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CORONAVÍRUS

“Reabrir BH com fila de pessoas para acessar CTI é um absurdo”, analisa médico

Fila para CTIs em Belo Horizonte chegou a 224 pacientes. Após melhora, começa pressão pela reabertura da cidade

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

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Para Bruno Pedralva, a reabertura não deveria acontecer enquanto a ocupação dos leitos de CTI for tão alta e a porcentagem de vacinação tão baixa - Créditos da foto: Reprodução/Facebook

Os hospitais de Belo Horizonte passaram, nas últimas três semanas, pelos momentos mais dramáticos da pandemia de covid-19. A cidade chegou a contabilizar 224 pacientes esperando por um leito de CTI. Situação que levou os profissionais de saúde das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) a usarem o que fosse possível para salvar vidas de pessoas infectadas pelo coronavírus e demais pacientes.

Bruno Pedralva, que é médico da família e diretor do Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), nos relatou a angústia. “Os profissionais de saúde passaram cenas de horror. Nós tivemos pacientes que faleceram na fila esperando 5, 7 e até 10 dias por um leito de CTI”, relembra.

Após a última imposição municipal de lockdown, a capital mineira sente uma diminuição da taxa de transmissão, e começam as pressões para a reabertura do comércio. A opinião do médico é que, definitivamente, os hospitais não podem passar por mais um cenário de “guerra”.

“Reabrir a cidade com fila de pessoas para acessar CTI é um absurdo. Os dados que nós temos é que segunda-feira [12 de abril] nós ainda tínhamos 44 pessoas na fila”, argumenta. Na sua avaliação, a reabertura não deveria acontecer enquanto a ocupação dos leitos de CTI for tão alta e a porcentagem de vacinação tão baixa.

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BdF MG: Você poderia nos dar um panorama geral de como está a situação dos hospitais em Belo Horizonte?

O mais importante, para todo mundo entender, é que o sistema de saúde, tanto SUS quanto sistema privado, em Belo Horizonte, infelizmente estão colapsados. No mínimo desde o dia 20 de março, nós temos registro de filas de espera para um leito de CTI. O que significa isso? Nós temos cidadãs e cidadãos vivos, mas com quadro grave precisando ir para o CTI e que estão esperando mais do que o ideal. Essas pessoas não estão tendo acesso ao tratamento mais adequado para a sua condição de saúde.

Onde estão as pessoas que estão esperando um leito de CTI? Estão nas UPAs de Belo Horizonte

Nós chegamos a ter filas de 224 pessoas esperando um leito de CTI só no SUS de Belo Horizonte. À época, isso foi no final de março, tínhamos 570 leitos. Então vocês imaginem o drama. E onde estão essas pessoas, que estão esperando um leito de CTI? Elas não estão em casa, elas estão nas UPAs de Belo Horizonte. Chegamos a ter 150 pessoas nas UPAs de BH esperando leito de CTI.

São nove UPAs. Para ter uma ideia, cada UPA tinha em torno de quatro a seis leitos de emergência. É gente saindo pelo ladrão, que não cabem nem nas salas de emergência das UPAs e que estavam precariamente atendidos em enfermarias e ambientes que não tinham a quantidade de profissionais suficiente, os equipamentos adequados e nem equipes com experiência em terapia intensiva. Uma parte delas estava em hospitais de pequeno porte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que também precisam dos hospitais de grande porte da capital.

BdF MG: Parece que tivemos uma melhora nos últimos dias.

A situação é muito grave, mas esteve ainda mais grave no final de março e início de abril. Nesses últimos 7 dias, os casos graves da doença e a fila de CTIs começaram a diminuir, graças às medidas de distanciamento social da Prefeitura de BH, mas o grande problema é que nós ficamos muito tempo com o índice de transmissão muito alto. Do dia 17 de março até o dia 4 abril, ficamos com o RT acima de 1.10, 1.15. Isso significa que muita gente pegou a doença, por isso as UPAs receberam um verdadeiro tsunami de pessoas graves.

BdF MG: Para além dos leitos disponíveis, há a falta de equipamentos e insumos. E a situação de exaustão dos trabalhadores da saúde nas jornadas de trabalho. Isso ainda é preocupante?

Com certeza. Particularmente os profissionais das UPAs passaram cenas de horror e ficaram muito angustiados com o sofrimento dos seus pacientes e familiares. Nós tivemos pessoas que faleceram na fila esperando 5, 7 e até 10 dias por um leito de CTI. A UPA é para ficar com um paciente no máximo 24 horas. Ele tem que ser estabilizado e logo transportado para um hospital que tenha todos os medicamentos e equipamentos necessários.

