Pernambuco

ECONOMIA

Entenda como um engarrafamento naval em Suez pode afetar o custo de vida da população

Aproximadamente 15% dos navios que circulam diariamente no canal de transporte internacional carregam petróleo

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O gigantesco navio provocou um engarrafamento em ambos os lados do Canal de Suez, que impactou no movimento do comércio mundial - Maxar Technologies/AFP

Caro leitor e cara leitora, não se espante se, nas próximas semanas os preços dos combustíveis e da cesta básica sofrerem novos reajustes; nem se impacte se as causas desse tal reajuste venham exportadas do Egito. Uma coisa é certa: um engarrafamento marítimo pode impactar diretamente a sua renda familiar.

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Na última semana o mundo inteiro voltou sua atenção para o navio porta-contêineres Ever Given, operado pela Evergreen Marine Corp. (empresa sediada em Taiwan). A embarcação, que mede cerca de 400 m² e pesa aproximadamente 200 mil toneladas, encalhou na última terça-feira (26) no canal artificial de Suez, no Egito. O trajeto é uma rota estratégica para o comercio mundial. Com 193 km de extensão, o percurso liga o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo, encurtando consideravelmente o transporte de mercadorias entre a Ásia e a Europa (e vice-versa).

O navio encalhado bloqueou completamente o canal por quase uma semana, gerando um engarrafamento de 350 naus que aguardavam a liberação do percurso. Estima-se que 12% do transporte de mercadorias globais passe pelo canal de Suez. Sem a passagem, U$ 9,6 bi (o equivalente a R$ 55 bilhões) em mercadorias ficaram retidos no porto, lançando às tripulações uma dura escolha: aguardar a liberação da via, ou percorrer 10 mil km a mais contornando a costa da África (o que acarretaria maiores gastos e riscos). Ambas as opções trariam prejuízos inimagináveis.

Somente nesta segunda-feira (29) é que o navio Ever Given voltou a flutuar e o bloqueio foi desfeito. Mas a esta altura, você deve estar se perguntando: “Ok, mas e daí? Como isso impacta na minha vida?”. Pois bem…

Aproximadamente 15% dos navios que circulam diariamente no mais importante canal de transporte internacional carregam petróleo e derivados. Um dia após o acidente no Egito, o preço do barril teve aumento de 6%, chegando a U$ 61,18, o que pode ter um impacto direto ao consumidor brasileiro.

Desde 2016, o então presidente da Petrobrás Pedro Parente (ainda durante o Governo Temer) optou por adotar o chamado PPI – a política de Paridade de Preço de Importação, que atrela o preço dos combustíveis ao barril de petróleo internacional, à variação do dólar, além de incluir as taxas portuárias e de importação de empresas estrangeiras. Tais medidas, deixaram o mercado de combustíveis brasileiros à mercê do capital financeiro (beneficiando única e exclusivamente aos acionistas minoritários da companhia) e fizeram com que a flutuação dos preços fosse repassada quase que imediatamente para a bomba.

Foi essa política de preços que levou à Greve dos Caminhoneiros de 2018, culminando em uma greve dos petroleiros e na deposição de Pedro Parente do comando da estatal. No entanto, a política de PPI foi mantida pelo Governo Bolsonaro e pelo agora ex-presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco (derrubado em fevereiro de 2021).

Só este ano, os combustíveis sofreram seis reajustes. Com alta de 35% no valor da gasolina e 28% no diesel, os impactos do PPI ganham desdobramentos com requintes de crueldade, atingindo diretamente a cesta básica dos brasileiros, que ficou mais cara graças ao modal de transporte interno de mercadorias no país (onde 90% se dá por meio de rodovias) – Só na capital pernambucana, a cesta básica ficou, em média, 19,2% mais cara só em 2020, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

No início de fevereiro deste ano, após duras críticas à sua política econômica e uma série de protestos de trabalhadores e trabalhadoras dentro do Sistema Petrobrás em todo o país, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a demissão de Roberto Castello Branco e a indicou o general Joaquim Silva e Luna para assumir o posto, sem, contudo, apresentar nenhuma proposta de revisão ou alteração na política de preços empreendida pela estatal – vestindo assim, a carapuça de populista, à total revelia dos interesses da população brasileira (que continua sofrendo com os impactos do PPI).

Com o bloqueio do canal de Suez, um novo aumento nos preços de combustíveis (e consequentemente dos alimentos) já começa a se desenhar na linha do horizonte, expondo a irresponsabilidade que é atrelar os preços dos combustíveis de um país autossuficiente em petróleo ao mercado financeiro. “Considerando a estrutura produtiva do petróleo, a Petrobras poderia utilizar instrumentos para atenuar essas oscilações, diminuindo o impacto deletério sobre o consumidor final”, escreveram os pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (Ineep), William Nozaki e Rodrigo Leão, em um artigo publicado pelo site da Folha de São Paulo, em fevereiro deste ano.

“A Petrobras apresenta condições favoráveis para ter uma política de preços mais flexível”, continuam os pesquisadores, “o petróleo produzido pela estatal abastece mais de 90% das suas refinarias, cuja produção pode atender quase a totalidade do consumo interno. Isso torna o país pouquíssimo dependente de importações”. Na avaliação de ambos os cientistas, a empresa poderia utilizar sua estrutura produtiva para suavizar os impactos ao consumidor final, evitando “um repasse tão frequente e tão próximo das cotações externas”. O controle estatal dos preços dos combustíveis, poderia também reduzir o custo de vida da população, além de garantir maior controle sobre a inflação no país.

Segundo William Nozaki e Rodrigo Leão, “em países como a Dinamarca, onde a produção de petróleo atende quase que integralmente o seu consumo, as cotações internacionais são um referencial importante. Mas o país nórdico usa sua empresa estatal (Energinet.dk) e outros instrumentos fiscais para atenuar os impactos das oscilações do preço internacional”.

À luz de experiências obtidas em outros países com produção estatal de petróleo e derivados, Rodrigo Leão e Eduardo Costa Pinto publicaram, na edição 144 da revista Le Monde Diplomatique Brasil (em julho de 2019), o artigo “Alternativas à paridade do preço internacional”, onde apresentam alguns ”mecanismos para atenuar oscilações a curto prazo”, escrevem. Entre as várias possibilidades de controle da variação de preços, destacam-se: 1º o estabelecimento de bandas de preços; 2º a variação do preço do refino associada ao custo de oportunidade da Petrobras.

Especialistas também apontam outras possibilidades para a melhor gestão dos preços de combustíveis que garantiriam lucratividade para a empresa, como a criação de uma média móvel dos preços, onde os reajustes seriam repassados ao consumidor apenas uma vez ao ano com base na flutuação média do barril e dos derivados, ou mesmo a criação de um fundo estabilizador – abastecido com recursos dos royalties do petróleo, de modo a trazer maior segurança em tempos de maior flutuação nas cotações do barril.

 Alternativas que possam reverter o atual cenário brasileiro não faltam, desde que haja vontade política para empreende-las. Mas uma coisa é certa, continuar submetendo a população brasileira às crises do capital financeiro não dá.