma audiência nesta semana em Brumadinho, no dia 11 de março. Todas as reuniões são transmitidas pelo canal do YouTube da Seinfra.

As quatro alças do projeto foram indicadas no decreto nº 441 assinado por Zema e publicado em outubro do ano passado. O documento também declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, as propriedades que se encontram na área do traçado da nova estrada. 

É um dinheiro que vem de um crime ambiental muito grande e vai ser utilizado para um outro dano ambiental

O processo de retomada do projeto pelo governo Zema se deu em meio ao acordo negociado entre a Vale, as instituições de Justiça e o governo estadual para a reparação dos danos causados pelo crime da mineradora em Brumadinho. Apesar do projeto do rodoanel não possuir relação direta com o rompimento da barragem em Córrego do Feijão, parte do recurso do acordo, cerca de R$ 3,5 bilhões, serão destinados à obra. O valor dos investimentos iniciais, segundo informações da Seinfra, é RS 4,5 bilhões, sendo que a diferença será investida por parcerias público privadas (PPP).

“Acho que essa retomada é, no mínimo, espúria. Esse dinheiro está sujo de sangue, é um dinheiro que deveria servir para fazer a compensação dos atingidos, o processo de indenização e até mesmo a compensação ambiental, a recuperação do rio. E o pior, é um dinheiro que vem de um crime ambiental muito grande que matou muita gente e vai ser utilizado para um outro dano ambiental”, critica Cristina Oliveira, integrante do movimento SOS Vargem das Flores. 

Para Cristina, o processo de consulta pública está acelerado e desrespeitando a população que será impactada pelo projeto. “Achei um absurdo essa audiência acontecer em um momento de pandemia em que está difícil nos encontrarmos. E fazer audiência virtual para um projeto tão impactante como esse é, no mínimo, desrespeito. No caso de Contagem, a secretaria fez uma chamada errada. Por aí, a gente já vê que a coisa está sendo feita a toque de caixa, com pressa, sem o devido cuidado”, critica.

A coisa está sendo feita a toque de caixa, com pressa, sem o devido cuidado

Apesar do processo conturbado, que levou ao cancelamento da audiência em Contagem, Júlio Grillo da Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promutuca) e do Fórum Permanente do São Francisco, conta que a Seinfra se prontificou em estudar as críticas e propostas realizadas pelas organizações que acompanham a Alça Sul. No entanto, Julio pondera que há um receio generalizado de que o governo não esteja “disposto a atrasar a licitação” da obra e colocar em discussão com a sociedade alternativas para o traçado. 

“Enquanto não refizermos uma boa malha ferroviária, necessitaremos de um novo anel rodoviário. O que desejamos é que a solução de alternativa locacional seja bem discutida com a sociedade, buscando os menores impactos ambientais e sociais”, comenta. 

Mobilidade urbana

Com 27 quilômetros de extensão, o anel rodoviário é uma das principais vias de atravessamento de Belo Horizonte e, há tempos, dá sinais de saturação e esgotamento. Segundo levantamento da Seinfra, no anel trafegam mais de 100 mil veículos por dia e os congestionamentos levam, em média, a 45 minutos de atraso nas viagens. Além disso, o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG) aponta que são mais de 5 mil acidentes por ano, muitos graves ou fatais.

O projeto do rodoanel, portanto, tem como objetivo sanar esse problema. O traçado prevê uma rodovia de 100 quilômetros, com quatro faixas e pedágios que cobrariam R$ 0,35/Km. Conforme o DER/MG, o rodoanel reduziria em mil acidentes por ano e o tempo de viagem seria reduzido entre 30 e 50 minutos, tanto para veículos de carga, quanto na mobilidade urbana.  Além disso, diminuiria o fluxo de caminhões nas regiões marginais e urbanas de Belo Horizonte entre 4 mil e 5 mil veículos comerciais. A previsão é que, nos anos iniciais, o rodoanel tenha o fluxo de mais de 32 mil veículos diários.

Traçado de 100 quilômetros terá pedágios que cobrariam R$ 0,35/Km

“Acredito que a RMBH necessita realmente de um novo anel rodoviário. Mas, pessoalmente, acho que não deveríamos cometer o erro de colocar o seu traçado em áreas já conturbadas, próximas a Belo Horizonte, o que rapidamente o levaria a mesma condição do atual anel rodoviário, cheios de invasões e quebra-molas, comenta Julio Grillo. Para ele, o traçado do anel deveria ser afastado mais alguns quilômetros da capital, o que diminuiria os impactos sociais e ambientais da atual proposta. 

O Comitê Técnico de Mobilidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi procurado para comentar o projeto, mas não respondeu à reportagem. 


Vargem das Flores ameaçada

Em Contagem, a Alça Oeste do traçado do rodoanel passa em Vargem das Flores, região onde fica localizada uma área de proteção ambiental (APA) e um dos três grandes reservatórios que abastecem a Grande BH. Com 500 nascentes, Vargem das Flores chega a abastecer 10% dos municípios localizados ao redor da capital mineira, atendendo a quase 500 mil pessoas.

