Minas Gerais

BELO HORIZONTE

Agentes Comunitários de Saúde e Combate a Endemias: fundamentais no combate à covid

Aproveitamento dos agentes na pandemia varia entre os municípios, mas não conta com coordenação nacional ou estadual

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

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Agente Comunitário de Saúde passa de casa em casa e identifica pessoas com sintomas de doenças  - Créditos da foto: Reprodução

No Sistema Único de Saúde (SUS), existem profissionais que vão até onde as pessoas vivem, conhecem de perto a realidade da população, levantam informações, orientam com uma linguagem simples e que todo mundo entende. São os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate a Endemias (ACE).

Na pandemia do novo coronavírus, esses trabalhadores têm muito a contribuir no desafio de salvar vidas, como tem ocorrido no município de Belo Horizonte. Porém, eles esbarram na falta de uma política nacional articulada, nos riscos à sua própria saúde e na desvalorização da carreira. 

Visão do ambiente e linguagem simples são vantagens 

O Agente Comunitário de Endemias (ACE) faz o controle de zoonoses, transmitidas por animais como o mosquito da dengue, escorpiões, ratos, baratas e outros. O Agente Comunitário de Saúde (ACS) passa de casa em casa, identifica pessoas com sinais ou sintomas de doenças, conversa com as famílias e, se preciso for, encaminha para a unidade de saúde. Ele é a ponte entre os usuários do sistema e as equipes de saúde da família. 

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“Além de fazer o cadastro das famílias, mantendo o setor censitário das unidades saúde, ele [o ACS] também colhe informações para levar para as equipes de saúde da família, porque tem um olhar voltado para o ambiente daquela família, como ela vive", explica Lucimar Rodrigues, ACS e diretora do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de Belo Horizonte (Sindibel).

"Às vezes, quando o usuário vai à unidade de saúde, ele traz a demanda momentânea. Mas, quando o Agente Comunitário de Saúde vai à casa dele, identifica muito mais porque ele tem uma comorbidade do que o médico ou enfermeiro que está ali no consultório e não tem uma visão do ambiente onde está o usuário”, conclui.

Agente Comunitário de Endemias faz o controle de doenças transmitidas por animais

Explicações sobre medidas de prevenção, como reconhecimento dos sintomas, uso de máscara, higiene das mãos e objetos, evitar aglomerações e manter distanciamento são algo constante no diálogo com a população. Embora o ACE trabalhe no controle das zoonoses, ele também contribui, orientando as pessoas e identificando casos suspeitos de Covid.

A Lei federal 13.595/2018 diz que é obrigatória a presença de ACS nas estruturas de atenção básica e de ACE nas estruturas de vigilância epidemiológica e ambiental. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, atualmente, o município conta com 3.827 ACSs e ACEs. Além disso, desde janeiro de 2020 até o momento, 249 profissionais se aposentaram. 

Na pandemia do novo coronavírus, em Belo Horizonte, 465 agentes que têm alguma comorbidade ou fator de risco da covid-19 foram afastados das ruas, por força de uma decisão liminar do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região, atendendo a pedido do Sindibel.

Aqueles que continuam fazendo visitas não entram nas casas e não colhem assinaturas, a fim de evitar a propagação do vírus. Porém, o trabalho de orientação, monitoramento e prevenção só aumentou. A presença na comunidade, então, é uma vantagem na crise sanitária. 

Enquanto o serviço aumenta, com colegas afastados e a demanda crescente da pandemia, os salários seguem defasados

De acordo com a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG, Alaneir de Fátima dos Santos, o aproveitamento desses profissionais na pandemia é desigual, varia entre os municípios e não conta com uma coordenação integrada, nacional ou estadual. Belo Horizonte, por sua vez, ocupa um lugar positivo nesse contexto.

“BH é um município em que a presença dos agentes comunitários no controle da pandemia tem sido muito relevante e muito importante, de maneira articulada com a equipe de saúde da família e com a equipe do NASF [Núcleo Ampliado de Saúde da Família]. Mas, tanto no nível estadual quanto no nível federal, não temos iniciativas fortes de indução do potencial desses profissionais".

"Nós temos uma ausência do Ministério da Saúde neste momento, tivemos um general que não entende o que é a área de saúde nem sua estrutura e, portanto, também não consegue perceber o que seria o potencial dos agentes comunitários no enfrentamento da pandemia”, critica a estudiosa, fazendo referência ao general Eduardo Pazuello, cuja saída da pasta foi confirmada na segunda-feira (15).

