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O Obama brasileiro

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"Sua tarefa não era fácil, só de visto negado pela embaixada americana foram mais de vinte" - Créditos da foto: Pixabay
Ademir é o que há de melhor no Brasil. Ele representa nossa generosidade, paixão e perseverança

Ademir é um daqueles amigos queridos que a vida nos dá de graça. Boa-praça, generoso, coração tamanho de um bonde, sambista e muito parecido com o Obama.

Desde criança, seu maior sonho era conhecer os Estados Unidos. Ele sempre falava com os amigos e familiares. Todos sempre riam dele. Como ele iria realizar esse sonho? Um pé rapado danado!  Eles só não contavam com a perseverança e força de vontade dele. Não mediu esforços e peripécias para realizar seu grande sonho.  

E ele realmente fez.

Um dia, calmo na favela da Serra, Belo Horizonte, deu um estalo e pronto. Avisou mulher e filhos e caiu no mundo. Só que sua tarefa não era fácil, só de visto negado pela embaixada americana foram mais de vinte. Um amigo do samba aconselhou ir primeiro para Portugal e depois para os Estados Unidos. Ele não pensou duas vezes, lá se foi nosso herói.

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Ficou seis meses em Portugal juntando dinheiro, conhecendo pessoas e arquitetando como realizaria seu sonho de conhecer o país do Michael Jackson, seu ídolo desde criancinha. Em Portugal, seu apelido era Obama. Isto o fazia ter mais vontade de ir para a terra do Tio Sam. De Portugal articulou com os famosos coiotes mexicanos e americanos. E foi para o México.

Chegando a Guadalajara com seu repique de mão na mão, posou de famoso no aeroporto tirando fotos com os mexicanos, tirando onda de sambista famoso no Brasil. Ligou para o coiote que passou toda a coordenada até a chegada na fronteira do México com os Estados Unidos.

Na primeira noite, dormiu numa espelunca nas periferias de Guadalajara, pois não tinha muito dinheiro. Um cara muito esperto sacou a dele e tentou extorquir uma grana, já na primeira noite na cidade dos hermanos.

Comprou uma passagem para a capital de Chihuahua perto da fronteira e depois pegou um ônibus para a cidade Juárez que fazia divisão com El Passos. A viagem demorou mais que devia. Ele estava exausto.  Bom lembrar que nosso herói não falava nada de inglês, aliás, nosso Ademir, como a maioria do povo pobre no Brasil, não teve oportunidade de ter acesso digno a escola. Precisou sair da escola para trabalhar e ajudar em casa. É o que acontece com a molecada das quebradas: estuda ou trabalha.  

Enfim, chegou a El Passos. Logo de cara, o coiote viu a semelhança dele com o Obama e os negros do Sul dos Estados Unidos e mudou o plano dele de passar na fronteira. Naquela época, os americanos, como todo povo imperialista, passavam para o lado mexicano para curtir as noites com bebedeira, cassinos e mulheres. Bom lembrar aos nossos leitores que o americano também faz parte da máfia dos coiotes. Aliás, sem americanos não teria como estrangeiros entrarem ilegalmente na terra do Tio Sam.

O coiote começou a ensinar algumas palavras para o nosso herói. A primeira foi American. Ele falava: “fala American”. Ademir falava: “Americani”. Foi uns 15 dias treinando algumas palavras e dormindo numa pensão de quinta categoria até passar na fronteira. Era seu grande sonho a ser realizado. Custe o que custar.

Chegou o grande dia de passar a fronteira. A cidade estava cheia de americanos se deliciando nas noites mexicanas. Às quatro da manhã, a farra acabaria e ele iria se misturar com os americanos. E lá foi ele.

A fronteira fica toda iluminada com holofotes, com cachorros e barreiras de polícia para todo lado.

De repente, começa uma briga entre mexicanos e americanos, virou uma enorme confusão, nosso herói aproveitou o descuido dos policiais da fronteira e não pensou duas vezes, começou a correr em direção a seu grande sonho. Quando já iria passando para o outro lado do American Way Of Life, escuta: “Stop, Nigger”. Ele gelou na hora. Pensou: “Fodeu, meu Deus!” Mas lembrou do treinamento do coiote e soltou: “Américan!” A policial falou: “All Right”. Ele correu tanto que só parou de correr quando chegou a Boston. Ficou lá por mais de 10 anos.

Um dia, para acabar de realizar seu sonho, foi chamado para acompanhar um grande grupo de pagode brasileiro numa turnê nos Estados Unidos. Ele é o rei do repique de mão. O que ele não imaginava é que, numa festa particular, seu maior ídolo estaria lá e lado a lado com ele. De repente, o mestre de cerimônias anuncia: senhoras e senhores conosco na festa o maior dos maiores, ele é o nosso Michael Jackson. Nosso herói não acreditava que todo seu esforço valera a pena. Passou a noite conversando com Michael Jackson e ainda ensinou uns toques no repique.  

Ademir é o que há de melhor no Brasil. Ele representa nossa generosidade, paixão e perseverança. Sempre com um sorriso e um coração grande, faz suas correrias para superar a desigualdade histórica e o racismo estrutural.

Sempre quando nos conta as peripécias das suas histórias nos Estados Unidos, damos risadas, mas no fundo fico pensando como ele sofreu para chegar às terras do Tio Sam.

Valeu, Ademir!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Elis Almeida