O receio, segundo Cristina Oliveira, é que, além do desmatamento, o rodoanel pode atrair indústrias para suas margens e induzir, a longo prazo, a instalação de novos bairros, assim como aconteceu no entorno do anel rodoviário. O adensamento populacional e a urbanização são problemas graves já debatidos pela população à época da votação do plano diretor de Contagem, aprovado em 2018.

Em 2018, um estudo, encomendado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) à Fundação Coppetec, apontou que seguindo a tendência de ocupação da Bacia Hidrográfica de Vargem das Flores, o reservatório de Vargem das Flores pode perder seu espelho d’água em 33 anos ou mesmo estar assoreado em 23 anos.

Alça Oeste impactará Vargem das Flores responsável pelo abastecimento de 10% dos municípios ao redor da capital mineira

“O rodoanel, então, pode contribuir muito para o assoreamento da represa, além da movimentação de terra própria da rodovia, tem os novos bairros, mesmo que sejam proibidos, o processo de ocupação em beira de estrada urbana é muito grande, impossível de conter”, analisa Cristina. “O rodoanel é uma obra de interesse metropolitano, isso aí sem dúvida, menos caminhões passando em BH pode ajudar. Mas acontece que a água também é um interesse metropolitano. E nós temos aí dois interesses conflitantes. Vamos ter rodoanel e vamos ficar sem água?”, questiona.

Em nota, a Seinfra informa que o traçado não passa sobre a região da Vargem das Flores e que a “proposta de traçado visou minimizar a quantidade de interferências ambientais, priorizando áreas com baixa densidade populacional, predominantemente rurais e fora de grandes áreas de proteção integral, na tentativa de diminuir ao máximo os impactos sociais e ambientais do projeto”. Além disso, a secretaria afirma que os estudos de impactos ambientais serão realizados durante a fase de licenciamento ambiental que está prevista para iniciar ainda neste ano.


Desmatamento e destruição ambiental

Segundo o levantamento do Blog Lei.A (clique aqui), a região do traçado da Alça Sul, interceptaria a unidade de conservação Monumento Natural da Serra da Calçada, o Parque Estadual da Serra do Rola Moça e grande área de mata atlântica, cerrado e campos rupestres, além de atingir mananciais, regiões com potencial turístico e várias propriedades rurais e condomínios.

Segundo Julio Grillo, entre os principais impactos da Alça Sul na região está a construção de túneis na base das serras, cujo miolo é formado pelos aquíferos Cauê, Gandarela e Moeda, o que pode provocar rebaixamentos de lençol freático, perdas de nascentes e, mais uma vez, impactos diretos ao abastecimento da RMBH. As nascentes da Serra do Rola Moça, por exemplo, segundo informações do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), abastecem toda a região do Barreiro , além de fornecer água para Ibirité, Brumadinho, Casa Branca e outras cidades da RMBH.

O Fórum Permanente do São Francisco realizou um estudo crítico da proposta da Alça Sul e seus impactos sociais e ambientais. O estudo, que envolveu engenheiros, geólogos, hidrogeólogo, economista e outros profissionais, culminou em uma proposta alternativa para a alça, que será mais barata, segura e com um impacto ambiental extremamente inferior. A proposta deve ficar pronta na próxima semana.

Consulta pública 

Alça Norte: liga a BR-381 na saída para Governador Valadares à LMG-806 em Ribeirão das Neves;

Alça Oeste: conecta a LMG-806 à BR-381 na saída para São Paulo. Audiência pública será no dia 22 de março, das 13h30 às 16h30;

Alça Sudoeste: da BR-381, saída para São Paulo, à MG-040 na região próxima de Ibirité;

Alça Sul: liga a MG-040 na região de Ibirité à BR-040, na saída para o Rio de Janeiro. Audiência pública será nesta quinta (11), das 13h30 às 16h30.

O término da consulta pública está estipulado para o dia 22 de março. Após essa fase, a Seinfra afirma que irá analisar as contribuições da população. A previsão é que o edital da licitação seja publicado ainda no primeiro semestre deste ano e o leilão com a assinatura do contrato com a PPP aconteçam ainda no segundo semestre.
Em relação ao tempo do processo de consulta pública, a Seinfra informou em nota que o “Estado visa divulgar o projeto, garantir a transparência no processo e, especialmente, receber contribuições da sociedade sobre o modelo proposto”.  

Uma quinta audiência pública para apresentação geral do projeto ainda será marcada. “Cabe informar que, antes do início do período de consulta pública, a equipe técnica do projeto se reuniu com todas as prefeituras que serão beneficiadas pelo Rodoanel Metropolitano. Várias reuniões também foram feitas com associações e, mesmo após o término da consulta, a Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade permanece aberta ao diálogo com a sociedade”, diz o texto. 

Edição: Elis Almeida