Três anos

Por que o Google pode ajudar resolver o caso Marielle, mas se recusa

Para Ministério Público do Rio de Janeiro, dados de usuários do site são essenciais para indicar o mandante do crime

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Marielle Franco foi assassinada em março de 2018, no Rio de Janeiro, junto com o motorista Anderson Gomes - Mídia Ninja

Desde o dia 27 de julho de 2018, o Google Brasil se nega a entregar informações de seus usuários ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e à Polícia Civil, no âmbito das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

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O MP-RJ e a Polícia Civil conseguiram, na Justiça, o direito de ter acesso à lista de IPs e Device IDs de pessoas que pesquisaram, entre os dias 7 e 14 de março de 2018 – data do crime –, as expressões "Marielle Franco", "Agenda vereadora Marielle", "Vereadora Marielle", "Casa das Pretas" e "Rua dos Inválidos".

Outra informação que a Justiça obrigou o Google a fornecer são os dados de geolocalização de usuários que estavam próximos ao local onde o carro usado por Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de serem os executores do assassinato, foi visto pela última vez, em 2 de dezembro de 2018.

Os investigadores são enfáticos que as informações, se fornecidas pelo Google, poderão cooperar para elucidar o caso e encontrar o mentor intelectual do atentado que vitimou a vereadora e seu motorista.

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"Não iríamos fazer nenhum pedido que não fosse respaldado em lei", afirmou Orlando Neves Belém, procurador do estado do Rio de Janeiro, ao site G1, em 26 de agosto de 2020, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou, por 8 votos a 1, o último dos três recursos do Google e determinou a entrega das informações à investigação.

"Temos empenhado esforços em obter todos os elementos para alcançar os mandantes, para poder conseguir chegar aos mandantes. Temos a definição dos executores, mas precisamos continuar. Isso é possível e o reitor ou o juiz não pode ser a Google, que não pode se opor às ordens", completou o procurador.

Em seu voto, o ministro do STJ Rogério Schietti, relator do processo, lamentou que o Google se recuse a cooperar. "Essas mesmas estruturas tecnológicas que nos invadem com fornecimento de nossos dados para empresas, fornecerem serviços de venda de produtos. Essas mesmas empresas que deveriam se preocupar com nossa invasão de privacidade, agora se colocam de maneira ferrenha contra uma simples investigação de dois assassinatos."

Após a decisão, o Google apresentou um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a privacidade de seus usuários seja mantida. O MP-RJ apresentou, então, um requerimento ao STJ, solicitando que a empresa pague uma multa diária de R$ 100 mil, até o limite de R$ 5 milhões, pelo atraso no envio dos dados.

Em nota enviada ao Brasil de Fato, o Google afirma que ao recorrer da decisão, "reforça sua preocupação sobre o grave risco à privacidade dos brasileiros decorrente de ordens de quebra de sigilo genéricas e não individualizadas, direcionadas a usuários que não são suspeitos ou mesmo investigados."

A empresa também ressalta "seu respeito pelas autoridades brasileiras e seu compromisso em colaborar em investigações, nos limites da lei. Por isso mesmo, não poderia deixar de submeter ao Supremo Tribunal Federal à apreciação do que entende ser uma violação aos direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados pessoais, bem como ao devido processo legal."

"Decisão perigosa e equivocada"

Para o sociólogo Sérgio Amadeu, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo e autor do livro "Exclusão Digital: A miséria na era da informação", há o perigo, na decisão judicial, de que pessoas que não possuem relação alguma com o caso, vítimas ou suspeitos, passem a fazer parte da investigação.

"A ordem judicial é perigosa e equivocada, ela deveria focar melhor, até para contribuir mais com as investigações. O direito das pessoas não é muito preservado, principalmente em investigações policiais e coisas que facilitariam a vida do Ministério Público", explica Amadeu, que é professor da Universidade Federal do ABC, em Santo André, no estado de São Paulo.

"Por outro lado, não podemos aceitar que a investigação possa comprometer uma série de pessoas, absolutamente sem nada que ver com o caso, e que passam a entrar num rol de suspeitos."

Ainda de acordo com o sociólogo, "a ordem genérica, como 'todo mundo na região que acessou o celular', é extremamente grave, é extremamente perigoso, por vários motivos, inclusive políticos. Nós estamos vendo como age o Bolsonaro e como seria o Bolsonaro com recursos desse tipo. Por outro lado, uma ordem judicial deve ser respeitada."

Morto em 9 de fevereiro de 2020, o miliciano Adriano da Nóbrega é um dos investigados pelo MP-RJ e Polícia Civil. Com o corpo do ex-capitão do Bope, foram encontrados 13 celulares, que já foram periciados pelo Instituto Carlos Éboli (ICCE). Para Amadeu, esse conteúdo pode ser mais importante que os dados dos usuários do Google.

"Na verdade, eles têm o quadro efetivamente de quem praticou o crime, eles têm a milícia do Rio de Janeiro, eles têm pessoas presas. Por quê não partem desse ponto? Eles têm o celular do Adriano da Nóbrega. O que aconteceu com esse celular? Qual o conteúdo dele? Queremos essas informações e eles não dão nenhuma notícia sobre isso", pontua Amadeu.

Edição: Poliana Dallabrida