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Falsas mensagens, negação do óbvio

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"Como não encontra razão para cumprir seu intento, cultiva fanatismos, estranhas crenças pseudo-religiosas e mentiras" - Tirinha de André Dahmer
"Tudo é visto pelo contrário, como manda a escola da perversão de Steve Bannon e Olavo de Carvalho"

Como sozinhos não conseguimos obter conhecimento de tudo que existe no espaço cósmico e nem no interior de nosso próprio corpo, além de uma infinidade de outros conhecimentos filosóficos e científicos que escapam às nossas vivências pessoais, confiamos em narrativas de terceiros para formar nossa percepção de mundo e de valores.

Acontece que muitos conhecimentos e primados científicos, como observa Karl Marx, são produzidos pela superestrutura da sociedade e servem a seus interesses. As ideias hegemônicas propostas pelas classes dirigentes são apresentadas para toda a sociedade, como um ideal comum, pertencente a todos. Isso pode ser constatado na história do pensamento da antiguidade até a atualidade.

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Os sofistas gregos, ao invés da dialética socrática, usavam a retórica com o objetivo de vencer discussões. Na Idade Média feudal, somente o alto clero podia ter acesso a livros, com predomínio da crença sobre a lógica. Nos séculos XVI a XVIII, reis e ministros chamados déspotas esclarecidos, usavam a religião e as crenças como forma de controlar os súditos.

A Revolução Industrial marcou o século XIX como um período de ascensão de diversas áreas do conhecimento. Os assuntos de ordem científica e estética passaram a despertar o interesse de um grande público. Várias nações criaram instituições que buscavam o desenvolvimento de estudos em prol do progresso da ciência.

Ainda na primeira metade do século XX vieram as reações ao modernismo e à modernidade com o movimento integralista

Nesse mesmo período, o termo cientista foi destacado e a obra “A origem das espécies”, de Charles Darwin, ganhou popularidade. Ampliam-se os objetos de estudos e as disciplinas das universidades, como Sociologia, Antropologia, Psicologia. Surgem movimentos contra o regime de escravidão e melhorias nas condições de vida dos trabalhadores; lutas por liberdade e igualdade.

O século XX tem início tentando ampliar todas as conquistas sociais e culturais do século anterior e é fortemente marcado pelos movimentos modernistas europeus e brasileiro. A mulher tomando posição no trabalho profissional, na ciência e nas artes e na política. Lutas contra preconceitos com a valorização das culturas indígenas e negras.

Há uma reviravolta na estética, na qual os artistas adquirem liberdade de criação priorizando os conteúdos ao invés das técnicas e das formas. Cientistas e intelectuais adquirem prestígio e ganharam status social. Estes ideais ditaram o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Quem reagia a esse progresso humano era classificado como reacionário.

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Ainda na primeira metade do século XX vieram as reações ao modernismo e à modernidade com o movimento integralista, fundado em 1930, inspirado no nazismo e no fascismo, sob a liderança de Plínio Salgado. O conteúdo ideológico do integralismo era nacionalista, autoritarista e tradicionalista e tinha como lema “Deus, pátria e família”.

Ao invés da razão e da lógica, baseavam-se nas ideologias, crenças religiosas e na maledicência. Getúlio Vargas colocou o Integralismo fora da lei, mas ele continuou seus resíduos ideológicos no partido União Democrática Nacional (UDN).

Os partidários da UDN tentaram impedir a posse de JK, logo após a eleição, em 1955. Com não conseguiram, tentaram dar golpes duas vezes. Depois do mandato de JK os seguimentos golpistas passaram a usar a religiosidade católica para motivar a intervenção militar no governo.

Tudo é visto pelo avesso, pelo contrário, como manda a escola da perversão do trumpista Steve Bannon e do bolsonarista Olavo de Carvalho

Orientados pelo americano Padre Payton, mulheres iam para as ruas com terços nas mãos, gritando o lema “Com Deus, pela família e pela liberdade”, dizendo que o cristianismo estava ameaçado e que era necessário depor o presidente Jango Goulart. Com o golpe militar de 1964, essas falsas narrativas, condicionaram e incentivaram os militares a prender, torturar e matar milhares de brasileiros que se opunham ao regime.

Durante o regime militar foi difundida a falsa narrativa de que os defensores dos direitos humanos eram comunistas e contribuíam para a impunidade de criminosos. Para eles, os direitos humanos eram a causa do aumento da criminalidade.

Em 1995 o artista plástico Eugênio Fiuza Queiroz foi confundido com o “maníaco do Anchieta” em Belo Horizonte, que havia estuprado e matado mulheres daquele bairro. Ao ser preso, um apresentador de televisão de Belo Horizonte, exibindo a foto de Eugênio Fiuza dizia com raiva: “Agora quero ver se esses defensores de direitos humanos vão apoiar esse criminoso”.

Em 2012, o verdadeiro estuprador foi identificado por uma das vítimas e Eugênio Fiuza foi inocentado, mas havia passado 17 anos preso em regime fechado. Essa mentira sobre diretos humanos virou crença popular.

A escola de Olavo Carvalho ensina como vencer uma discussão sem ter razão

Enquanto no Brasil vivíamos oprimidos pelo regime militar, na França entra em cena o movimento da juventude, de maio de 1968, que ecoou pelo mundo, com protestos contra o capitalismo voraz nos padrões de consumo; contestação dos valores morais e estéticos da sociedade global; lutas por um mundo mais poético e menos cruel; condenação de todo tipo de preconceito e defesa da natureza. Soma-se a isso a teoria crítica, na qual intelectuais marxistas faziam análise da sociedade capitalista, da indústria cultural e das injustiças sociais.

Com a eleição de Donald Trump nos EUA e de Jair Bolsonaro no Brasil, veio a público um discurso totalitário, teocrático e falsamente moralista. Nele, está explicita a intenção de contrariar todos os valores fixados pela modernidade. Como não encontra razão para cumprir seu intento, cultiva fanatismos, estranhas crenças pseudo-religiosas e mentiras. Os adversários são considerados inimigos e combatidos com falsas mensagens.

Entre as primeiras mentiras que Bolsonaro enviou à sociedade e ao mundo foi sobre ecologia: “Sou defensor do meio ambiente, mas desta forma xiita, como acontece, não. Não vou admitir IBAMA sair multando a torto e a direito por aí”. É falsa porque o IBAMA apenas cumpre a obrigação e a lei, mas não é radical perseguidor de empresários.

As ideias hegemônicas das classes dirigentes são apresentadas para toda a sociedade como um ideal comum, pertencente a todos

Tudo é visto pelo avesso, pelo contrário, como manda a escola da perversão do trumpista Steve Bannon e do bolsonarista Olavo de Carvalho. Se dissermos que a pandemia de coronavírus fez quase 500 mil vítimas no Brasil, o fã de Bolsonaro dirá que é mentira. “Você esteve nos hospitais para verificar se essas mortes foram causadas só pelo covid-19?”

A escola de Olavo Carvalho ensina como vencer uma discussão sem ter razão. Como dizia o ministro de propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, “uma mentira contada mil vezes vira verdade”. Essa conclusão é falsa. Uma mentira repedida vira crença e nunca será verdade.

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado e mestre em história pela PUC-RS.

Edição: Elis Almeida