Minas Gerais

RESISTÊNCIA

Artigo | É urgente, pelo bem do Brasil, desgastar, isolar e derrotar o bolsonarismo

Precisamos defender a educação, desenvolver campanhas de solidariedade e lutar pela vacinação e pelo auxílio emergencial

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Na foto, ato pró Bolsonaro em setembro de 2018, São Paulo - Foto: Pablo Albarenga / Mídia NINJA

Há uma potência de mudança guardada entre nós mulheres que precisa ser cultivada. A história nos mostra como mulheres organizadas são uma força fundamental para provocar avanços sociais e conquista de direitos. Direitos, como o acesso ao ensino superior, que estão sendo arrancados devido à profunda crise do sistema capitalista-racista-patriarcal que nos assola.

Ainda no século 20, Simone Beauvoir já alertava que, diante de uma crise econômica, social ou religiosa, os direitos das mulheres são questionados. A atual crise econômica em que vivemos, juntamente com a pandemia, gerou um aprofundamento da desigualdade social e aumento da precarização do trabalho. De acordo com o estudo CoronaChoque e Patriarcado, realizado pelo instituto Tricontinental, ainda neste ano 47 milhões de mulheres e meninas serão levadas à pobreza extrema e o número total de pessoas nessa situação chegará a 435 milhões em todo o mundo.

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A pandemia expõe a necessidade de retomar e ampliar pautas importantes que nós, feministas, viemos debatendo há bastante tempo. Uma delas é a divisão sexual do trabalho, que sobrecarrega mulheres por serem as principais responsáveis pelo serviço doméstico e de cuidados. Além de todo trampo que já desempenhávamos para a manutenção do lar e cuidado com a família, o isolamento social aumentou essa demanda.

A pesquisa Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, feita pela Sempre Viva Organização Feminista (SOF) e pela Gênero e Número, aponta que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. Dessas, 52% são negras e 72% afirmam que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia.

Como o desemprego em 14%, muitas e muitos jovens estão sem perspectivas de se formarem na faculdade

O mesmo estudo da SOF mostra que 40% das mulheres participantes, sendo a maior parte negras, afirmam que a pandemia trouxe insegurança em relação ao sustento da casa, principalmente considerando o pagamento do aluguel e das contas básicas. Outro dado que chama atenção é que 58% das mulheres negras estão desempregadas. Devido ao racismo estrutural, historicamente a população negra ocupa menos postos de emprego. Percebemos então, que a pandemia também aprofundou a desigualdade racial que tanto serve ao capitalismo.

Com mais tarefas no lar e menos condições de subsistência, as mulheres que são maioria no ensino superior estão com mais empecilhos para permanecerem na universidade. O Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP), diz que apenas no primeiro semestre de 2020, 608 mil estudantes evadiram de seus cursos.

Só em Minas Gerais, já são quatro universidades sob intervenção do governo Bolsonaro

Com a redução do principal programa de financiamento estudantil, o FIES, nos últimos anos mais estudantes têm a obrigação de trabalhar para pagar pelos seus estudos. Como a taxa de desemprego está batendo o recorde de 14%, muitas e muitos jovens estão sem perspectivas de se formarem na faculdade.

Apesar da maior parte das matrículas do ensino superior estarem no setor privado, é importante ressaltar que educação não é mercadoria. Queremos que todas as pessoas tenham a oportunidade de estudarem em universidades públicas, onde se têm qualidade no ensino e na produção científica. Por isso lutamos para serem ampliadas.

A crise não está próxima de acabar, mas isso não significa que devemos deixar de lutar

Por serem estratégicas para o desenvolvimento do país, as instituições de ensino superior públicas são um forte alvo de ataques do governo Bolsonaro. É recorrente a intervenção nas reitorias. O governo nomeia para o cargo de reitor aquele candidato que não foi o mais votado, mas é alinhado ideologicamente com o governo, seguindo a linha neofascista e neoliberal.

Só em Minas Gerais, já são quatro universidades sob intervenção (UFLA, UFTM, UFVJM e UNIFEI) e estima-se que em todo o país há um total de 21 universidades nessa situação, nas cinco regiões.

Novamente, estamos enfrentando mais corte de verbas da educação. O governo está propondo reduzir 17,5% dos recursos para custeio das universidades e institutos federais, 18% do Programa Nacional de Assistência Estudantil e 7,5% do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Além desses cortes, no Projeto de Lei Orçamentária 2021, há recursos que estão condicionados a uma nova aprovação do legislativo.

Tais propostas ameaçam a manutenção das universidades, além de gerar impacto diretamente nas e nos estudantes de baixa renda que terão menos acesso a programas de permanência estudantil.

Apesar de trazermos em nós as marcas da exploração e subordinação, carregamos toda potencialidade para construir a libertação

As universidades brasileiras têm um papel fundamental no combate à pandemia. Estão desenvolvendo pesquisas sobre a vacina, produzem equipamentos de proteção e atendem a população nos hospitais universitários. Por isso, deveriam receber mais investimento e respeito pela autonomia universitária. Ao contrário disso, o governo Bolsonaro está comprometido com fake news, desinformação e obscurantismo. Enfraquecer a nossa produção científica reduz nossas possibilidades de desenvolvimento e soberania.

A crise não está próxima de acabar, mas isso não significa que devemos deixar de lutar. Contrapondo o obscurantismo, podemos recorrer ao pensamento de Lélia Gonzales para iluminar nossos caminhos. Essa pensadora brasileira fundamental para entender nosso país, coloca que, apesar de trazermos em nós as marcas da exploração e subordinação, carregamos toda potencialidade para construir a libertação de todas e todos. Mas, para isso, devemos nos organizar.

É urgente, pelo bem do Brasil, desgastar, isolar e derrotar o bolsonarismo. E nesse sentido, nós mulheres estudantes temos muito a contribuir. Primeiramente, construindo as lutas pela educação, pois essa bandeira tem ampla capacidade de diálogo com a sociedade e é central para a juventude. Também é importante desenvolver campanhas de solidariedade, buscando caminhos para o povo passar por esse momento de forma mais digna e propiciando a organização popular.

Nós, mulheres, somos responsáveis pela manutenção da vida e não aceitamos pagar a conta da crise

O auxílio emergencial e a vacinação são pautas relevantes, às quais também devemos nos dedicar. O auxílio é importante para combater a miséria e a fome. Já a vacina, é o que vai nos permitir superar o coronavírus e o retorno seguro às aulas e demais atividades.

Para colocar fim ao projeto político de Bolsonaro, o qual se opõe ao desenvolvimento do Brasil, precisamos de muitas mãos. Devemos construir unidade de ação entre movimentos feministas, sociais, estudantis e demais organizações para que no seio dessa articulação seja formulado e debatido amplamente com a sociedade um projeto de país voltado para a felicidade da nação, para o bem viver, para o desenvolvimento e para a soberania nacional. Em que todas e todos possam se alimentar, trabalhar, estudar, morar e ter lazer com dignidade.

Nós, mulheres, somos responsáveis pela manutenção da vida e não aceitamos pagar a conta da crise. Exigimos o impeachment desse governo que nunca demostrou o menor compromisso por esta nação e nos colocamos no front para a construção de um projeto popular, feminista e antirracista para o Brasil.

Paulinha Silva é estudante da Universidade do Estado de Minas Gerais e compõe a Diretoria de Mulheres da UNE.

Edição: Elis Almeida