Um exemplo concreto: quando a doença está muito grave, as medicações são muito potentes. Uma delas se chama noradrelina e só pode ser aplicada com uma bomba de infusão, que é um equipamento que regula a quantidade de medicamento que está sendo inserida na veia do paciente. Nós tivemos, infelizmente, por falta desse equipamento, situações em que esse medicamento foi usado sem bomba de infusão. É grave porque um pouco a mais ou um pouco que falta, pode matar o paciente.

Reabrir a cidade com fila de pessoas para acessar CTI é um absurdo. Dia 12, ainda tínhamos 44 pessoas na fila

Teve gente que agonizou nas UPAs de Belo Horizonte porque não tinha respirador disponível. Muitos pacientes foram intubados e mantidos vivos com um equipamento que chamamos de ambu – um balão de plástico que o trabalhador aperta, para que jogue ar no pulmão da pessoa – mesmo sendo contraindicado. As organizações internacionais e nacionais contraindicam esse equipamento porque ele gera muito aerosol e espalha gotículas contaminadas com o vírus por todo o ambiente. Mas a gente teve que usar, senão o paciente morria, mesmo que isso pusesse em risco os profissionais de saúde e outros pacientes que estavam no ambiente.

Resumindo, os meus colegas disseram que não era “medicina de urgência”, era “medicina de guerra” que eles tiveram que fazer nessas últimas três semanas em Belo Horizonte.

Isso se soma à triste desvalorização do profissional. Um técnico de enfermagem da Prefeitura de Belo Horizonte, para trabalhar 30 horas numa UPA nesse caos, recebe em torno do salário mínimo. Isso também intensificou o problema. Muitas vezes a prefeitura não conseguia manter escalas completas. Faltavam técnicos de enfermagem e médicos para dar conta de todo o trabalho. O plantão extra de um técnico de enfermagem na prefeitura é R$ 120. Se a pessoa fizer qualquer outra coisa da vida, ela ganha mais.

BdF MG: Mesmo com essas cenas acontecidas há poucos dias, em Belo Horizonte já se fala em uma reabertura do comércio. Você acha viável?

Ainda que o RT esteja caindo, reabrir a cidade com fila de pessoas para acessar CTI é um absurdo. Os dados que nós temos é que segunda-feira [12 de abril] nós ainda tínhamos 44 pessoas na fila. Além disso, quando a ocupação de CTI é de 85%, 90%, significa que na prática já não tem mais leito disponível. Essa margem de 10% a 15% é a margem operacional, porque no momento em que uma pessoa recebe alta ou infelizmente falece, o leito precisa ser muito higienizado, os equipamentos preparados para receber o novo paciente. Então, definitivamente a gente acredita que não é possível flexibilizar agora, enquanto houver filas de CTI e a gente tiver uma taxa de ocupação acima de 85% nos leitos de CTI.

BdF MG: E o que pode ser feito, daqui em diante, para evitar os óbitos pelo agravamento da covid-19?

A pandemia não acabou e pela velocidade da vacinação, nós vamos ter um 2021 de muita luta pela vida e contra o vírus. Em Belo Horizonte em especial, é fundamental ter uma auditoria sobre as mortes nas UPAs. Nós não queremos que se repita, em outro momento, o drama e o colapso do SUS. Queremos investigar porque foram pessoas que perderam a vida sem o tratamento adequado. A gente quer, no mínimo, por um compromisso com a memória e a verdade, e claro, queremos justiça por tudo que aconteceu.

É fundamental ter uma auditoria sobre as mortes nas UPAs. Nós não queremos que se repita o colapso do SUS

Segundo: não é hora de flexibilizar. É injusto e vai levar as pessoas a morrerem sem assistência adequada. Terceiro: precisamos de um plano de catástrofe. Não dá para ficar como ficou, a prefeitura dizendo que estava tudo bem e as pessoas morrendo. Todos os sistemas de saúde do mundo têm. Ocasionalmente ocorrem catástrofes e o plano tem que ser implantado.

Quarto: abrir hospital de campanha. O governo estadual fechou o Galba Veloso, um hospital psiquiátrico, com uma promessa de abrir naquele lugar um hospital de campanha e não o fez. No momento que mais precisamos, ele estava fechado. Responsabilidade do governo Zema, que contribuiu para as pessoas morrerem em BH e no estado de Minas a fora. E o quinto e mais importante: precisamos da ampliação da vacinação.

Edição: Elis Almeida