Minas Gerais

FILA PARA CTI

Artigo | O dilema de Kalil: a vida ou a política

BH é, até o momento, uma referência no combate à pandemia, mas o prefeito começou a errar feio há sete dias

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Dado da terça-feira (23): 190 pessoas sofriam na fila à espera de vagas de CTI - Créditos da foto: Odair Leal/Secom

O silêncio de Alexandre Kalil é angustiante. O sistema de saúde do país está em colapso, não apenas em Belo Horizonte. Certamente, o principal responsável é Jair Bolsonaro, pela negligência e incompetência, que começou com a “gripezinha” e a ilusória salvação da cloroquina, passou pela campanha contra as medidas de isolamento social e se manifesta de forma evidente pelos equívocos técnicos e geopolíticos na condução das compras das vacinas, que colocaram o Brasil no 2º plano das empresas e países produtores de imunizantes.

Se não fosse a “vachina” do Butantã e da China, ridicularizada por Bolsonaro e seus apoiadores, estaríamos em situação ainda mais grave. Seu fiel escudeiro, Romeu Zema, também traz na bagagem diversos erros, como o “deixe o vírus viajar” e o elefante branco do hospital de campanha, no Expominas, fechado no momento em que mais precisamos dele. Kalil, o secretário municipal de saúde, Jackson Machado, e seu Comitê de Enfrentamento à Pandemia acertaram muito na condução. Somos, até o momento, uma referência para o mundo. Mas, começaram a errar feio há sete dias. E no momento em que mais precisavam acertar.

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Desde a última semana, BH tem filas para CTIs. Na prática, isso significa que as pessoas com quadros graves serão atendidas de forma mais precária e, portanto, com maiores chances de morte. Onde estão essas pessoas da fila? Nas UPAs, a maioria. E sofrendo, sob cuidados improvisados de equipes dedicadas, mas sem todos os equipamentos, espaços físicos e expertise em terapia intensiva.

Kalil tem compromisso com a vida – já o demonstrou em 12 meses de pandemia. Mas, está pressionado pela política. A extrema direita bolsonarista em BH, liderada pelo partido Novo e por parte da bancada fundamentalista, rompeu com Kalil, que já não tem maioria garantida na Câmara de Vereadores. Nas ruas, os negacionistas endinheirados saem em carreatas com seus carros de luxo, buzinam em frente ao prédio de Kalil, criticam as restrições ao comércio e furam a fila traficando vacinas. E o povo sofre nas UPAs, nas filas. Os profissionais de saúde se desesperam, sem conseguir cuidar das pessoas, exaustos e desvalorizados. Kalil está pressionado pela política e pela próxima eleição que se aproxima.

Para piorar, desde a última quinta-feira (26), a PBH censura os dados sobre a fila de espera por leitos de CTIs. Desde o colapso, informou apenas a fila na terça-feira, dia 23, (164 pessoas) quando Jackson justificou sua ausência na Câmara de Vereadores. Carlos Starling, um infectologista impecável e membro do Comitê de Enfrentamento, compartilhou o dado da quarta-feira (24): 190 pessoas sofriam na fila à espera de vagas de CTI. Relembro que, sem diminuir o drama das pessoas e seus familiares, os números são mais catastróficos em Minas Gerais, com as 714 pessoas na fila, e no Brasil, com 6.370, segundo dados do boletim de quinta-feira.

Kalil, compreendemos seu dilema. Mas, a população de Belo Horizonte e nós, usuários, trabalhadores e gestores do SUS, imploramos: a única solução é o lockdown, o apoio emergencial para pessoas mais pobres se alimentarem e um plano de catástrofes para o SUS-BH. Zema, reabra o hospital de campanha, isente as pessoas das contas de água e luz. E utilize os R$ 35 bilhões que a Vale repassou ao estado em indenização pelo crime de Brumadinho para comprar vacinas e criar um auxílio emergencial estadual - não é justo as contas do estado acumularem recursos e o povo mineiro ficar na miséria. Pedimos socorro.

Kalil, faça a opção pela vida. Estaremos juntos nessa guerra, se a vida for a sua escolha.

Bruno Pedralva é médico de família e comunidade do SUS-BH, secretário geral do CMSBH e diretor do Sindibel.

Edição: Larissa Costa