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Os desprezados

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"Era um belo sábado de sol em Belo Horizonte. Desses sábados para você curtir um grande show de jazz, namorar e apreciar a cidade sem demora" - Créditos da foto: Divulgação/PBH
Para nossa surpresa, os bebês não eram bebês. E a criança levou um susto e uma picada

Era um belo sábado de sol em Belo Horizonte. Desses sábados para você curtir um grande show de jazz, namorar e apreciar a cidade sem demora. E foi o que eu fiz, curtir um grande show e namorar um pouquinho. Fui assistir ao show do Trio Corrente, excepcional grupo de música instrumental. Fazia um calor de verão em Belo Horizonte, em pleno inverno.

Iria encontrar com mais algumas pessoas, que também gostam de música instrumental, jazz e samba. Como essas pessoas eram de outro lugar e estavam em um hotel no centro, preferi ir a pé para buscá-los. Era um casal de nigerianos, que não conheciam o Brasil, muito menos Belo Horizonte. Como o show seria perto do centro da cidade, convidei-os para irmos caminhando até o local. Eles toparam. Iríamos fazendo um tour pela cidade das montanhas.

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De longe eles avistaram a praça da liberdade, localizada no ponto mais alto da cidade. O palácio do governo, que tem arquitetura em estilo neoclássico, está abrigado ali. A praça é muito singular. Um lugar mágico que contagia as pessoas. Ainda conta com um coreto e uma fonte luminosa, inspirada no palácio de Versalhes. O casal de nigerianos estava maravilhado. A todo momento tiravam selfs, que enviavam à Nigéria.

Só que uma desagradável surpresa iria acontecer em segundos. Saímos da praça em direção ao local do show e, em frente a um restaurante tradicional da capital, ocorreu uma cena lamentável. Cena que talvez ocorra nas grandes metrópoles todo dia. Gente pedindo esmolas e um prato de comida. Infelizmente, nos acostumamos com essa desigualdade que assombra nossos corações e naturalizamos o fato.

Uma senhora e uma criança estavam famintos e cansados. De repente, na direção contrária, aproximou-se um casal com dois carrinhos de bebê. Aí eu pensei: “Está resolvido o jantar da senhora e da criança. Como eles também estão com crianças, serão solidários, com certeza”. Ledo engano!

Eles começaram a xingar a senhora e a criança e pediram para sair da frente, pois estariam atrapalhando a passagem, e começaram a gritar que estavam sendo assaltados. A criança, curiosa para ver os bebês no carrinho, correu e foi até onde eles estavam. Para nossa surpresa, os bebês não eram bebês. E a criança levou um susto e uma picada. Nos carrinhos, estavam duas cobras raras. Isso mesmo, duas cobras. O casal, enfurecido com a criança e com a situação, continuou a xingá-los: “Sai para lá, seu fedorento”. Polícia, polícia, selvagens nos atacam!, gritava o casal.

Para minha surpresa e obra do destino, a música a ser tocada era do mestre Pixinguinha

A polícia chegou truculenta com a gente e dando a geral. Mão na cabeça e encosta no muro. O casal enlouquecido falando que iríamos assaltá-los. Depois de muita confusão e violência por parte da polícia, conseguimos identificar e explicar o ocorrido. Para surpresa dos policiais, meus amigos nigerianos eram da embaixada da Nigéria. O mal-estar foi internacional.

O casal com a bandeira do Brasil enrolada no corpo eram dois estelionatários procurados pela polícia e traficantes de animais. Depois de toda essa confusão, fomos finalmente para o show.  

Para minha surpresa e obra do destino, a música a ser tocada era do mestre Pixinguinha. Meu astral começou a melhorar novamente. Comecei a entrar no clima. Quando finalmente anunciaram qual seria a música: “Desprezado”.

A vida imita a arte. Neste país tão desigual e racista, Pixinguinha já tinha dado o recado há tempos. Os desprezados existem desde sempre. E provavelmente serão muitos, com essa gente esquisita no poder e teremos muitos desafios pela frente. Viva o mestre Pixinguinha, que nos inspira muito para seguirmos em frente!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Elis Almeida