Paraíba

ANÁLISE

A Hecatombe brasileira parte I: sindemia e descaso

A sindemia desencadeia outra epidemia (doença) associada a variáveis sociais, nutricionais, educacionais, entre outras

João Pessoa - PB |
Brasil ultrapassa 350 mil mortos pela Covid-19 - Reprodução

Por Adarlam Tadeu da Silva* 

A forma como o Brasil se comporta frente às crises dos mais variados gêneros, em especial a sanitária, que tem assolado o mundo desde fevereiro de 2020, além de ser advertida pelas autoridades planetárias, é pano de fundo para muitas análises de cunho científico e artigos de opinião. 

O lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” simplesmente se desvaneceu junto à hecatombe promovida pelo governo federal. Segundo o jornal O Globo, em matéria publicada no última dia 6, “Brasil registra 4.211 mortes por Covid-19 em um único dia”. Desculpem-me, mas isso extrapola o contexto de pandemia. Por isso, não pode nem deve, por si só, ser considerada a única vilã dessa política mortuária do hodierno desgoverno.

É bem verdade que o país sofreu e continua sofrendo uma pandemia. Mas, para além disso, a afrontosa política negacionista contra as medidas sanitárias recomendadas pelos/as cientistas e a narrativa deliberada por um atendimento/tratamento precoce por parte do presidente da república fizeram, fazem e farão parte da espinha dorsal do presente governo. Assim, não é nenhum exagero compará-lo a um Pôncio Pilatos de plantão. 

Convém lembrar: a célebre frase “vamos passar a boiada” demonstra ao teor desse governo e se torna uma extensão dessa hecatombe, propagada em relação aos bens da natureza e, sobretudo, à população brasileira. O descaso é grande com a vida daqueles/as que, por infelicidade, já não se encontram mais no meio de nós, tal como com a vida daqueles/as que continuam entre a gente. 

Se, por um lado, falta senso de humanidade ao presidente, por outro, sobra no ex-presidente Lula. Sua condição de ex-chefe de Estado e de homem com dever cívico possibilitou ao líder petista se reunir com autoridades russas e chinesas, a fim de negociar aquisições de vacinas para o povo brasileiro. Ao invés da política do insulto, Lula foi conquistar o apoio daqueles dois países e conseguiu abertura para o Consórcio Nordeste estabelecer tratativas futuras referentes à compra de vacinas.

Porém, as notícias ruins, no momento, imperam sobre a realidade brasileira. Entre elas, a entristecedora notícia de que o Brasil já está de volta ao mapa da fome, situação que viola o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), assegurado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, direito negado àqueles e àquelas que mais precisam; os efeitos colaterais provocados pelo atendimento/tratamento precoce; e o apagão ocorrido em 13 dos 16 municípios do Amapá, o qual atingiu 89% da população daquele estado em plena conflagração sanitária. 

Tudo isso exige outra perspectiva científica, denominada sindemia, “um neologismo que combina sinergia e pandemia”, tal como foi cunhado pelo antropólogo médico americano Merrill Singer na década de 1990 para explicar uma situação em que “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças”. Em suma, a sindemia desencadeia outra epidemia (doença) associada a variáveis sociais, nutricionais, educacionais, entre outras.

A falta de cilindros de oxigênio nos hospitais de Manaus, o desgaste psicológico e emocional dos/as profissionais de saúde e tantos outros problemas sociais corroboram esse outro prisma da ciência. Notem que China, Austrália e Nova Zelândia já alcançaram bons índices de mitigação da pandemia. Enquanto isso, o Brasil se tornou uma grande ilha sindêmica. Como diz o velho ditado popular “para quem não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve”. 

Um dia, quando parte de nós tivemos acesso educação formal, estudamos, lá na disciplina de matemática, as famosas Progressões Aritmética e Geométrica (PA e PG). Pois bem, enquanto a vacina avança a conta-gotas, em PA, a sindemia dispara em PG. Logo, é uma luta inglória, a qual o vírus SARS-CoV-2 tem vencido. Infelizmente, esse é o retrato correspondente à realidade dos/as brasileiros/as vítimas não somente da pandemia ou da sindemia, mas, sobretudo, da “hecatômbica” política proposital do governo central, como continuaremos a discorrer no próximo texto.
 

*Militante do MST, graduado em Administração e com mestrado em Gestão Pública e Cooperação Internacional pela UFPB

Edição: Cida Alves