Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Nós, a turma dos direitos humanos

"Um arco-íris de eugenia e no final, invés de pote de ouro, a rainha Xuxa e sua parceira de pensamento Janaina Paschoal"

Porto Alegre | BdF RS |
As declarações de Xuxa e de Janaina Paschoal trazem propostas evidentes de violação da vida humana - Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA

Na última semana circularam nas redes sociais as declarações de Xuxa e de Janaina Paschoal. Xuxa defendendo que a realização de testes da indústria farmacêutica – cosméticos e medicamentos – usualmente utilizando animais como cobaias, passem a ser aplicados em presidiários. Janaina, por sua vez, referindo-se à situação dos hospitais em função da pandemia do coronavírus, afirmou que é necessário se preocupar com todas as vidas, mas em especial com a vida daqueles que viveram menos.

Assim, a jurista ao sugerir que se estabeleçam regras claras para priorização dos recursos disponíveis – leitos, respiradores – insinua que pessoas idosas podem ficar sem atendimento, pois já viveram demais.

No caso da comunicadora, que durante muitas décadas foi idolatrada pelas crianças brasileiras, a sugestão de utilizar seres humanos para testes é criminosa, pois, conforme o Artigo 5º da Declaração Universal de Direitos Humanos: “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

Essas duas falas trazem propostas evidentes de violação da vida humana. E antes que se refiram a nós como “lá vem aquela gente dos direitos humanos”, queremos lembrar um pouco de história.

No século XIX, mulheres negras foram desumanizadas e violadas de todas as formas possíveis, em nome de experimentos que fizeram parte do desenvolvimento da ginecologia ocidental. Temos a história de crueldade com Anarcha, utilizada como cobaia pelo médico James Marion Sims que a submeteu a 30 procedimentos cirúrgicos sem anestesia. Nada diferente dos dados de 2017, apontados pela Fiocruz, que demonstram a visão equivocada e cruel de que mulheres negras suportam maiores dores. Essa visão continua sendo adotada nos dias atuais, uma vez que esse relatório sinaliza para a probabilidade de uma mulher negra não receber anestesia ao passar por uma episiotomia[1] durante o parto é duas vezes maior que de uma mulher branca.

No século XX, o nazismo fez testes em crianças, mulheres negras, judias, ciganas e lésbicas para descobrir como tratar certas doenças. Os médicos nazistas inoculavam vírus nas cobaias humanas para testar medicamentos, dentre tantos atos criminosos. O extermínio de pessoas idosas, deficientes mentais e físicas também foi usado dentro das estratégias nazistas. E experimentos nazistas são apenas um exemplo.

Nos dias de hoje, vemos Xuxa defender os animais em agravo aos humanos. Declarando-se vegana, desconsidera os avanços que algumas empresas vêm fazendo e, em nome da garantia dos direitos dos animais, propõe humanos como cobaias. O termo cruelty free – crueldade livre – já vem sendo utilizado por empresas sérias que investem pesado em tecnologia.

O discurso de Xuxa só comprova o quanto a elite branca não vê como seres humanos nenhum outro grupo étnico ou social considerado “inferior”.  Na verdade, na medida em que estabelece uma hierarquia entre os seres humanos e entre esses e os animais, não está defendendo os animais, mas apoiando uma sociedade predadora, cruel e orientada apenas pelo lucro.

Enquanto Janaina parece viver no “País das Maravilhas de Alice”, com as leis malucas da Rainha de Copas, criadas a partir dela mesma e onde, em situações que não condizem com seu desejo da hora, vem a ordem para “cortar as cabeças”. 

No Brasil, se fez necessário a criação do “Estatuto do Idoso/a”, buscando reforçar as leis em sua proteção, uma vez que o abandono e maus tratos desta parcela da população são recorrentes. No entanto, percebemos que as falas como a de Janaina vêm para fomentar o ódio aos idosos/as, já negligenciados/as. A doutora – lembremos que além de jurista, é professora e ocupa cargo no Legislativo – entende que essa população tem menos direitos, o que de fato é inconstitucional. Dela não esperávamos mais constitucionalidade, mas o que não esperávamos era o seu total desprezo à vida humana.

Manifestações como essas, de pessoas irresponsáveis e influentes, só reforçam o processo de desumanização da sociedade brasileira. Tentam justificar o que está posto e em expansão: a crescente perda de solidariedade e o aumento da violência da sociedade, em todas as classes sociais. A superficialidade com que os problemas são difundidos pela grande imprensa, a parcialidade das instituições republicanas e a ambição desenfreada dos donos do capital, propiciam a ausência de reflexão e a defesa de soluções fáceis baseadas em preconceitos. São os fundamentos do genocídio.

Ana Alonso - professora e feminista

Clarisse Chiapinni - 8M/GIM

Denise Laitano - Col. Feminista Outras Amélias/Mulheres de Resistência e Luta


[1] Episiotomia é uma incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto. Seu uso se justifica em alguns casos, como necessidade de parto instrumentalizado, sofrimento fetal, acesso para fletir a cabeça do bebê.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Edição: Katia Marko