Obstáculos enfrentados

Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2017, havia no país aproximadamente 269 mil ACS, presentes em 98% dos municípios. Naquele ano, a política de atenção básica sofreu uma reformulação nacional, por meio da portaria 2436/2017. A definição do número de agentes comunitários que cada equipe de saúde da família deveria conter ficou a cargo dos municípios. Nos dois anos seguintes, houve uma redução de mais de 30 mil ACS no Brasil. 

Além da diminuição do quadro profissional, que gera sobrecarga de trabalho, existe o risco de contaminação dos agentes, que estão permanentemente expostos no trabalho das ruas. A reportagem conversou com alguns trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte, que não quiseram se identificar. Eles relatam que o poder público tem fornecido duas máscaras por dia e álcool em gel para o trabalho e que também receberam a primeira dose da vacina. Por outro lado, reclamam da falta de testes. Segundo os relatos, nenhum deles foi testado sequer uma vez. 

O Sindibel lembra que, em março de 2020, foi necessário ajuizar uma ação civil pública para obrigar o município a fornecer equipamentos de proteção individual à categoria. Recentemente, em janeiro de 2021, o Juiz da 11ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte determinou que o município continue fornecendo álcool e máscara em quantidade necessária para o desempenho das atividades. 

Aproveitamento dos agentes na pandemia varia entre os municípios e não conta com coordenação integrada, nacional ou estadual

Outro problema, segundo os trabalhadores, é que, enquanto o serviço aumenta, com colegas afastados e a demanda crescente da pandemia, os salários seguem defasados. Uma Agente Comunitária de Saúde que ingressou recentemente na PBH mostrou o contracheque, no qual consta um rendimento de um pouco mais de R$ 1.400. Outra trabalhadora, com 13 anos de casa, recebe, em salário, apenas R$ 1.660. Somando outros direitos, como quinquênio e adicional de insalubridade, o vencimento chega a R$ 2.212.

“Muita gente querendo sair e pouquíssima gente querendo entrar porque o salário é muito baixo. A gente fica muito exposto ao sol, à criminalidade, dentre outras coisas”, pontua Lucimar Rodrigues.

Em março de 2020, foi aprovada em Belo Horizonte uma recomposição das perdas inflacionárias dos servidores (Lei municipal 11.224) em 3,78%, retroativa a 2019, e 3,30%, a partir de dezembro de 2020. Contudo, nesse biênio, o aumento do custo de vida foi maior que o reajuste da PBH.

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Em 2019, a inflação em Belo Horizonte, medida pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG), fechou o ano em 5,23%. A inflação de BH em 2020 foi de 5,03%. Além das perdas salariais acumuladas, a contribuição previdenciária que os agentes pagam subiu de 11% para 14% de seus rendimentos, fruto de uma reforma aprovada no mês de dezembro (Lei municipal 11.279) que também afetou os demais servidores. 

No fim do ano passado, o piso salarial nacional das duas categorias, ou seja, o menor valor que os agentes podem receber no país, foi reajustado, passando de R$ 1.400 para R$ 1.550. Segundo a legislação municipal sobre o plano de carreira dos agentes (Lei 11.136/2018), quando o piso nacional aumenta, a Prefeitura deve encaminhar um projeto de lei adequando os vencimentos no município.

Em reunião com o sindicato, no mês de janeiro, representantes da Prefeitura se comprometeram com o envio do projeto à Câmara Municipal até o fim de fevereiro

Posição da Prefeitura

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) afirma que reconhece o papel dos ACE e ACS. Segundo a Secretaria, os agentes foram orientados acerca das formas seguras de fazer visitas e vistorias nos imóveis, a fim de evitar possível infecção por covid-19. Eles também participaram da distribuição de material informativo e máscaras para a população de áreas vulneráveis. 

Sobre vacinação, a Secretaria informa que os agentes receberam a primeira dose da vacina AstraZeneca. A segunda dose deve ser administrada em um prazo de três meses. 

Com relação à testagem, a Secretaria relata que foi implantado um serviço específico para testar profissionais de saúde, incluindo os ACSs e ACEs, e que, até o momento, foram realizados quase 900 mil exames para detecção da covid-19. Um laboratório próprio foi aberto para a realização de exames. Os critérios para testagem estão descritos na Nota Técnica 030/2020 (disponível aqui]).

Sobre a questão salarial, de acordo com a PBH, um projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal na sexta-feira (12). Até o fechamento da reportagem, as informações sobre o PL ainda não estavan disponíveis no portal da Câmara Municipal. 

Edição: Elis Almeida